E devo confessar que, desde o início, tive minha atenção atraída por um trecho em que o afamado professor, laureado com o prêmio Nobel de Economia, procurava demonstrar as vantagens da organização do sistema de preços, baseado no livre mercado, como forma de resolução dos problemas econômicos fundamentais, de o que, como e para quem produzir.
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É desse livro que transcrevo integralmente a seguinte parábola:
"Em Flandres havia dois reinos. Em Zig, o bom Rei Juan
requisitava os gêneros alimentícios levados à cidade em época de fome, pagando
aos camponeses um preço justo (mas generoso) e racionando os suprimentos em
proporções satisfatórias para todos. Como a fome persistisse, os cidadãos
moribundos abençoavam o Rei moribundo. Em Zog, que ficava perto, em época de
fartura, cada um dos doze comerciantes construiu em segredo (e encheu de
cereais baratos) um armazém de gêneros alimentícios. Quando veio a fome, venderam
o produto pelo dobro do preço comum, chegando até a despojar as pessoas de seus
relógios e de suas jóias. Algumas (mas não todas, em absoluto) das jóias eles
as deram a camponeses menos atingidos, para provocar a saída da maior
quantidade de gêneros. E quando a notícia se espalhou, de lugares que ficavam à
distância de Zig vieram camponeses trazendo alimentos. Quanto mais durasse o
período de fome, maior era o preço que os Zoguitas pagavam pelos gêneros, até
que finalmente o mercado os limitou a uma dieta mínima. Quando passou a crise,
a cidade inteira devia aos comerciantes, mas estava viva, e cada um dos
comerciantes lamentava que a concorrência por parte de seus colegas havia
impedido que ele aumentasse vinte vezes a sua fortuna, em vez de apenas quatro. (extraído de Samuelson - Introdução à Análise Econômica - vol 1 - página 74 - Agir/MEC, 1972).
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Desde minha primeira leitura, e por pior que fossem os resultados apresentados, me solidarizei com o Rei Juan e sua preocupação em pagar o justo valor dos gêneros alimentícios encomendados aos camponeses. Da mesma forma, a distribuição de rações satisfatórias de alimentos a toda a população, sem se importar com atributos dos cidadãos como sobrenome, linhagem, posses e riquezas, função social desempenhada, classe social, etc. provocou marcas na minha forma de encarar a realidade social, o ambiente em que eu vivia.
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Por outro lado, não há como deixar de reconhecer e questionar as razões de apresentação tão desigual, desde seu início, da situação dos dois reinos.
Afinal, em Zig, já somos lançados em meio à fome avassaladora. Nenhum detalhe adicional nos permite identificar as razões da crise. Não somos informados se houve algum tipo de previsão, se houve inépcia, negligência, imprudência por parte do bom Rei Juan. Sabemos que, em meio à tormenta, ele tratou a todos como cidadãos iguais, com direitos iguais aos dele.
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Completamente diferente é a situação em Zog, onde sabemos que foi feita provisão de gêneros nos tempos de "vacas gordas", à semelhança da história do sonho do Faraó e José do Egito, ou de políticas de estoques mínimos, mantida por vários governos, de distintos matizes ideológicos.
Mas, sabemos mais. Não se tratava de um mercado de concorrência pura ou perfeita, como a tese vendida nos manuais, e que ampara o altar ao deus mercado: afinal, eram apenas 12 comerciantes. Situação característica de mercados oligopólicos, e de todas as consequências daí decorrentes, como a prática de colusão de preços!!!
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Talvez não intencionalmente, também somos apresentados à verdadeira face do comerciante, no auge de seu processo de acumulação de capital, de forma a mais selvagem e bárbara possível. Somos apresentados a pessoas que, para aumentarem suas riquezas em apenas 4 vezes, chegaram às raias da extorsão, cobrando preços exorbitantes, jóias, tesouros.
Vá saber quantos não morreram de fome, na miséria, à míngua, por não terem nem um pedaço de grão de areia para poderem ter acesso ao alimento necessário.
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Chama-me também a atenção que não houve roubos, agressões, violências, saques e roubos aos depósitos onde se estocavam os alimentos. E que à custa da rapina feita aos seus clientes, puderam encomendar e ampliar a compra e fornecimento de alimentos em localidades vizinhas.
Nenhuma palavra sobre a organização do reino de Zog, como se já há muito o Estado de tão mínimo já não tivesse mais razão de existir, e seu Rei tivesse sido deposto pelos comerciantes unidos e poderosos.
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Nesse momento específico experimentado em nosso país, não passa despercebido também o fato de que os comerciantes sabidamente concederam créditos aos seus clientes, independente dos riscos incorridos, já que não apenas tratava-se de uma situação extraordinária, mas da possibilidade de os sobreviventes endividados poderem ter que saldar suas dívidas com seu próprio suor e trabalho, sob as condições impostas por donos de capitais talvez em fase de industrialização.
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Da pouca consciência de classe em si, ou ausência da consciência de classe para si, percebemos que não estávamos nos defrontando com cidadãos conscientes de seu futuro proletário...
