quinta-feira, 9 de julho de 2020

Hipocrisia. Esse é o real motivo das reações à coluna de Schwartsman desejando a morte de Bolsonaro


É justo que eu inicie esse pitaco afirmando que  achei de muito mau gosto o título da coluna de Hélio Schwartsman, publicada na Folha de São Paulo no dia 8 de julho, “Por que quero que Bolsonaro morra”.
Considerei ainda mais grave a frase inserida no primeiro parágrafo daquele texto, em que o colunista dá sequência a sua manifestação  amoral, em que afirma textualmente: “Torço para que o quadro se agrave e ele morra”.
***
Mas esse pitaco não é para julgá-lo. Menos ainda para condená-lo. Bem ao contrário.
Nesse sentido, classificar seu comportamento como amoral é sinal de respeito ao seu texto.
Explico. É o próprio jornalista que afirma que “... embora ensinamentos religiosos e éticas deontológicas preconizem que não devemos desejar mal ao próximo, aqueles que abraçam éticas consequencialistas não estão amarrados pela moral tradicional.”
***
Em seguida o autor se explica: “no consequencialismo, ações são valoradas pelos resultados que produzem.” E daí a confissão de sua opção consequencialista: “O sacrifício de um indivíduo pode ser válido, se dele advier um bem maior.”
Em respeito a Schwartzman considero que sua postura é amoral, no sentido de que não se prende à moral comum. Entenda-se essa moral como o leitor assim o desejar.
***
Curioso é que, ao abrir o parágrafo seguinte, o colunista reafirma o valor que deve ser atribuído à vida de Bolsonaro, como a de qualquer indivíduo, chegando mesmo a considerar que “... sua perda (de vida) seria lamentável”.
Daí prossegue afirmando que a morte do presidente seria filosoficamente defensável, no consequencialismo, se estivermos seguros de  que irá acarretar na preservação de maior número de vidas.
Para imediatamente se questionar: “Estamos?”
***
Ora, qualquer intérprete do texto, minimamente isento,  poderá perceber que o jornalista não estava, de fato, desejando a morte do presidente, por mais que existem indícios vários sinalizando que o comportamento irresponsável de Bolsonaro pode sim, ser julgado e condenado como promotor de autêntico genocídio.
***
De quebra, qualquer ocorrência funesta inesperada e não desejada serviria para impedir a deterioração de nossa democracia e a desconstrução institucional que parece ser o único objetivo do governo de Bolsonaro.
Com a possibilidade de esse limão servir como insumo para que se extraísse daí uma limonada: o exemplo serviria sempre como um obstáculo para que outros sociopatas pudessem adotar comportamentos análogos.
***
Em minha opinião, a tentativa do colunista atrair a atenção e provocar um debate por meio da utilização de um artifício tão grosseiro, redundou em resultado oposto ao desejado.
Além de não provocar o debate necessário – o comportamento criminoso do presidente – conseguiu reunir ao lado da vida, da saúde, do presidente não apenas os seus valentes bolsotários clássicos, mas um grande contingente de pessoas de boa vontade e de alma e mente puras.  
***
O jornalista vai ser punido pela opção por um título infeliz.
Tal qual o prefeito de Itabuna, que em meio ao que em meu entendimento seria apenas um desabafo, viu toda a imprensa e toda a crítica cair sobre sua cabeça.
***
Acontece que admito ter visto pouco da gravação com o prefeito, mas o que me lembro de ter visto e ouvido, pareceu-me ser um político afirmando ter se sujeitado a pressões de toda espécie para que o comércio e a economia voltassem a funcionar – ainda que de forma irresponsável, sem que ele cedesse a tais forças. E se não cedeu, o fez em defesa da vida.
Até que, num momento, tais pressões ficaram insuportáveis. E seu desgaste chegou ao limite. A ponto de jogar tudo para cima, expresso na frase que se tornou símbolo da irresponsabilidade da autoridade: a partir de 9 de julho abre tudo. Morra quem tiver que morrer.
***
Mesmo não concordando com o prefeito, eu entendo sua postura de desistir de remar contra a maré, contra a sociedade que se rebela contra quem está lutando por preservá-la e à vida.
Já que a principal autoridade do país utiliza o mesmo argumento e reforça as cobranças de que a economia volte a funcionar, já que a ‘chuva’ que irá alcançar a todos, independente de seu comportamento ou vontade só será prejudicial e fatal até, para uma ‘minoria de idosos com comorbidades’, fica difícil ficar contra a onda avassaladora que vem em sua direção. Pronta para te atropelar sem qualquer comiseração.
***
Mas o que explica toda a reação à coluna de título infeliz de Schwartzman? O que leva a que o Secretário Especial de Comunicação Social, Fábio Wajngarten – aquele mesmo que decidia onde aplicar recursos de comunicação do governo, tendo interesse inequívoco em empresas privadas que atuam no setor, viesse a público condenar ao colunista e até ao jornal, a quem acusa de uso de linguagem odiosa, de artigo ‘fora de qualquer padrão jornalístico’?
***
O que justifica, deixando de lado razões ligadas à subserviência e à sabujice em relação a quem é seu tolerante patrão, que o secretario tornado célebre por suposta prática de advocacia administrativa, chegue ao cúmulo de querer lembrar que não exite direito fundamental absoluto capaz de superar a lei? O que o leva a mais uma vez, tentar defender o indefensável: a interpelação do jornalista e a solicitaçaõ de abertura de inquérito pela Polícia Federal,  tendo como base a anacrônica lei de Segurança Nacional.
***
Comportamento ridículo, resultado da transformação em ato criminoso de mera manifestação de vontade ou desejo.
Ora, pior e criminoso é o que comete o secretário lambe-botas, quando compara o jornalista que pensa a um criminoso, inimputável, como Adélio Bispo. Como se ambas as ações se equivalessem.
Em sendo assim, fica claro que o secretário comete o crime de calúnia. E merece que o colunista abra contra ele um processo.
***
Para finalizar, qual a resposta para tamanha reação à coluna de título infeliz?
Em minha opinião, uma só: hipocrisia.
Hipocrisia de parte de uma sociedade que não pode desejar, ou manifestar a vontade de que alguém morra, seja quem quer que seja. Por não ser de bom tom, que alguém ignore o “primeiro mandamento de todo homem de bem – que é jamais desejar o mal ou a morte a outro ser humano” (trecho de carta publicada no Painel do Leitor da Folha, assinada por lideranças de várias organizações da sociedade civil, como o Secovi-SP, o Instituto de Engenharia, a Abemi, o SindusCon-SP, entre outros).
***
Hipocrisia que se torna flagrante quando o desejo de morte não faz referência a algum poderoso de plantão.
E que revelam reação nenhuma, embora existentes aos borbotões. Como são exemplo as frases ditas por homens de bem e puros de alma, entre as quais as seguintes:
- “Bandido bom é bandido morto”;
- ‘ por isso mesmo é que sou favorável à pena de morte”
Ou ainda quando a afirmação não é explícita, mas traz em seu bojo essa mesma justificativa: ‘por isso que sou favorável a armar a população’.
Ou então tentativas de aprovação em lei da figura criminosa do excludente de ilicitude, para ficar apenas em alguns poucos exemplos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tão logo vi o título da coluna de Hélio Schwartsman, fiquei assustado e curioso. Mas ao final da leitura ficou clara a intensão do seu autor. Já as consequências...

