quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Pitaco de professor estressado, em um país estressado, que se definha - bem como suas relações sociais no desgoverno a que estamos relegados

Já se aproximando o fim da primeira metade de dezembro, confesso que não sei como outros colegas, professores como eu, estão se comportando para dar conta de toda a correria de final de semestre.
É certo que alguns trabalham em escolas cujo calendário, feito de forma mais racional e humana, já permitiu que eles encerrassem o tumultuado período caracterizado por correção de trabalhos, provas finais, provas de segunda oportunidade e trabalhos de conclusão de curso. 
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Também é certo que vários dos colegas devem ser mais, bem mais organizados do que eu, chegando ao final do período de aulas com toda sua tarefa avaliativa concluída. 
Seja o primeiro caso, do calendário, seja o da organização pessoal, a verdade é que, para mim, é completamente estressante esse período. 
De tal forma que chego a pensar em alguns momentos que não existe nada mais além do mundinho de trabalhos, provas, lançamento de notas, atendimento de reclamações ou apenas de pedidos de alunos por alguma ajuda extra. 
Razão porque, pode o pau estar quebrando no mundo ou no nosso país; nosso governo pode prosseguir em sua sanha avassaladora de desconstrução, destruição, até barbárie, e apenas consigo estar atento aos prazos que me oprimem.
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O que não significa que não há coisas demais acontecendo, que mereceriam mais atenção de minha parte. Quem sabe até mais estudo, análise, comentário ou pitacos. 
Claro que a vida de nosso país não parou e nem a capacidade escandalosa de continuar criando atritos e problemas de nossas autoridades. 
E nem apenas de nossas autoridades. 
Afinal, democraticamente eleito pela maioria dos votos válidos, já que com percentual que não lhe assegura qualquer maioria quando considerado mesmo o número de eleitores, a verdade cristalina é que mais uma vez vigora a máxima: o povo escolhe sempre alguém que ele tem a certeza de que será capaz de representá-lo.
Essa é, afinal, a beleza e o problema do sistema de democracia representativa. 
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Assim, se ao final do ano passado, Bolsonaro foi eleito para presidir o país, apesar de toda sua ignorância, seu comportamento preconceituoso, desrespeitoso, incapaz de aceitar a existência de diferenças e conviver com elas; de seu comportamento homofóbico, misógino, autoritário e, além disso, de toda sua convivência saudável e por anos a fio com pessoas que poderiam ser consideradas  a escória da sociedade humana, como os milicianos, é porque,  grande parte de nossa gente, senão a maioria, se identifica com uma ou algumas dessas facetas desprezíveis. 
E tanto conseguem se identificar que o elevaram ao pedestal dos mitos.
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Pois bem, no exercício do poder e sem qualquer condição ou qualificação para o cargo que ocupa, o presidente apenas se destacou por colocar o país em situações de verdadeiro ridículo no cenário internacional, começando por não apenas correr para bajular e se submeter aos caprichos de Trump, mas chegar ao cúmulo de indicar seu filho 03 para o cargo maior da representação diplomática de nosso país na terra do Tio Sam. 
E olhe que as credenciais de 03 eram tão portentosas quanto ter trabalhado, talvez como ilegal, como chapeiro em lanchonete servindo hambúrgueres. 
O que explica o porquê de, em meio à fumaça da chapa, aos gritos dos colegas e fregueses ou da ditadura das comandas, não conseguiu aprender a língua inglesa. 
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Mas, tratávamos do pai, Bozó,  que para bajular o seu ídolo Trump, talvez sob influência do demente autointitulado filósofo, Olavo de Carvalho ou pior, de Steve Bannon, o manipulador de ultradireita, imediatamente ao assumir rompeu a tradição brasileira de longo período, de manter minimamente de  neutralidade em relação aos conflitos no Oriente Médio. 
O que levou o país a sempre condenar a invasão, a ocupação e o estabelecimento de colônias israelenses em terrenos da Palestina; e a considerar a cidade de Jerusalém, cidade sob regime internacional especial.
E, em sua primeira manifestação sobre aquela região conflagrada do mundo, Bolsonaro anunciou que o Brasil iria reconhecer toda a cidade de Jerusalém como capital de Israel, transferindo para lá sua embaixada. 