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Mas, acima de tudo, uma observação que mexe muito comigo é a relativa às razões de os camponeses, de Zog ou de reinos que passaram a lhes abastecer, não terem resolvido, em momento de tragédia humanitária, procurado assegurar a venda, com menores margens sem dúvida, de sua produção para o reino de Zig, de mesma distância que Zog.
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De toda a passagem e por meus comentários, fica nítida a minha aversão a esse sistema que se transformou em religião, dogmática, mecanicista, falsa e ilusória, que cultua o "deus ex-machine", o deus Mercado.
Em relação a esse deus, afirmo que sou completamente ateu.
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Gripe, Economia e Brasil
Todo o trecho introdutório, que serve mais para caracterizar e deixar claras as raízes de minha visão de mundo, permitindo que todos entendam minhas limitações e os argumentos que utilizo, nesse pitaco têm a função de embasar minha opinião a respeito do momento de crise que atravessamos em função da Covid 19.
E, de quebra, da recomendação de todos os cientistas, médicos, epidemiologistas, estatísticos, para que toda a população se mantenha em isolamento social, o máximo que for possível.
Afinal, a nenhum de nós é alheia a noção da necessidade de se fazer a provisão, o sortimento das dispensas das casas; como também é necessário que se façam compras de medicamentos, carnes, outros tipos de gêneros de bens, de limpeza, etc.
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Nesses casos, há que se sair às ruas, e voltar imediatamente terminada a tarefa, não sem antes lembrar os cuidados devidos a todos, independente de qualquer outra visão ou comportamento.
Lavar as mãos, higienizar bem, com água e sabão. Passar álcool e/ou água sanitária em todas as superfícies ou embalagens e produtos trazidos da rua.
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No entanto, não há como não reconhecermos, ao menos os que não vivem nas nuvens, que tais cuidados dificilmente poderão ser tomados por todos aqueles que vivem em condições de higiene sanitária completamente precárias, muito por culpa de nossos "gestores de Zog".
É tão difícil pedir que quem não tem água tratada ou esgoto em casa possa manter as condições de higiene pessoal recomendadas, quanto de que se mantenham em isolamento social.
Afinal, é muito difícil, em cubículos em que convivem mais de 7 ou 8 pessoas, espremidas umas sobre as outras, que mantenham a distância de um metro ou metro e meio, ou que evitem tossir sem jogar perdigotos nos seus familiares e agregados.
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Para esses, não é completamente descabido acreditar que estarão mais protegidos nas ruelas, nas calçadas que em seus "lares".
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Em meio ao surgimento dessa crise, tive a oportunidade de ser chamado por duas vezes para emitir opiniões sobre os impactos da gripe no nosso processo produtivo, na nossa economia, professor de Economia que sou.
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Em todas as minhas entrevistas, citei que a questão de fábricas onde se aglomeram trabalhadores, tomando a decisão de interromperem suas atividades, em especial na China, então principal oficina e fornecedora de insumos em todo o mundo, acabaria nos levando a uma paralisação total.
Entraríamos em recessão por não termos o que ou com que recursos produzir, o que levaria à decisão lógica e racional de não mantermos nossas unidades produtivas funcionando.
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Ou seja: se vai faltar insumos e materiais para que as fábricas possam operar; se elas irão paralisar as atividades por falta de condições materiais, por que razão continuar cobrando a presença, a marcação de ponto de seus operários?
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A mim, em nenhum momento passou despercebido que não adianta mandar todo esse pessoal de volta a suas estações de trabalho. Eles não terão muito o que fazer, ou farão muito menos que antes.
Para mim também fica claro que as empresas não conseguirão suportar os ônus de pagamento de todas as suas obrigações, com funcionários, com operários, com os tributos, com fornecedores, com bancos e financiadores, estando de portas fechadas.
Muito embora várias delas estão sobrecapitalizadas e com muitos recursos sendo mantidos em operações meramente especulativas no mercado financeiro.
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A verdade é que nesse momento, como os comerciantes de Zog, era necessário que o governo emprestasse recursos, emitisse dinheiro, fizesse os gastos necessários para assegurar a renda que os empregados teriam direito a receber.
Como na França, acredito que não poderíamos ser tímidos. Deveríamos, o governo em nome de toda a sociedade, isentar, na crise e tão somente nesse momento, as empresas de pagarem serviços de utilidade pública, aluguéis, tributos, encargos sociais.
Ao governo competiria a obrigação de pagar os salários, integralmente, dos empregados de pequenas, micro e médias empresas. Parcialmente, poderia até se propor a pagar o salário de empresas maiores.
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Tudo para manter a população tranquila, segura, satisfeita e preocupada em manter sua saúde e sua vida.
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Para autônomos, para os que vivem de bicos, seria dada uma renda mínima, por período limitado, sujeita a ampliação do tempo se necessário, para que eles não se vissem na contingência de terem de sair de casa, para tentarem algum tipo de garantia de sustento.
Não há como lidar com a realidade ou dar murro em ponta de faca: mesmo que todos os "empreendedores" de nosso país fossem para as regiões centrais dos núcleos urbanos, não teriam clientes em número suficiente para demandarem seus serviços e sua renda seria sempre muito pequena.
