Afirmamos no pitaco de ontem que a dificuldade de se fazer
uma reforma tributária tem como justificativa o fato de estar em discussão questões
vinculadas à distribuição de renda da sociedade.
Naquela oportunidade, nos referíamos a Giambiagi e Além e ao seu livro Finanças
Públicas Teoria e Prática no Brasil – amplamente utilizado como bibliografia
básica nas melhores Faculdades de Economia. No livro, os autores apontam, ao
menos, cinco tipos distintos de abordagem quanto à distribuição da renda,
passíveis de serem afetadas por uma reforma.
De onde se origina sua complexidade.
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Em linhas gerais, a análise pode se dar em termos funcionais
(salários, lucros, alugueis) – por exemplo, o país deve tributar mais os
salários, mantendo sua tradição, ou os lucros e outras fontes de renda, da
propriedade?
Deve buscar promover uma distribuição pessoal de
forma a que um grupo de 10% possa se apropriar de 10% da renda? Ou aceitamos que
10% da população mais rica possa deter algo em torno de 43% da renda do país,
com o 1% mais rico se apropriando de mais de 33 vezes da renda apropriada pelos
50% ou metade, mais pobre.
Ou o critério regional, onde se discute a tributação
maior de regiões mais ricas, de forma a afetar os critérios de decisões locacionais,
estimulando uma maior transferência de atividades econômicas para regiões menos
desenvolvidas? Ou ainda a discussão presente no ICMS, quanto à adoção do princípio
da origem ou do destino, questão que abordaremos a seguir.
Ou questões relativas à decisão de se repassar maiores
recursos para o governo ou, na esfera pública, a questão federativa, que debate
a apropriação e distribuição dos recursos entre União, estados e municípios.
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Tal complexidade nos leva a perceber a razão de alguns
analistas acreditarem que a melhor forma de se proceder a uma reforma seja a de
fazê-la por etapas, fatiando. Segundo esses estudiosos, e parece ser a intenção do
ministério da Economia, discute-se e aprova-se, primeiro, medidas capazes de
gerarem algum consenso.
Aprovadas as mudanças consensuais, o que já traria um ganho,
seriam propostas medidas consideradas as de segundo maior grau de conflito. E assim,
sucessivamente.
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Em minha opinião, e respeitando a visão divergente, sou
contrário a tal encaminhamento, pela simples razão de que mudanças tributárias,
em geral, implicam em mudanças legais que exigem foro qualificado, mudanças
constitucionais e as dificuldades e desgastes de suas aprovações.
Ora, estabelecidos pontos de consenso, em uma Casa
Legislativa em que os interesses populares em geral, têm uma representação
muito mais dispersa, frágil e desorganizadas que aquela dos interesses economicamente
mais robustos, não é difícil se prever que os pontos alterados serão aqueles coincidentes
com os interesses dos mais poderosos.
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Uma vez feitas tais mudanças, as dificuldades naturais da
continuidade da discussão acarretam a paralisação da sequência do processo de discussão e mudanças. Com ganhos
óbvios para apenas parcela da sociedade, em prejuízo, talvez, de sua ampla
maioria.
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Considerando-se as propostas em debate no país, é preciso
lembrar que, exceto a proposta mais
complexa apresentada no Senado, a mudança principal tem como foco a redução da
complexidade da legislação atual, especialmente em razão da sistemática de operacionalização
da principal fonte de receitas do país, o ICMS – Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Prestação de Serviços de Transportes e Comunicação.
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Isso, por que a Constituição de 88 determinou a competência
dos estados da Federação para instituir, cobrar e legislar sobre o ICMS, o que
acabou gerando a possibilidade de criação de 27 legislações sobre um imposto
que incide sobre produtos cuja circulação não é limitada ao território de um
único estado.
Em outras palavras, produzido em São Paulo, para ser vendido
em qualquer outro estado da União, o produtor terá montar uma equipe de auxiliares
que conheçam e entendam de cada legislação estadual específica. Com todas as
suas alterações, concessões, isenções, casos especiais de tributação.
De fato, um custo elevado e um desperdício de recursos de
monta.
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Assim, a principal proposta em debate visa uniformizar as
legislações, buscando recuperar a filosofia original da criação do ICMS, e violentada
inúmeras vezes pelo próprio fisco, na busca de condições de cobrança e fiscalização
mais facilitadas para o Estado.
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Mas, além desse cipoal de leis, decretos, regulamentos, o ICMS
ainda responde por outros problemas graves, como por exemplo, as guerras
fiscais.
Para entender tais conflitos, é necessário destacar que a
definição desse imposto adotou como ponto de partida o princípio da origem. Ou
seja: a receita arrecadada da circulação de um bem, é apropriada pelo Estado em
que ela foi produzida e não onde foi consumida.
Como São Paulo é considerado o estado mais industrializado
do país, em seu território estão instaladas as principais indústrias e
produtores do país. Logo, ele é o mais rico. E pode criar condições de economias
externas, como relações com centros técnicos e escolas formadoras de mão de
obra de maior qualificação, condições de geração de energia, transporte, redes
de comunicação mais desenvolvidas, etc.
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Todos esses fatores acabam atraindo para aquele estado as
empresas desejosas de se instalarem no Brasil. O que reforça e realimenta o
ciclo. Mais empresas, mais produção, maior geração de riqueza, maior arrecadação,
e mais condições de infraestrutura para a instalação de empresas.
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A ruptura de tal circuito teria de se dar pela alteração da
sistemática, do princípio da origem para o do destino, discussão que nunca avançou,
ou por meio de guerras fiscais.
Na prática, para atrair empresas, gerar emprego e renda, os
governantes passaram a oferecer isenções de impostos para empresas produtoras
dispostas a se localizarem em territórios, muitas vezes de viabilidade
locacional questionável.
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O que significa que, para receberem o investimento, os governantes
concediam benefícios vultosos e por vários anos a empresas, privilegiando-as em
termos das condições de concorrerem nos mercados.
Para compensar a perda da arrecadação, ampliavam impostos
sobre outros produtos, onerando ainda mais a população.
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Várias outras distorções do ponto de vista da neutralidade econômica
em termos de alocação de recursos, privilégio para setores econômicos, interferência
nos mercados e nas condições de competitividade, são todos decorrentes da forma
que o ICMS tem operado e isso precisa ser corrigido com urgência.
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Mas, se unificar o ICMS com outros tributos que incidem
sobre a produção, geração e circulação de mercadorias e serviços, na formulação
de um IVA amplo, é urgente, não resolve a maior questão acarretada por esse
tipo de tributo.
A de reduzir a competitividade dos produtos nacionais, por
encarecer o seu preço, já que o imposto é embutido no valor cobrado pelo produtor,
e pior, a de permanecer sendo um imposto regressivo, pago em sua maior proporção
por todos os que têm menor capacidade de pagamento.
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Afinal, se a alíquota é a mesma, digamos 18% sobre um
produto, tanto o pobre que recebe salário mínimo quanto o mais rico, com renda
de 10 mil mensal, irão pagar o mesmo valor em termos absolutos.
O que é a principal causa de nossa desigualdade colossal.