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Felizmente, como vários outros assuntos e decisões, Bolsonaro voltou atrás e apenas decidiu instalar um escritório comercial na cidade berço de todas as religiões.
Mas isso não o impediu de continuar manifestando solidariedade total às causas de Trump, seja na guerra comercial contra a China, seja quanto às relações dos Estados Unidos com vizinhos nossos, como a Venezuela, a princípio, ou mais tarde a Bolívia, ambos os países sofrendo tentativas de golpe e execução de golpes para fazer prevalecer os interesses americanos na região. 
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Todo esse comportamento de submissão para que? 
Para ao final, acreditar na promessa de que Trump iria apoiar a entrada do Brasil no conjunto da OCDE, ou de uma relação comercial preferencial entre os dois países.
Ambas com o resultado desastroso e risível para as pretensões do sabujo: a indicação feita para fazer parte da OCDE foi da Argentina (logo quem?) e, agora, a decisão de sobretaxar aço e outros produtos brasileiros pelos Estados Unidos. 
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Ingênuo, por ignorante, o que Bolsonaro não conseguiu perceber foi que política internacional se faz com decisões estratégicas e fundamentadas em cálculo econômico, sob a égide dos interesses nacionais. 
Não com o presidente idiota batendo continência para a bandeira americana. Isso para defender nossa soberania, segundo suas manifestações em redes sociais. 
Política internacional não se faz com o fígado, ou com ideologias que mais se caracterizam como fantasias amalucadas, capazes de enxergarem conspiração comunista em todo lugar. 
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Além disso, para países maduros, sérios e com política externa digna do nome, e representantes qualificados, bem diferentes de nosso chanceler Ernesto Araújo, o comportamento de apoiar, participar, querer interferir e até criticar a eleição de políticos de outra vertente ideológica em nações parceiras e vizinhas é, no mínimo, um equívoco. 
Criando uma situação vergonhosa, capaz de permitir que políticos de mesma linha ideológica que a de Bolsonaro, se vissem em condição de manifestar até mesmo um tipo de censura velada à sua postura.
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Só em questões de política internacional, a lista é longa e exaustiva, razão porque esse pitaco para por aqui, abordando apenas dois últimos pontos: a reação às críticas em relação às queimadas na Amazônia e ao seu desmatamento recorde, e sua reação à crítica da postura do país em relação à não adoção de políticas sustentáveis voltadas para o meio ambiente, que o levou a tentar desmerecer ou diminuir uma ativista adolescente, ainda mais portadora de autismo, como Greta Thunberg, a quem tratou por Pirralha. 
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No cenário interno, as medidas todas favoráveis ao relaxamento da fiscalização e das punições de transgressores de leis protetivas de terras indígenas, somam-se às invasões de terras e práticas de queimadas para fins de expansão da área agrícola cultivada, todas com um mesmo resultado: a violência contra os silvícolas, contra seus direitos às terras e reservas já demarcadas, à sobrevivência de seu "modus vivendi", o respeito a sua cultura. 
Não à toa, as críticas às agressões feitas, indiretamente sob sua responsabilidade por força de sua indiferença, à preservação do meio ambiente e de nossas raízes étnicas, sociais e culturais. 
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Claro, esses pitacos poderiam resvalar para o baixo nível dos representantes de nossa área da Cultura, onde o do diretor de órgão, cujo nome nem merece referência, foi capaz de agredir uma senhora de 90 anos, considerada uma das maiores atrizes de nossas artes cênicas. Ou abordar o infeliz que, escolhido para dirigir a Fundação Palmares, mostra apenas o quanto ser servil, para obter indicação para cargos públicos, pode gerar comentários contra sua própria história e passado.
Ou ainda outro, que acusou Caetano Veloso, autor de um monumento como a composição da música Língua, de favorecer o analfabetismo. 
Isto, para não concluir citando o desprezo ao reconhecimento internacional a Chico Buarque, vencedor de um dos maiores prêmios, senão o maior da Literatura Portuguesa; ou a acusação que agora todos temos condições de verificar, da influência dos festivais de rock na questão do aborto, ou dos comunistas da KGB, que atendiam pelo nome de Beatles. 