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Estando já no meio da rua, restaria a eles o chamado "trade-off", pegar a gripe e vir a morrer da pandemia, ou morrer de fome.
Nessa situação, até o estado de emergência poderia caracterizar e servir de argumento para os saques, roubos, invasões de estabelecimentos comerciais.
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Bem as medidas são conhecidas de todos. O problema é que vai tirar o país de seu esforço de contenção de gastos, preocupação central do sinistro liberal, Guedes.
Para esse, ministro típico de Zog, desde que os comerciantes sobrevivam e o Estado não venha interferir ou impactar a nossa economia, não venha assumir dívidas gigantescas (que nada mais são de dívidas da sociedade - hoje - com ela mesma, no futuro!), não deve o governo adotar medidas que visam aumentar a intervenção no domínio público.
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Não fora o Legislativo, a Câmara antes, e o Senado ontem, o vale de R$ 600,00 reais não iria se tornar uma possibilidade. Mera possibilidade, se lembrarmos o que nos ensinam cientistas políticos: não basta a legislação, há sempre a possibilidade de tudo não funcionar, dependendo da forma de implementação da política decidida.
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Mas, estou certo de que Guedes tentará se assenhorear da decisão de que foi apenas espectador passivo.
Assim como o seu chefe, que ao invés de preocupar-se com as vidas de seus eleitores, está mais preocupado com a economia que sem funcionar pode transformá-lo no pior presidente de toda a história do país.
O que ele já está próximo de se tornar.
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Daí a preocupação de Bolsonaro de mandar todos os cidadãos para a volta à vida normal.
Daí sua preocupação em que a economia volte a produzir, sem o governo precisar de emitir (como acertadamente está fazendo o Banco Central), sem precisar de assumir riscos de crédito, ou dívidas particulares e itens de custo de produção das empresas.
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Esse demente que ocupa a presidência, e que só pensa em seus problemas de imagem, já suficientemente queimada para todo o sempre, no mundo inteiro, não consegue perceber que um verdadeiro estadista é aquele que está adotando as medidas que permitam seu povo superar os momentos mais tenebrosos de crise.
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A economia pode não ir bem. Mas, a população tendo saído da pandemia, com pequenas e inevitáveis perdas, irá saber ser reconhecida àqueles que lutaram para que as dimensões da catástrofe fossem menores.
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O Rei de Zig, moribundo era saudado pelo seu povo. Pela fábula, Zog nem tinha rei, nem qualquer governante a ser lembrado.
E aí Bozo? Qual a razão para seus temores?
3 comentários:
Não fico assustado com o nível de despraro do ora presidente de nosso país, afinal nunca demonstrou um mínimo de discernimento. Mas estou apavorado com seus seguidores, que a despeito de todas as informações amplamente divulgadas, seguem ignorando as evidências da pandemia, como demonstrou as reações contra João Dória (por quem também não nutro simpatia). Bem como aqueles que foram às ruas no dia 15.03 em apoio a jair e bradaram "AI 5!". E ainda empresários como Júnior Durski e Roberto Justus eméritos representantes do tal mercado manifestanto seu desejo de ver a "economia girar"...
Neste enclausuramento tenho me escorado na família, converso com meus filhos todos os dias via skype, confeço à minha esposa meus temores e contato parentes e amigos mais frequentemente... coisas que não fazia antes, bem como tenho lido muito mais.
Quero crer que esta pandemia sinalizará novos tempos. Me agarro na epidemia da Peste Negra que no século XIV, ceifou a vida de cerca de 50 milhões de pessoas, 1/3 da população da Europa.
Esta tragédia foi um dos elementos que contribuiu para o colapso do feudalismo.
Assim em meus sonhos espero que esta pandemia possa contribuir para repensarmos sobre o liberalismo ao qual estamos submetidos, até porque Estados liberais estão, diante desta tragédia, revendo suas diretrizes e abandonando a "lei do mercado".
Me agarro ao refrão de "Imagine", John Lennon "você pode dizer eu sou um sonhador, mas eu não sou o único, espero que você se junte a nós para o mundo ser apenas um". Porque se eu não acreditar nisso, acho que eu teria muita dificuldade de sair da cama neste dias.
A lógica do capital quando entra em crise é de esfolar a classe trabalhadora para continuar obtendo seus lucros. Ou destruir forças produtivas para lucrar na reconstrução.
A política do governo, que não tem nenhum traço de nacionalismo, é entregar absolutamente tudo para os capitalistas internacionais. Está claro que o Governo está abandonando o povo a própria sorte.
Em zog como no Brasil estão aproveitando a desgraça do povo para atacar ainda mais a classe trabalhadora. Com isso a crise vai se aprofundando e a luta de classes vai acirrar. O capitalismo tem suas armas e podem deixar como está, mas tb podem usar de outro expediente Já conhecido pelo povo brasileiro, a ditadura militar. De um jeito ou de outro vamos entendendo que o que produz riqueza não são os patrões e sim os trabalhadores.
http://www.lutapelosocialismo.org.br/editorial
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