No facebook e no ciclo familiar li manifestações incendiárias dos bolsotários, o que não foi nenhuma surpresa. Mas me remeteu a duas reflexões imediatas.

A primeira é a hipocrisia, como bem descreveu o blogueiro. Neste sentido é preciso ressaltar a capacidade dos fanáticos em pinçar frases de um contexto e dar a ela o sentido que quiser (o que aliás ocorre ao longo da história da aventura humana). Foi assim com a declaração de Lula recentemente ao comentar sobre o esfacelamento das políticas neoliberais frente ao flagelo da pandemia. O mais grave, em ambas situações, é que os bolsotários conseguem obter espaço junto àqueles mais ingênuos, se valendo naturalmente da dimensão religiosa, associando, Lula e Schwartsman à esquerda (cujo significado recente está relacionado a qualquer posição que não seja a de "já ir") e esta com práticas que ferem as Leis de Deus. No entanto ignoram a história de “já ir” em defesa da ditadura, homenagens a torturadores nacionais e internacionais, etc. etc.

A segunda reflexão é quanto ao estado da educação no país, há muito negligenciada, mas nos últimos 4 anos relegada à marginalização... A relativa maior acessibilidade à universidade não significa a formação de cidadãos, no sentido pleno, seja do adjetivo ou do substantivo. De maneira que a má formação limita a capacidade de análise e interpretação, tornando o indivíduo mais vulnerável a falácias, canto de sereias e arroubos.

Uma boa formação acadêmica e, portanto, uma boa educação, não é capaz de imunizar contra a manipulação, mas no mínimo poderá torna-la limitada.

Fernando Augusto