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São disparates demais, que poderiam até parecer propositais, para criar uma cortina de fumaça para esconder medidas adotadas muito mais graves, relacionadas à implantação da censura em nosso país. 
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Não podemos ficar calados, ao menos enquanto o golpismo e autoritarismo de Bolsonaro e sua tropa buscam avançar na tentativa de implantação de um regime autoritário, uma ditadura por meio de um golpe, alicerçado em atos e medidas de exceção.
O QUE ESTAMOS VENDO SÃO AS RAÍZES DA CENSURA A TODA FORMA DE MANIFESTAÇÃO POPULAR. 
E é contra isso que temos que lutar.
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Censura, transferência de todo poder da sociedade civil para o aparato policial-militar, propostas de armar a população, proposta de adoção de excludente de ilicitude para ações militares, tudo se adéqua à máxima: atire e mate antes. Interrogue depois. 
Claro, a realização de investigações, nem pensar.
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Situação que explica a liberdade para cometer crimes, sob a proteção do Estado, como o cometido contra o músico, metralhado no Rio, quando transitava com sua família; ou a morte da menina por bala perdida, em razão do policial, alegando estar sob forte comoção, ter atirado contra quem levava algo que nem de longe poderia ser confundido com uma arma.
A situação de desvario e agressão consentida e até estimulada chegou a tal ponto que fica até difícil listar as Ágathas, Ketellens, ou as nove mortes do pancadão de Paraisópolis. 
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E tudo isso acontecendo enquanto o Ministério Público, sob forte apoio da Globo e outras redes de desinformação, dá curso a uma campanha de perseguição e desmoralização pública de Lula e seus familiares, requentando uma investigação iniciada há longa data. 
Enquanto isso, Queiroz continua sumido, comandando a massa e empregando a moça, e continua dando as ordens no terreiro (parafraseando a impagável Aquele Abraço de Gilberto Gil). Os porteiros do condomínio da morada de Bolsonaro revisam suas declarações, Carlos, Flávio e agora o 03, Eduardo, não sofrem qualquer investigação por suas ligações espúrias, declarações e postagens, idem. 
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E Marielle continua uma alma penada, sem descanso, à espera de que se faça a justiça, se cumpra a justiça. Ou no mínimo, que a Polícia investigue. 
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Não há como não atribuir a Bolsonaro, e seus rompantes e pensamentos (se algum!), as práticas instauradas por Witzel ou Dória, de total descompromisso com a vida humana, mesmo que de jovens de periferia, pobres, pretos. 
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Só nesse clima de total individualismo agressivo e destemperado, em que se aplica a lei da selva, do mais forte engolindo o mais fraco, dá para entender a expansão de atos de covardia e desrespeito que geram, desde um aumento do número de vítimas de homicídio por ações policiais até, e pior, uma expansão do número de vítimas de feminicídio.
E não apenas o crescimento do feminicídio. Aumentam também, sob um ambiente de conservadorismo cristão hipócrita, os casos de agressões sexuais, estupros, pedofilia. 
Isso, para não falar nos casos de agressões que terminam em mais mortes. 
O que não significa que não existam outros tipos de abusos e desrespeito, de mesma gravidade, como o comprovam a expansão dos casos de homofobia, ou racismo.
Casos como o do Mineirão, onde atleticanos cometeram o crime de racismo por meio de palavras e atitudes (cusparada) contra um segurança. Justo a torcida do Galo, que logo no início do governo, entoou cânticos homofóbicos, dirigidos à torcida do Cruzeiro, em que usavam o nome do "mito" ! Uma verdadeira vergonha!
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Mas os casos se reproduzem: uma atendente de cozinha agredida em BH; outro motorista de táxi, agredido por uma advogada, que ainda se declarou, orgulhosamente, racista; ou ainda o aluno - filhote de alemão com cruz credo, dado seu fenótipo, estudante de ciências sociais, que se recusou a pegar a prova que sua professora lhe entregou, apenas por ser negra.
Danilo, o nome desse aluno infeliz, merece ser expulso da Faculdade além de ir parar atrás das grades pelo crime que cometeu. 
