quarta-feira, 15 de junho de 2022

A apatia e a normalização da barbárie e a pergunta que não pode calar: por quem os sinos dobram?

 “Nenhum homem é uma ilha; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. John Dunne, citado por Hemingway em Por Quem os Sinos Dobram.

Lembro-me do forte impacto que me causou quando li a frase de Dunne, citada (imortalizada) por Hemingway, em Por Quem os Sinos Dobram. Essa mesma frase é a que tem martelado em minha cabeça desde que tomei conhecimento do sumiço, desaparecimento, execução de Dom Phillips e Bruno Pereira.

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Confesso não saber se em função do ambiente, a região Amazônica, a imensa floresta tropical cuja maior extensão fica localizada em nosso país; se em razão das imagens que trago em minha imaginação e memória dos tempos do primário, quando ouvíamos fascinados a descrição de rios da dimensão do mar.

Daí a lembrança incontinenti da frase de Dunne: nenhum homem é uma ilha ... cada homem é uma partícula ... das margens; se um pedaço de terra é arrastado na cheia dos rios, a redução da dimensão de terra firme nos arrasta juntos. Por isso, choro pelas cheias. Pela terra arrastada. Pelas casas levadas como pluma, junto aos parcos – se alguns bens em seu interior. E choro pela morte de povos indígenas, os verdadeiros povos originários e proprietários da floresta.

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Choro pelos ribeirinhos, indigenistas, pequenos agricultores, tanto os pais, quanto os familiares, eliminados, executados pelas hordas de assassinos trogloditas do agronegócio, do narcotráfico, das quadrilhas de madeireiros, grileiros, mineradores, cuja única ambição é fazer sumir do mapa aquele patrimônio que, de tão monumental, não merecia ter ficado, em grande parte, nas terras brasileiras das gangues de bolsonazi e seus apoiadores fascistas.

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Também hoje fui impactado pela leitura de um texto de Eliane Brum, cujo link repasso:

Não é incompetência nem descaso: é método

https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2022/N%C3%A3o-%C3%A9-incompet%C3%AAncia-nem-descaso-%C3%A9-m%C3%A9todo

Embora longo, o texto, sua leitura torna-se fundamental. Necessária. Até para lembrar de outras vítimas dos bandidos,  escroques, gangsteres e assassinos e grileiros que invadiram o espaço deixado vago naquela região, por um Estado que nunca soube explorar, de forma científica, racional e preocupada com a preservação da própria vida em nosso planeta.

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Alías que, ao contrário, atiça a malta de criminosos a invadirem, depredarem, destruírem tudo que encontram pela frente, já que sob o comando de quem apenas visa e instrumentaliza a ação da morte e da barbárie.

Estado sob o comando de assassinos genocidas, bandidos, ladrões como dizia a música, de gravata e capital, sempre dispostos a expandir suas propriedades, riquezas e atividades lucrativas em detrimento diretamente da vida humana daqueles que atravessarem seu caminho, ou a mais longo prazo e indiretamente, da vida em todo o planeta.

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A propósito, é importante dizer que atividades lucrativas por não incorporarem os custos das externalidades que produzem e que crescem em magnitude e escala exponencial quando comparada à expansão da área plantada ou de pastagem, ou da produção de soja, gado, peixes, caça, minérios e madeiras ilegais.

Externalidades negativas dos custos irresponsavelmente transferidos para a sociedade, via devastação do meio ambiente, poluição e suas consequências, como doenças e morte.

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Como o texto de Eliane Brum destaca, no rastro de morte incentivado pelo armamento sem limites, sem restrições e qualquer tipo de controle, infelizmente as vítimas nem sempre são um indigenista branco, como Bruno Pereira, agente público respeitado e que foi vítima de punição simplesmente por ter cumprido a legislação e as funções e atribuições do cargo que ocupava.

Tampouco entre as vítimas se encontra um jornalista branco, estrangeiro, vindo de um país desenvolvido, de primeiro mundo, como Dom Phillips, motivo suficiente para causar um verdadeiro alvoroço em escala mundial e resulatar na condenação do governo brasileiro e de suas autoridades.

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Situação incapaz de causar maior constrangimento e vergonha a todos nós brasileiros, seja por existir entre nós, aqueles que optaram por entregar a condução do país a alguém sem qualquer preparo, condição intelectual ou dignidade pessoal, um ser desprezível que se preocupa exclusivamente com seus interesses e os de sua família, além dos milicianos que o cercam e de que se vale.

