quarta-feira, 22 de julho de 2020

Guedes mente. Na reforma tributária, ou é um Pinóquio contumaz ou apenas um (mau) oportunista


Ou o ministro Guedes deliberada... mente. Ou mente pura e simples...mente.
Senão vejamos.
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Reformas tributárias em nosso país foram sempre resultado de modificações mais amplas no nosso aparato legal, sempre atreladas à promulgação de Constituições, fruto de rupturas mais profundas do próprio regime de governo ou associadas a golpes exitosos contra a normalidade institucional.
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Ao meu juízo, excetuada a de 1891, associada à implantação da República, a rigor podem ser classificadas como democráticas as Constituições de 46 e a Constituição Cidadã de 1988.
Dessa forma, talvez pudéssemos classificar a reforma tributária patrocinada pelo primeiro governo da ditadura militar,  dos anos 1965/66, como a única reforma autêntica no campo da tributação que conseguiu ser realizada em nosso país.
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Ainda assim, a referência ao governo autoritário se faz necessária, para assinalar a dificuldade de se aprovar qualquer reforma tributária em períodos de normalidade, de forma a permitir que a sociedade possa contar com fontes de financiamento modernos, inovadores, afinadas com a dinâmica das mudanças sociais.
É que, como nos lembra Giambiagi, a questão tributária é extremamente complexa, por implicar na discussão de como deverá se dividir a renda da sociedade, em modo amplo.
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Ao tratar da reforma patrocinada pela ditadura militar (em que o consenso era automaticamente compulsório) Fábio Giambiaggi, em seu reconhecido livro Finanças Públicas Teoria e Prática no Brasil (em co-autoria com Ana Cláudia Além, 4ª edição, Elsevier, 2011),  traz o seguinte comentário:
“O principal aspecto modernizador da reforma foi a mudança da sistemática de arrecadação, priorizando a tributação sobre o valor agregado, em vez de “em cascata” – referente a impostos cumulativos.” (itálicos originais) (p. 248)
Em nota de rodapé, prossegue:
“Um fato que merece ser destacado é que a adoção do IVA no Brasil – ainda que sem ter este nome precedeu o uso desse instrumento tributário na própria comunidade econômica europeia, com exceção da França. O Brasil, portanto, em 1967, passou a ter um dos sistemas tributários mais modernos do mundo na época.” (p. 248)
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Por esse motivo, ou falta de informação sobre a evolução das finanças públicas em nosso país, já que estava mais preocupado com leituras de Keynes (três vezes, em inglês) ou com as finanças do Chile de Pinochet, não é há como se admirar com a afirmação de Guedes da importância da proposta do governo, apresentada ontem na Câmara, que moderniza e inova o sistema tributário, com a proposta da criação de impostos com a sistemática do IVA, valor agregado.
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O próprio ICMS, por mais retrógrado e confuso que possa ter se tornado, trabalha em Minas Gerais com o conceito de valor adicionado fiscal...
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Pior é que o ministro nem sequer apresentou uma reforma, que não tem estruturada.
O que fez foi apresentar um remendo, uma meia-sola, de proposta natimorta.
Oportunista, o que o sinistro fez foi tentar pegar uma carona na proposta do deputado Baleia Rossi  (baseada em outra de autoria de Bernard Appy) que visa unificar vários tributos com características semelhantes, incidentes sobre a produção e circulação de mercadorias (o IPI, o PIS, o Cofins da esfera federal, com o ICMS estadual e o ISS municipal)  em apenas um único, o IVA.
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A proposta de Guedes, unificando apenas os tributos federais Pis e Cofins, nasce portanto já embutida no projeto em discussão na Câmara, não trazendo qualquer novidade exceto a da unificação da alíquota de 12%. Ou seja, nada inova e não é ampla o suficiente para solucionar qualquer questão.
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Mas, antes de prosseguir, devo trazer uma palavra de alerta aos leitores deste pitaco.
