Em minha opinião, não há dúvidas que grande parte dos 57
milhões de eleitores que levaram Bolsonaro à presidência não são pessoas que
poderiam ser enquadradas na categoria de perfil político ultra-conservador, ou situado
mais à direita do espectro político, menos ainda, ultra-direitistas ou
liberticidas.
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Talvez pudessem ser classificados como posicionados mais ao
centro, no máximo em uma faixa de centro direita, guiados por valores e
princípios conservadores, tanto na esfera da vida privada, no que se refere aos
comportamentos e costumes, quanto no espaço da vida pública.
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Se votaram como e em quem votaram, o fizeram muito mais
movidos pela desilusão com o Partido dos Trabalhadores, encarado como o núcleo dinâmico
de irradiação da corrupção que se instalou no país, e principalmente no governo.
Espaço privilegiado para a criação, teste e desenvolvimento de um arsenal de mecanismos
destinados a criar as oportunidades e disseminar a roubalheira cuja finalidade
seria a de solapar as bases tradicionais
de sustentação da sociedade, terminando por perpetuar o projeto de poder dos
líderes ou caciques do partido.
Dessa forma, para grande parte do eleitorado, as
alternativas que se apresentavam eram votar na manutenção da roubalheira e da
corrupção, ou votar contra, no caso específico, votar em Bolsonaro.
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Pois bem, para esses que acreditaram na versão que
apresentava o PT como a encarnação de todo o Mal na face da política nacional, vejo-me
na obrigação de fazer uma indicação de leitura.
Afinal, nada como poder ter em mãos um “montão de amontoado de
muitas coisas escritas”, esse objeto de prazer a que chamamos de livro. Principalmente
quando o livro em pauta pode ser considerado um autêntico “triller”, de qualidade
indiscutível.
Refiro-me ao livro de Bruno Carazza, “Dinheiro, Eleições e
Poder: As engrenagens do sistema político brasileiro”, editado pela Cia. Das Letras.
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De início, vale dizer que o livro contém a tese de Doutorado
em Direito pela UFMG do autor, que também é mestre em Economia pela UNB, Ao
lado da carreira acadêmica, Bruno é servidor público da carreira de
Especialista em Políticas Públicas, tendo trabalhado na Secretaria de Política
Econômica do Ministério da Fazenda e como coordenador da ESAF -Escola de Administração
Fazendária. Além disso, é colunista do jornal Valor Econômico.
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Em seguida, devo reconhecer que é muito difícil a postura de
recomendar um texto de alguém de competência muito superior à de quem recomenda.
Bruno escreve bem, tem uma redação leve, estilo ágil, dinâmico, sem perder a qualidade, a consistência e a profundidade de análise e sem abrir mão do emprego de vasta quantidade de dados
e informações estatísticas e de outros documentos.
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É forçoso reconhecer que a massa de dados com que Bruno
trabalhou está à disposição do público, no acervo do Tribunal Superior
Eleitoral, e na própria Câmara dos Deputados, nas Comissões e nos arquivos do
STJ e do STF.
Mas, a paciência, a diligência, a pesquisa, a localização
dos dados, a capacidade de trabalho com ferramentas estatísticas, de modo a
formar um conteúdo capaz de embasar a sua análise por si só, já merecem os maiores
elogios.
Quanto aos arquivos dos Tribunais, e da Câmara, há uma exaustiva pesquisa de declarações, depoimentos, autos de delações premiadas, etc, vídeos, áudios, de que Bruno se serviu com vigor e disposição inesgotáveis.
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E tudo isso com a finalidade de entender o que ele chama, na
esteira de outros pesquisadores, de presidencialismo de coalizão, ou seja, descobrir
em que consiste tal arranjo, como ele se mantém, a fonte de recursos de que
dispõe e, por fim, a finalidade última da utilização de tais recursos. Ou seja:
quem financia a quem, e com que interesses futuros? Quem se beneficia do acesso
a tais recursos e como ao ser eleito, tal beneficiário age, no exercício do
mandato, em defesa dos interesses do financiador.
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Com tal objetivo, Bruno tenta mensurar o ônus, para a sociedade
brasileira, do esquema responsável pela transformação da frágil democracia
brasileira, em instrumento dos principais grupos empresariais do país em conformidade
com sua postura de “rent seeking” (busca de lucros pela manipulação do ambiente
político, social, etc.
Antes de mais nada, para aqueles que desejarem ampliar seus
conhecimentos, é importante lembrar que Bruno não cai na visão simplista de que
os empresários são os corruptores perversos que conduzem os políticos e
funcionários de todas as organizações, não apenas públicas, mas também privadas,
para o caminho do mal.
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Bruno sabe que as relações que se estabelecem caracterizam
uma simbiose, uma conjugação de interesses de ambos os lados envolvidos, o que
não nos permite sermos condescendentes com qualquer dos lados sentados à mesa.
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Adicionalmente, o livro serve para mostrar que nem o PT era
o guardião das chaves onde estavam guardadas as forças de domínio do MAL, nem o
novo presidente tem condições de alterar o esquema que circunda, circundou sua própria eleição.
O que nos permite concluir, ao final, que não há virgens em
puteiro.
E que a escolha de nosso inimigo na luta contra a corrupção
depende de seleção anterior daquele que é nosso bandido predileto.
É isso.
Um comentário:
Fico pensando nesse cenário o que Raimundo Faoro diria sobre o PT. É claro se ainda estivesse vivo, mas sua obra ainda esta viva. E será que estatística explicaria a realidade melhor que o livro Os Donos do Poder? Nada contra o citado "Bruno",antes de tudo vamos voltar aos grandes como Raimundo Faoro com sua vasta análise sociológica, econômica e política. O que ele diria sobre o PT? Acredito que sua crítica seria clara o PT não é o mal só se torno o estamento burocrático.
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