Segundo o jornalista Zuenir Ventura, poderíamos dizer do ano
de 1968 que ele foi o ano que não terminou.
Lançado em 1989 e já com duas reedições, o livro de sucesso,
“1968: o Ano que não Terminou”, consiste de um conjunto de relatos de um dos
anos mais tumultuados vivenciados pelas gerações frutos do imediato pós-Guerra.
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Em pleno auge do movimento pacifista de origem hippie e
inspiração hindu, baseado no lema “Paz e Amor”, auge do movimento de contracultura regado a
muito ácido lisérgico e outras drogas alucinógenas, 1968 marca também uma etapa
de reação cada vez maior contra a Guerra do Vietnã e sua barbárie.
Por outro lado, enquanto parte da juventude americana era
atraída e preferia se unir a um movimento com base em características marcado
por uma postura de alienação e negação da violência social, ganhavam destaque,
naquele país, movimentos sociais destinados
a fazer avançar a luta em prol da conquista, ampliaçao e manutenção dos
direitos civis da população de origem africana.
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Em uma sociedade doente e dominada pelo ódio e pelo
individualismo exacerbado, 1968 foi o ano em que o mundo assistiu atônito ao
assassinato do pastor preto Martin Luther King, em abril, principal líder dos
movimentos sociais.
Logo, em seguida, em plena campanha política para disputa da
presidência da República, foi morto o senador Robert Kennedy, irmão do presidente
americano também vítima de assassinato, J. F. Kennedy.
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Enquanto isso, a luta pela conquista de maior liberdade, com
ênfase na ampliação dos direitos políticos e na promoção de reformas no regime comunista
de governo, sob liderança do Secretário do PC, Dubcek, que entusiasmou a
juventude da Checoslováquia, acabou com a invasão daquele país pelo Exército
russo.
Sob a violência das armas, o mundo assistiu à frustração
daquele movimento que iria passar para a História como a Primavera de Praga.
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Ainda em maio do mesmo ano tormentoso, estudantes franceses invadem
as ruas de Paris, em protestos contra o sistema educacional, e exigindo reformas.
Em meio a um ambiente de demanda de reformas já efervescente
em escala mundial, o que começou como um movimento estudantil ganhou vulto e generalizou-se,
ganhando o apoio de movimentos de trabalhadores, em greves e tumultos que abalaram
e fizeram tremer a República, chamada 5ª República, do General De Gaulle.
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No Brasil, imerso em um golpe militar e em uma ditadura que provocou,
em seu início, uma série de arbitrariedades, - desde cassações políticas, até
prisões indiscriminadas, caça às bruxas, além de crise econômica, quebradeira e
desemprego-, os exemplos de revolta vindos do exterior não poderiam passar
despercebidos.
Os estudantes de todo o país invadiram as ruas, em disputas
e brigas com polícias armadas e até o Exército, reinvindicando a volta à
normalidade democrática. Lutas que culminaram com a morte do estudante
secundarista Edson Luiz, no restaurante Calabouço.
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É bom lembrar, para não esquecer e nunca mais dar
oportunidade a que tais eventos possam vir a ocorrer, que dezembro de 1968 foi a
data do famigerado Ato Institucional nº 5, de formalização do regime de exceção
no nosso país, com implantação definitiva da censura, fim do funcionamento livre
do Congresso e do Judiciário, substituído por um funcionamento consentido, fim
do habeas corpus, e outras barbaridades que irão, ao fim, institucionalizar a TORTURA.
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Todas essas recordações servem de pano de fundo para abordar
o movimento da Folha de São Paulo, #useamarelopelaDemocracia, procurando trazer
e fortalecer o espírito da campanha das Diretas Já de 1984, que arrastou
milhões de pessoas em comícios no país.
Em boa hora, a Folha assume a liderança de um movimento
necessário, não apenas para que ela possa fazer um “mea culpa” pelo apoio dado
ao golpe de 1964, mas para que se afastem de vez os fantasmas de um ano que não
acabou.
Ano que alguns militares saudosos daqueles tempos de privilégios
castrenses, alguns imbecis e despreparados políticos que visam apenas os
próprios interesses e alguns cidadãos, iludidos e confundidos por falsas
propagandas e realizações – nunca efetivadas – daquele período de trevas, são induzidos
e manipulados a reivindicarem um retorno desastroso.
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Esses que pedem o retorno dos atos institucionais, em
especial o AI-5, o fechamento do Supremo e do Congresso e apoiam atos contrários
aos demais poderes institucionais do Estado de Direito, não são apenas
desmemoriados. Mostram apenas sua total, completa, cabal ignorância, o que temos
de reconhecer não ser culpa deles, apenas.
Pior são os corruptos, como os filhos do presidente ou o
próprio ex-capitão, que se orgulha de elogiar militares torturadores que, fosse
outra a nossa configuração das Forças Armadas, apenas envergonhariam as Armas.
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Curioso é que esse movimento saudosista e de péssima e
trágica lembrança ganha vulto em nosso país com mais força e apoio, em 2020.
Justo 2020, que alguém no futuro irá usar no título de outro
livro: “2020: o Ano Bissexto que não Começou”.
E, embora não tenha começado, já fez tantos estragos
passíveis de serem enumerados, como as mais de 60 mil vítimas fatais, de histórias
de vida e carinho, amor, trabalho de mais de 60 mil pessoas, não meros números
em estatísticas cheias de números e ocas de amor e solidariedade.