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Nesse meio tempo, a selvageria invade até a área do lazer e da diversão, com torcedores cruzeirenses, poucos, que não sabem perder, se arvorando em justiceiros e promovendo quebra-quebra em pleno estádio ou arena. 
Como se a agressão e quebradeira fosse capaz de promover a volta do futebol que o time não foi capaz de apresentar ao longo de 38 rodadas.... 
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Em um clima desses, como criticar as escolas que, visando a captação de alunos insatisfeitos nos estabelecimentos concorrentes, e a manutenção das turmas cheias e das receitas em elevação, moldam os calendários aos seus interesses?
Seria irracional o calendário que visa o lucro em princípio, mesmo que entrando dezembro a dentro?
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Como criticar a oportunidade que dou, e que cria parcela importante da minha desorganização e correria de última hora, quando aceito que os alunos entreguem trabalhos fora das datas previstas. 
Afinal, mesmo sabendo estar contribuindo para a formação de profissionais que não saberão respeitar princípios como o da pontualidade, como não optar por essa atitude?
Penso eu que é melhor saber que eles, ao final, tiveram que ler ao menos o material utilizado durante o curso, quando nada para obterem pontos de trabalhos. 
Com isso, não cumpri minha função de ensinar-lhes a aprender? De induzi-los a ler e estudar?
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Quanto à economia brasileira, ela cresce no terceiro trimestre e entusiasma a todos.
Alegra desde o liberal, que em governos anteriores criticava a adoção de medidas populistas destinadas a barateamento e expansão do crédito para alavancar o consumo;  até aqueles que agora, no poder, adotam a liberação de recursos de fundos dos trabalhadores, para que esses mesmos trabalhadores possam consumir.
Com a diferença de que agora a medida não é populista. Ao contrário, apenas dá ao seu verdadeiro dono, o trabalhador, o recurso que era seu e estava indevidamente em um Fundo público.
Como cada um usa a desculpa que mais lhe agrada, não dá para discutir quanto às razões.
Apenas reconhecer que os efeitos são os mesmos...
Populistas ou populares. 
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Se antes o crescimento era um voo de galinha, o país precisa, honestamente, que agora o consumo consiga alavancar um processo de retomada. 
Mesmo que em situações cada vez mais precárias de relações de trabalho e emprego. 
Mesmo com a assimetria que caracteriza, cada vez mais, as medidas adotadas pela equipe econômica, sempre em privilégio dos mais ricos e poderosos,  e em detrimento da maioria e mais desamparada da parcela da população. 
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Razão de nosso país estar há tanto tempo experimentando um processo de recuperação que não deslancha. E,  em contrapartida, batendo recordes no grau de desigualdade e de concentração de renda. 
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É isso. Tomara que esse período de provas termine, ainda enquanto resta o Brasil.

Um comentário:

Anônimo disse...

A chegada de dezembro é sempre acompanhada por algum tipo de nostalgia, esperança e alguma fantasiosa alegria. Penso que 2019 será exceção para os três sentimentos.
Não haverá nostalgia, pois ao fazer a Retrospectiva 2019 iremos tropeçar nos inúmeros disparates promovidos por Jair e toda a sua côrte e ainda a escalada da violência em todos os níveis estimuladas por discursos oficiais;
A esperança de dias melhores em 2020 é torpe, tendo em vista a condução da economia, bem como das relações de trabalho, que vão se deteriorando a cada dia... promovendo uma UBERnização em escala medonhamente espantosa;
A alegria talvez se resuma à possibilidade de uma reunião familiar que seja amistosa e saudável, (em pese a presença de alguns discípulos de bozo, o que colocará em teste o tal espírito natalino, pelo menos de minha parte); mas com o preço da carne nos atuais níveis, será necessário muita cerveja...
Na minha opinião os atuais mandatários estão testando a reação da população e das instituições. Cada dia falam ou propõe coisas estapafúrdias e observam as reações, e assim recuam ou não. Como nas famigeradas falas do AI5... tudo acompanhado pelo nefasto fundamentalismo religioso.
Quanto à educação e professores... vamos seguindo o caminho do Gólgota... falta pouco...
Abraços.

Fernando Moreira