O dia era 18 de março de
2016 e o país atravessava instantes de grave crise política e institucional que
a oposição derrotada nas eleições presidenciais de 2014 prometeu manter em
pressão alta.
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Repetia-se, sob a
liderança de Aécio Neves, herdeiro de Tancredo Neves, político democrata considerado
arqui-rival de Carlos Lacerda, o comportamento
condenado por seu avô em relação a Getúlio Vargas, por ocasião da eleição de
1952.
Então, Lacerda teria dito
que Getúlio não poderia ser candidato. Se candidato, não poderia ser eleito. Eleito, não poderia
tomar posse. Caso tomasse posse, não poderia governar.
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Aécio, hoje envolvido em
delações, investigação e denúncias várias e distintas por corrupão teria assumido
o compromisso de por em prática a proposta de Lacerda, apenas que em relação ao
governo Dilma.
Razão porque adotou
comportamento no Legislativo destinado não aprovar qualquer proposta ou projeto
enviado pelo governo, de forma a retirar do Executivo as mínimas condições procurar
estancar a crise econômica em que o país mergulhara já em 2014.
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No caso de análise e
aprovação de algum projeto do Executivo, o resultado era o da criação de um
autêntico monstrengo, tantas as mudanças e emendas destinadas a frustrarem o
resultado proposto. O país vivia o período de aprovaçao de um conjunto de pautas
bombas, ao tempo em que a Operação Lava Jato a cada dia descobria e trazia à
luz mais e mais denúncias de corrupção que envolviam gestores nomeados pelo
governo, em setores em que a presença do setor público era quase exclusiva.
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Agindo como caixa de
ressonância, praticamente toda a mídia de cunho conservador, principalmente a televisiva,
bombardeava a nação com as notícias da Lava Jato, as críticas daí decorrentes
aos políticos, com destaque para as críticas ao governo, criando as condições
para que a crise institucional e políticase se somassem e se alastrassem, ganhando cada vez mais substância
e força.
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É nesse cenário de crise
e incapacidade do governo Dilma de estabelecer uma interlocução confiável com o
Legislativo que surgiu, como se fosse a última cartada do governo, a nomeação de
Lula para ocupar o cargo de ministro da Casa Civil, responsável por retomar as
negociações com o Congresso.
Por questão de justiça,
há que se realçar que, embora os problemas do governo Dilma não se limitavam a
sua relação com o Congresso, poucas foram as tentativas – tímidas - de Dilma,
no sentido de abortar, travar ou dificultar que a Justiça, o MP ou a Polícia
Federal exercessem seu dever.
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Assim chegamos ao dia 18 de
março de 2016, depois da nomeação e um dia após a posse de Lula na Casa Civil
do governo Dilma, em que o Ministro Gilmar Mendes decidiu monocraticamente suspender
a posse do ex-presidente, analisando ação impetrada pelo partido de Aécio e “mas
otros” corruptos amigos.
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Para dar suporte à
decisão de suspensão, sob o argumento de desvio de finalidade do ato de sua
nomeação para o cargo, sob a justificativa de que a nomeação apenas visava
conceder ao ex-presidente o benefício de foro privilegiado, a grande imprensa, Rede
Globo, Estadão, Folha, todos repercutiram de forma avassaladora os áudios
vazados pelo juiz Sérgio Moro, de conversa da presidente Dilma e Lula.
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Àquela altura, pouco importava
a legalidade da gravação, o fato de a conversa ter se dado depois do período de
tempo autorizado para que fosse efetuada a gravação, o desrespeito à figura da presidenta da República,
nada.
Importava apenas dar
força ao juiz então tido, pela Globo em especial, como o paladino da moralidade
e o super-herói defensor da sociedade brasileira contra a corrupção.
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A decisão do ministro
Gilmar Mendes na ocasião ainda mantinha e enaltecia a presença de Moro, no
comando da Lava-Jato em Curitiba.
Só três anos mais tarde,
em 2019, mesmo defendendo a decisão adotada naquela ocasião, Gilmar Mendes reconheceu que não tinha o conhecimento
amplo necessário para embasar sua convicção.
Já nessa hora, a Vaza
Jato era de conhecimento público e todos os cidadãos sérios já sabiam quem era,
o caráter ou a completa ausência dele, e os interesses escusos que moviam Sérgio
Moro.
A ponto de Mendes ter se
tornado um dos principais críticos de toda a operação que visava passar o país
a limpo.
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Afinal, não é cometendo
crimes e descumprindo a lei que quem quer que seja pode querer impor a ideia do
império da lei.
Moro já provou o bandido
que pode existir nos mais celebrados magistrados em busca de um julgamento justo
e imparcial.
