É justo que eu inicie esse pitaco afirmando que achei de muito mau gosto o título da coluna de
Hélio Schwartsman, publicada na Folha de São Paulo no dia 8 de julho, “Por que
quero que Bolsonaro morra”.
Considerei ainda mais grave a frase inserida no primeiro
parágrafo daquele texto, em que o colunista dá sequência a sua manifestação amoral, em que afirma textualmente: “Torço
para que o quadro se agrave e ele morra”.
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Mas esse pitaco não é para julgá-lo. Menos ainda para condená-lo.
Bem ao contrário.
Nesse sentido, classificar seu comportamento como amoral é sinal
de respeito ao seu texto.
Explico. É o próprio jornalista que afirma que “... embora
ensinamentos religiosos e éticas deontológicas preconizem que não devemos desejar
mal ao próximo, aqueles que abraçam éticas consequencialistas não estão amarrados
pela moral tradicional.”
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Em seguida o autor se explica: “no consequencialismo, ações
são valoradas pelos resultados que produzem.” E daí a confissão de sua opção
consequencialista: “O sacrifício de um indivíduo pode ser válido, se dele
advier um bem maior.”
Em respeito a Schwartzman considero que sua postura é
amoral, no sentido de que não se prende à moral comum. Entenda-se essa moral
como o leitor assim o desejar.
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Curioso é que, ao abrir o parágrafo seguinte, o colunista reafirma
o valor que deve ser atribuído à vida de Bolsonaro, como a de qualquer indivíduo,
chegando mesmo a considerar que “... sua perda (de vida) seria lamentável”.
Daí prossegue afirmando que a morte do presidente seria
filosoficamente defensável, no consequencialismo, se estivermos seguros de que irá acarretar na preservação de maior
número de vidas.
Para imediatamente se questionar: “Estamos?”
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Ora, qualquer intérprete do texto, minimamente isento, poderá perceber que o jornalista não estava,
de fato, desejando a morte do presidente, por mais que existem indícios vários
sinalizando que o comportamento irresponsável de Bolsonaro pode sim, ser julgado
e condenado como promotor de autêntico genocídio.
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De quebra, qualquer ocorrência funesta inesperada e não
desejada serviria para impedir a deterioração de nossa democracia e a desconstrução
institucional que parece ser o único objetivo do governo de Bolsonaro.
Com a possibilidade de esse limão servir como insumo para
que se extraísse daí uma limonada: o exemplo serviria sempre como um obstáculo
para que outros sociopatas pudessem adotar comportamentos análogos.
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Em minha opinião, a tentativa do colunista atrair a atenção e
provocar um debate por meio da utilização de um artifício tão grosseiro,
redundou em resultado oposto ao desejado.
Além de não provocar o debate necessário – o comportamento
criminoso do presidente – conseguiu reunir ao lado da vida, da saúde, do presidente
não apenas os seus valentes bolsotários clássicos, mas um grande contingente de
pessoas de boa vontade e de alma e mente puras.
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O jornalista vai ser punido pela opção por um título infeliz.
Tal qual o prefeito de Itabuna, que em meio ao que em meu entendimento
seria apenas um desabafo, viu toda a imprensa e toda a crítica cair sobre sua
cabeça.
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Acontece que admito ter visto pouco da gravação com o
prefeito, mas o que me lembro de ter visto e ouvido, pareceu-me ser um político
afirmando ter se sujeitado a pressões de toda espécie para que o comércio e a
economia voltassem a funcionar – ainda que de forma irresponsável, sem que ele
cedesse a tais forças. E se não cedeu, o fez em defesa da vida.
Até que, num momento, tais pressões ficaram insuportáveis. E
seu desgaste chegou ao limite. A ponto de jogar tudo para cima, expresso na
frase que se tornou símbolo da irresponsabilidade da autoridade: a partir de 9
de julho abre tudo. Morra quem tiver que morrer.
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Mesmo não concordando com o prefeito, eu entendo sua postura
de desistir de remar contra a maré, contra a sociedade que se rebela contra
quem está lutando por preservá-la e à vida.
Já que a principal autoridade do país utiliza o mesmo
argumento e reforça as cobranças de que a economia volte a funcionar, já que a ‘chuva’
que irá alcançar a todos, independente de seu comportamento ou vontade só será
prejudicial e fatal até, para uma ‘minoria de idosos com comorbidades’, fica difícil
ficar contra a onda avassaladora que vem em sua direção. Pronta para te
atropelar sem qualquer comiseração.