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Sessenta mil vítimas da irresponsabilidade genocida de um
mandatário que não conseguiu captar a gravidade da situação de pandemia que se
alastrava mundo a fora, mais preocupado com o desastre econômico que medidas
sanitárias recomendadas iriam provocar para seu mandato e seu projeto de
reeleição.
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Mas não foi só. Em Minas, e felizmente, se é que o termo
pode ser empregado, 6 pessoas morreram e outras tantas ficaram afetadas, pelo
simples ato de desejarem comemorar a vida e a alegria de estarem entrando em um
novo ano.
As marcas da cerveja contaminada, ainda bem, repito, não se
espalharam por todo o país, atendido pela cervejaria desatenta.
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Belo Horizonte assistiu ao drama, já repetido, mas poucas
vezes com a mesma violência das chuvas torrenciais e dos alagamentos de
janeiro, estendidos para o mês de fevereiro, também provocando destruição e
mortes.
E ainda na virada do semestre, final de junho, para coroar
tanta dor e sofrimento, a passagem do ciclone bomba, detonando o Rio Grande do
Sul, já afetado pesadamente pela seca, e ameaçado pela nuvem de gafanhotos e
Santa Catarina, inclusive Floripa e mais perdas materiais e mortes.
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Não poderia terminar de elencar todas as catástrofes que
castigam nosso país – o governo e sua trupe, a maior delas, se tentasse listar
e rememorar, tantas vidas perdidas em investidas policiais nas comunidades das
capitais, com o objetivo de prover segurança (???).
Especialmente são tantas mortes, de CRIANÇAS. De crianças PRETAS.
De crianças pretas e POBRES. Todas ingênuas, com esperanças e SONHOS.
Como o menino Miguel de morte por negligência da patroa no
Recife. De João Pedro, de 14 anos, no Salgueiro, ou de Guilherme, 15 anos. Ou
ainda ontem, de Ítalo Augusto, de 7 anos, esse por tiro endereçado à guarnição
policial que patrulhava a área, segundo consta do BO.
São 16 mortos nessa faixa etária. Vítimas da violência. Da
nossa vergonhosa desigualdade.
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Marx dizia que a história se repete, a primeira vez como tragédia,
a segunda vez como farsa.
Está aí, na farsa desse ano em que o prazer, a alegria entrou em recesso, ou em quarentena
como todos nós que ainda nutrimos solidariedade por nossos semelhantes, que tem
se caracterizado o ano de 2020, a constatação do acerto do filósofo que alguns
que nunca o leram e não o conhecem ou a sua obra, querem esquecer.
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2020 é um ano que não começou. Não começou bem, para o cidadão
do mundo, em geral, e para o brasileiro em particular.
Mas, parece que Jair já teve sua atenção chamada, pelos
militares que infestam o Planalto. Afinal, com o comportamento da marionete que
eles julgavam estar assumindo o poder em nome deles, o país só conseguiu notícias
de recordes negativos.
Como o de se instalar no Ministério da Saúde, ministros que,
por não serem adeptos da cloroquina meu amor, foram sacados de seus postos,
onde apareciam e tinham mais prestígio que o seu chefe enciumado e ignorante.
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Ou o de colocar um negacionista, para dirigir a Fundação
Palmares. Ou a de ter um ministro da Educação que não falava português,
substituído mais tarde por outro que não sabia escrever a língua de que se
utilizava para, afiada, falar impropérios sobre outros aos quais não conseguia
chegar aos pés. Refiro-me ao trânsfuga e veloz Weintraub.
Em meio a tantos desastres, na Cultura, com a Damares e seu
concurso de máscaras contra a Covid, é forçoso reconhecer que Carlos Decotelli,
ao menos teve a fibra e galhardia de reconhecer o vexame e pedir para sair, de
fininho.
Mas, ministério onde Moro se destacava como símbolo de justiça,
honestidade e espírito democrático, só podemos mesmo ficar vendo a produtividade
do laranjal de Marcelo Álvaro Ântonio, ou a boiada passageira de Salles e o
ministro Guedes e seus delírios.
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Só para lembrar, foi de Maia a articulação e a responsabilidade
pela aprovação da mal-fadada reforma da Previdência. Foi de Maia e do Congresso
a aprovação do auxílio social de 600 reais de que Guedes agora se gaba.
Foi do Congresso que partiu a aprovação, para o bem e para o
mal, do marco legal do Saneamento.
Guedes, apenas faz volteios pelo salão. E brada pela previdência
pelo regime de capitalização, pela volta da CPMF, e pela liberdade de o
empresário – especialmente o maior, expoliar o seu trabalhador. Por estar em
meio aos reflexos das luminárias do salão de baile, não percebeu que a economia
não conseguiu decolar hora alguma, e que andou de lado no primeiro bimestre desse
fatídico 2020.
E, se continuar como estamos, desse lamaçal a economia não
vai sair em V. Vai sair, arrastando-se aos prantos.
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Enquanto isso, Jair aprende a se comportar, para que seu silêncio
eloquente, sirva de exemplo para Queiroz e ele não venha a se tornar seu algoz.
Jair mostra ao amigo e companheiro de contatos milicianos
que manter silêncio pode, se não ajudar, ao menos tirar da berlinda os filhos
do capitao. Todos com algum tipo de relação com práticas como as de rachadinhas,
contratação de funcionários fantasmas e peculato, disseminação de fakes news e
atentados à democracia.
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E assim, no ano que não começou, chegamos a julho.
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