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Quanto a Gilmar Mendes,
que naquela ocasião foi tão elogiado por todo o mundo político e social “de
respeito”, continuou sua trajetória, desfilando sua personalidade caracterizada
por incomensurável vaidade, sempre boquirroto, falastrão, inconveniente, grosseiro
até.
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Assim, não há como não
lembrar sua contribuição para o golpe, cujo desfecho foi a queda da presidenta democraticamente
eleita, Dilma; a trágica passagem de Temer pelo poder e seus encontros sem
agenda e nas sombras dos Palácios, com empresários de peso; até a eleição do
sociopata que ocupa hoje o poder e desgoverna esse país.
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Independente disso,
Gilmar está certo.
Muito se fala em uma função
precípua do Exército, em um país que não
tem qualquer tradição militar de peso, exceto ser a polícia de nossas
fronteiras e servir para combater sua própria população, em “combates” completamente
desiguais, como a do combate aos poucos e maltrapilhos e mal armados “guerrilheiros
do Araguaia” ou pior ainda, os guerrilheiros urbanos.
O glorioso Exército Brasileiro
é muito mais lembrado pelos golpes de que participa e sua sede de poder, fundado
em sua crença de ser a Instituição mais conhecedora dos problemas e mais capacitada
a implantar soluções para o bem do país.
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Mas, a presença de
militares no loteamento feito pelo governo Bolsonaro, para blindar o ex-capitão
em sua tarefa de provocar a destruição, a desconstrução das instituições e por
fim à democracia e ao Estado de Direito, deve ser sempre destacada.
De igual forma, denunciar
que o Exército, como Instituição, está sendo conduzida por alguns poucos de
seus líderes, incluídos os da reserva, mesmo que inconscientemente para um projeto
que pode, mais à frente ser questionado como genocida é, mais que uma crítica,
um alerta.
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Gilmar Mendes está dando
uma demonstração de estar mais preocupado com a imagem dessa respeitada
Instituição e em preservá-la, que algumas de suas lideranças de visão obnubildada
pela sua suposta onisciência.
Genocídio de população
carcerária, de índios de várias tribos amazônicas, de toda a população de
pobres, de periferia, comunidades sem condições de habitação digna, incentivados
a não respeitarem as recomendações que se impõem em plena crise sanitária, é a
isso que Bolsonaro parece querer conduzir o país, levando o Exército a reboque.
Uma lástima que o Exército
não se dê conta de tal risco.
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Enquanto alguns militares
põem mais lenha na fervura, Guedes aproveita para “passar a boiada” com sua
proposta, que comentaremos no próximo pitaco, de não desonerar a folha de
pagamentos para 17 setores, de forma a não restar outra alternativa senão a receita
final de implantação de seu projeto de precarização total de direitos
trabalhistas e pauperização da população idosa, com o contraponto dos ganhos
fantásticos do sistema financeiro privado, especialmente do setor previdenciário.
Assim, ele quer implantar
a contratação por hora pondo fim ao regime de contratação mensalista e à
existência assegurada do salário mínimo mensal.
Em contraponto, implanta
um programa de Renda Brasil, destinado a ampliar o valor concedido pelo Bolsa Família,
financiado por nova taxação, de transações financeiras, digitais. No fim, e
mais sofisticada, uma CPMF cuja principal finalidade é assegurar recursos para
a tal renda mínima universal.
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Sendo Guedes quem é, longe
de sua intenção criar um imposto sobre grandes fortunas, ou grandes patrimônios.
Que alcançaria os mais abastados, mais ricos e mais poderosos. Seus patrões e
associados.
Para ele é preferível a
criação de um imposto, mais um, de caráter cumulativo, em cascata, onerando, se
verdadeira a ideia, o incipiente mercado
do ‘e-commerce’. Embora recente, e com grande impulso na pandemia, o que Guedes
irá conseguir é reduzir as compras àquelas operações tradicionais, em que as
pessoas se acotovelavam nas lojas, e o contato com o vendedor era pessoal.
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Mais provável é que tal
imposto seja para toda transação, e mais uma vez, Guedes mostra total desprezo
pela realidade: também a criação do IPMF, posteriormente transformado em CPMF,
foi recurso com destinação carimbada para a Saúde de Adib Jatene.
Pelo menos em tese, já
que o recurso que entra no regime de Caixa Único do Tesouro, hoje, como naqueles
tempos irá, ao final, estar transportando goiabada para políticos de maior peso
e representatividade. Enquanto isso, a saúde patinava. Como no futuro, a renda
básica irá escorrer por entre dedos de pessoas famélicas, sem outra
expectativa.
Sem dignidade, sem razão
para viver. Sem aposentadoria.
Sem qualquer remorso de
Guedes, que cumpriu sua missão de contribuir com os seus...
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