Não foram os funcionários públicos, esses demônios corporativistas e que só pensam em promover sangrias no cofre do Estado brasileiro que deturparam nosso imposto de características inovadoras em 1966. Não foram os burocratas ou os gestores públicos, que promoveram tantas distorções no nosso sistema de tributação sobre valor agregado, que o transformaram nesse lodaçal de regras, decretos, regulamentos, regimes especiais.
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Esses funcionários, embora com estabilidade para não terem de se submeter a ordens e interesses pouco republicanos de governantes de plantão, sem risco de perda do emprego, apenas se comportaram como o fazem na maioria das vezes.
Cumpriram ordens. Determinações dos militares em cargos do Executivo, ou da esfera política dos governos, dos ocupantes de cargos investidos de autoridade, e que até os anos 1980 eram ou apaniguados, protegidos dos fardados, ou conhecidos como tecnocratas, também sob as bençãos da tropa.
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Foram esses militares e seu séquito que, detentores de poder usurpado por um golpe autoritário, sempre se curvaram aos interesses maiores, e foram abrindo tantas exceções, regimes especiais, tratamentos diferenciados que culminaram na barafunda do cipoal que hoje criticam.
E seu objetivo não era apenas o de criar confusão. Mas o de atender ao interesse dos grupos de empresários, poderosos, que em última análise buscavam burlar o pagamento da carga de tributos, negociando e obtendo vantagens particulares.
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Os empresários hoje sofrem e criticam o que eles mesmos, com sua limitada e falaciosa preocupação com a responsabilidade social foram protagonistas. E beneficiários.
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E isso permanece. Sob desculpas várias.
Como é exemplo, a manutenção do regime do Simples.
E a Zona Franca de Manaus que não pode sofrer alteração (apesar de estar-se discutindo uma PEC). E também as empresas de transporte coletivo, não atingidas pela nova alíquota.
Mas, qualquer que seja a justificativa, difícil entender que, enquanto o setor de serviços em geral sofrerá um aumento de arrecadação, contra o qual estão reclamando, os bancos – coitadinhos – estarão sujeitos à alíquota de apenas 5,8%.
Nunca é demais lembrar que Guedes é banqueiro.
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E sua proposta real, a única de um sujeito que só pensa naquilo nem é essa unificação.
Menos ainda a questão da eliminação da regressividade que envergonha nosso país e é uma das principais razões de nossa indecorosa distribuição de renda, e entrave reconhecido a nosso processo de desenvolvimento e mesmo crescimento econômico.
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Junto à questão compreensível de não promover uma reforma com perda ou redução de arrecadação, o que Guedes quer, além de fugir da implementação de um imposto sobre Grandes Fortunas, é criar o moderninho Imposto sobre Movimentações Financeiras. A rediviva CPMF.
Mas não pela CPMF, que mesmo sendo também regressiva, até considero ter pontos positivos (permitir rastrear o dinheiro!).
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A proposta de Guedes e de Marcos Cintra, seu ex-escudeiro é a criação do imposto único. Sob a sistemática que será testada, em seu potencial arrecadatório com a nova CPMF.
Afinal, Guedes, no fundo só quer dar boa vida a empresários e aqueles que vivem de rendas (não de salários). Evitando tributar lucros, dividendos, patrimônio, forçando a deterioração da previdência e eliminando qualquer ônus sobre a folha de salários.
Para ao final, chegar a eliminar o INSS e poder promover sua ideia de previdência complementar. Privada.
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Para quem sabe ele até voltar ao mercado financeiro, como gestor de fundos de previdência.
Da proposta da Câmara, mais limitada que a que está sendo tratada no Senado, tratamos em outros pitacos, já que o tema é não apenas espinhoso, como complexo e vasto.

Um comentário:

Anônimo disse...

O que Guedes quer, além de destruir qualquer aparato social do Estado é aparecer como mentor de uma reforma, que contribuirá para deformar, ainda mais, o país. Sob os aplausos de uma elite econômica asquerosa.