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Mas o que explica toda a reação à coluna de título infeliz
de Schwartzman? O que leva a que o Secretário Especial de Comunicação Social,
Fábio Wajngarten – aquele mesmo que decidia onde aplicar recursos de comunicação
do governo, tendo interesse inequívoco em empresas privadas que atuam no setor,
viesse a público condenar ao colunista e até ao jornal, a quem acusa de uso de
linguagem odiosa, de artigo ‘fora de qualquer padrão jornalístico’?
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O que justifica, deixando de lado razões ligadas à
subserviência e à sabujice em relação a quem é seu tolerante patrão, que o
secretario tornado célebre por suposta prática de advocacia administrativa,
chegue ao cúmulo de querer lembrar que não exite direito fundamental absoluto capaz
de superar a lei? O que o leva a mais uma vez, tentar defender o indefensável:
a interpelação do jornalista e a solicitaçaõ de abertura de inquérito pela
Polícia Federal, tendo como base a anacrônica
lei de Segurança Nacional.
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Comportamento ridículo, resultado da transformação em ato criminoso
de mera manifestação de vontade ou desejo.
Ora, pior e criminoso é o que comete o secretário lambe-botas,
quando compara o jornalista que pensa a um criminoso, inimputável, como Adélio
Bispo. Como se ambas as ações se equivalessem.
Em sendo assim, fica claro que o secretário comete o crime de
calúnia. E merece que o colunista abra contra ele um processo.
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Para finalizar, qual a resposta para tamanha reação à coluna
de título infeliz?
Em minha opinião, uma só: hipocrisia.
Hipocrisia de parte de uma sociedade que não pode desejar, ou
manifestar a vontade de que alguém morra, seja quem quer que seja. Por não ser
de bom tom, que alguém ignore o “primeiro mandamento de todo homem de bem – que
é jamais desejar o mal ou a morte a outro ser humano” (trecho de carta publicada
no Painel do Leitor da Folha, assinada por lideranças de várias organizações da
sociedade civil, como o Secovi-SP, o Instituto de Engenharia, a Abemi, o SindusCon-SP,
entre outros).
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Hipocrisia que se torna flagrante quando o desejo de morte
não faz referência a algum poderoso de plantão.
E que revelam reação nenhuma, embora existentes aos
borbotões. Como são exemplo as frases ditas por homens de bem e puros de alma,
entre as quais as seguintes:
- “Bandido bom é bandido morto”;
- ‘ por isso mesmo é que sou favorável à pena de morte”
Ou ainda quando a afirmação não é explícita, mas traz em seu
bojo essa mesma justificativa: ‘por isso que sou favorável a armar a população’.
Ou então tentativas de aprovação em lei da figura criminosa
do excludente de ilicitude, para ficar apenas em alguns poucos exemplos.
Um comentário:
Tão logo vi o título da coluna de Hélio Schwartsman, fiquei assustado e curioso. Mas ao final da leitura ficou clara a intensão do seu autor. Já as consequências...
No facebook e no ciclo familiar li manifestações incendiárias dos bolsotários, o que não foi nenhuma surpresa. Mas me remeteu a duas reflexões imediatas.
A primeira é a hipocrisia, como bem descreveu o blogueiro. Neste sentido é preciso ressaltar a capacidade dos fanáticos em pinçar frases de um contexto e dar a ela o sentido que quiser (o que aliás ocorre ao longo da história da aventura humana). Foi assim com a declaração de Lula recentemente ao comentar sobre o esfacelamento das políticas neoliberais frente ao flagelo da pandemia. O mais grave, em ambas situações, é que os bolsotários conseguem obter espaço junto àqueles mais ingênuos, se valendo naturalmente da dimensão religiosa, associando, Lula e Schwartsman à esquerda (cujo significado recente está relacionado a qualquer posição que não seja a de "já ir") e esta com práticas que ferem as Leis de Deus. No entanto ignoram a história de “já ir” em defesa da ditadura, homenagens a torturadores nacionais e internacionais, etc. etc.
A segunda reflexão é quanto ao estado da educação no país, há muito negligenciada, mas nos últimos 4 anos relegada à marginalização... A relativa maior acessibilidade à universidade não significa a formação de cidadãos, no sentido pleno, seja do adjetivo ou do substantivo. De maneira que a má formação limita a capacidade de análise e interpretação, tornando o indivíduo mais vulnerável a falácias, canto de sereias e arroubos.
Uma boa formação acadêmica e, portanto, uma boa educação, não é capaz de imunizar contra a manipulação, mas no mínimo poderá torna-la limitada.
Fernando Augusto
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