Mas não são apenas os apoiadores  - arrogantes, ressentidos, preconceituosos, de caráter minúsculo e inspiração fascista – que se mostram incapazes de sentir vergonha de tal estado de coisas. Aliás, muitos destes até justificam ações realizadas na Amazônia com base no falacioso e pobre argumento “da defesa de nossa soberania”, como o idiota e agressivo militar suspeito da prática de atos de terrorismos e, por tal motivo, expulso da tropa.

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Todos nós ou a maioria de nós a quem tais eventos provocam repulsa e reprovação acabam, por omissão, contribuindo para a promoção de um fenômeno de naturalização, de banalização da morte.

Todos nós, assistentes passivos da ação de um governo que investe contra o seu próprio povo, transformado em inimigo interno de uma guerra tremendamente desigual – de milícias armadas até os dentes, contra grupos de população faminta e miserável – temos nossa parcela de responsabilidade.

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Essa passividade ou temor, muitas vezes expressa sob a forma de desespero em meio à luta diária pela conquista da sobrevivência, da simples obtenção do pão, uma vez que povos famélicos não ousam se dar ao luxo de sonhar com saúde, educação, trabalho,  direitos, é que nos impede de exigir a punição dos criminosos e mandantes de crimes que se repetem ‘ad nauseam’ (até nos causar nojo).

A ausência de postura de cobrança mais rigorosa é que permite que continuemos apenas testemunhas mudas das mortes das Marielles, dos Anderson Gomes e outros motoristas como Evaldo dos Santos Rosa, e sua família, metralhados com mais de 80 tiros por soldados do Exército; por 28 seres humanos chacinados em Vila Cruzeiro, no Rio, suspeitos de serem bandidos ou não; dos Genivaldos no Sergipe e tantos outros torturados e assassinados por policiais.

Todos com a característica de serem negros, pobres, jovens, de comunidades e, muitas vezes sem explicação ou qualquer suspeição. Muitos trabalhadores honestos e portadores de sonhos.

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Na região da Floresta Amazônica vários são os crimes cujas vítimas são famílias inteiras de ribeirinhos, de pequenos agricultores, de povos indígenas ou quilombolas, de pessoas humildes ou funcionários de organizações que lutam na defesa da vida e da integridade das pessoas e da floresta e de nosso meio ambiente.

Casos que vão se tornando tão corriqueiros que acabam não merecendo sequer uma nota na imprensa. Casos que passam despercebidos de todos nós e que integram estatísticas crescentes e aterradoras que atingiram apenas em 2021 um total de 35 mortes e 391 casos de violência contra a pessoa, inclusive torturas.

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Não poderia deixar de mencionar minha indignação contra o Exército e os militares de patentes mais elevadas e mais tempo de serviço, especialmente aqueles da reserva, sempre dispostos a defenderem ações militares em defesa da Amazônia, de uma guerra imaginária e fantasiosa, contra inimigos cujas armas são apenas a preocupação com a preservação e a assistência a populações menos privilegiadas, ali instaladas há séculos.

Esta guerra fantasiosa serve para atestar o  despreparo de militares de nossas Forças Armadas que, por mais patentes e condecorações que ostentem não têm qualquer  experiência nos campos de batalha, nas trincheiras reais, a ponto de não saberem diferenciar civis comuns de exércitos inimigos, organizados, disciplinados e armados.

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Daí a minha indignação, e minha revolta silenciosa e apática contra o governo, autoridades com cargo eletivo, militares com a missão de zelar e proteger aquele pedaço de nosso território, e preservá-lo em benefício de toda a vida no planeta.

Minha indignação contra os agrotrogloditas e empresários sem moral e sem caráter; os políticos e as quadrilhas que ocupam o espaço ocioso deixado pelo Estado nacional, com todo o tipo de crimes, corrompendo e aliciando os habitantes da região em troca de pouco mais que alimentos e alguns remédios.

E a razão de meus sinos interiores repicarem em homenagem póstuma a todas as vítimas da selvageria e da criminalidade. Esta a razão de meu choro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Seu texto retrata a indignação à barbárie que se repete de forma tão despudorada. Tristeza profunda…