segunda-feira, 20 de junho de 2022

A brasilidade de Deus e o caos na Amazônia: um alerta e uma homenagem à queda de dois defensores da Vida

Dizem que Deus é brasileiro.

A crer nos relatos dos antigos sacerdotes sumérios, da mitologia grega e dos versículos iniciais do Gênesis e sua descrição da criação do mundo,  reconheço o acerto da frase.

Porque antes de criar os céus e a terra, sendo um Ser atemporal, Deus convivia com o caos:  ‘No princípio era o caos”. Ou, como concluiu o poeta grego Hesíodo, em uma das primeiras formas de manifestação de consciência divina, ‘o Caos era o Deus primordial do universo’.

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Com base em um raciocínio lógico mais para a falácia que para o silogismo, e utilizando um argumento empírico, que poucos irão contestar, concluimos que o Brasil é a expressão concreta do Caos.

Terra de constrastes e graves problemas, o Brasil se orgulha de ser o país de ideias criativas, eufemismo para tratar o método de soluções baseado na malandragem e no jeitinho, que conferem significado à conclusão do filósofo Olavo Leite Bastos, o Kafunga,  ex-atleta de futebol, comentarista e político, de que: “No Brasil, o errado é que está certo”.  

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De fato, o caos é antigo e data da chegada dos portugueses visando a instalação de uma colônia de exploração, baseada em desigualdades, injustiças e na na vergonhosa nódoa do emprego e exploração secular, violenta e sangrenta, do trabalho escravo. Ganhou intensidade com a importação e implementação do regime  PATRIMONIALISTA, da confusão entre público e privado, que permitiu a transferência de resultados e a apropriação do esforço da maioria da população por uma uma casta privilegiada.

Como reservatório em que fundiram povos de raças, culturas, tradições, conhecimentos, interesses distintos, a realidade brasileira ajudou a forjar alguns dos traços e qualidades mais distintivas do caráter macunaímico de nosso povo e de nossa sociedade.

Caráter que se manifesta na velhaca e ardilosa ‘genialidade’ das elites, quando da decretação da abolição do trabalho escravo, evento que substituiu o tipo de exploração do trabalho com base na força da chibata por uma forma mais insidiosa, menos aparente e mais perversa de subjugação do trabalhador: aquela que, por falta de recursos para a sobrevivência, o obriga a se submeter ao mesmo trabalho, por ssalário aviltado. O que se traduz em redução de custos e responsabilidades do patrão perante o empregado.

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Expressão da tragédia histórica que justifica nossa deformidade social, o CAOS não apenas continua existindo no presente de nosso país, como foi transformado em objetivo último a ser alcançado pelas forças de desconstrução que tomaram de assalto o poder e buscam destruir o mínimo de vida civilizada que vimos tentando construir.

O que faz da conquista do aparelho do Estado a reafirmação ANACRÔNICA de poder das elites e de minorias, visando retornar a uma situação de caos absoluto e da transformação do país em terra de ninguém, sem controle, direitos ou lei, salvo a vigência da lei do mais forte.

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Para ter êxito, a conquista de poder político pelas elites dominantes, sem a deflagração de um golpe pelas armas, impunha a necessidade de algum político que, acéfalo, aceitasse desempenhar o papel do boneco inanimado de ventríloco, e permitisse dar visibilidade à voz destas castas.

Mesmo sem ter em estoque a quantidade suficiente de candidatos para preencher tal perfil, não foi difícil encontrar alguém que atendesse ao requisito complementar de ausência total ou parcial de capacidade cognitiva e intelectual, discernimento, e que apresentasse insuficiência de atributos em experiência, estatura moral, empatia, e até mesmo  autêntica liderança.

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Um lance de oportunidade permitiu a seleção e escolha de alguém capaz de superar as expectativas e dono de outros prejdicados úteis como a inépcia, a incapacidade e desinteresse de governar e adotar decisões racionais, a falta de decoro, de educação, de traquejo, somada à arrogância própria dos tolos e à necessidade narcísica de demonstração de vigor físico, força e  jovialidade.

Coroando o perfil, tratava-se de um ex-militar tresloucado, simpático à prática de atos terroristas e da tortura, de caráter autoritário e inclinação política francamente fascista.

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Como leigo, julgo que esta personalidade se enquadra com exatidão ao perfil de um indíviduo portador de quadro clínico de maior gravidade, seja aquele de uma personalidade paranóide ou esquizóide, ou ambos. Hipóteses que configuram um caso típico de inimputabilidade.

Digno de maior preocupação do ponto de vista político, dado o cargo para o qual foi eleito, embora tenha sido este temperamento que mostrou, em pouco tempo, o acerto da opção feita pelos donos dos interesses dominantes.

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Outra verdade típica do senso comum é a de que “Deus escreve certo por linhas tortas”’. Cuja interpretação corrente tanto serve para expressar o reconhecimento da inferioridade humana frente ao Criador, como originar uma postura passiva, de resignação, senão de estímulo ao cultivo de uma fé inabalável.

Interpretação mais sofisticada considera a existência de um processo de planejamento estratégico de concepção e prazo mais amplos, passível de compreensão apenas da parte de uma divindade atemporal. Nesse caso, limitados pelo curto período de sua vida, os homens desenvolvem expectativas, criam visões e fixam objetivos mais imediatistas e falhos, decorrentes da impossibilitado de vislumbrarem o conjunto de alternativas à sua disposição.

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Se de fato atribuímos a Deus a responsabilidade pela tarefa de planejamento, o mesmo não se aplica ao Messias colocado no comando de nosso país que, além de incapaz de assumir esse papel, recusa-se a assumir a responsabilidade pelo insucesso de qualquer decisão que lhe compete tomar.

Assim, terceiriza as falhas, sempre optando pela saída mais comôda de culpar a algum bode expiatório; seu dedo acusador apontado a outros personagens ou instituições obrigados a compartilharem a arena pública: magistrados, prefeitos, governadores, autoridades de outras esferas e até a imprensa e alguns políticos honestos.

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Situações constrangedoras e de efeitos deletérios, frutos da insanidade do chefe deste desgoverno apresentam-se a todo instante, o que torna exaustiva a tarefa de elencá-las . No entanto, para desnudar seu total alheamento frente à realidade, convém recordar como equiparou a virulência de uma pandemia virótica a uma gripezinha; a defesa de medicação sem qualquer comprovação científica ou a campanha que liderou contra a vacina, sob argumentos no mínimo risíveis como de ela se destinar à implantação de um chip para o controle mental dos que a tomassem, ou de provocar a transformação de alguns dos vacinados em ‘jacaré’.

O resultado foi que ao menos 680 mil brasileiros perderam a vida, uma estatística que, para ele,  seria de interesse apenas para coveiros, já que do ponto de vista das famílias que perderam seus entes queridos não passaria de mero mimimi seu choro e seu luto.

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Outras ilustrações de seu alheamento da realidade são a realização de motociatas no mesmo dia em que, de manhã, sobrevoou a região metropolitana de Recife, vítima de chuvas, deslizamentos de terra que causaram mais de 220 mortes. Ou pior: a transferência da responsabilização, PARA AS VÍTIMAS,  da execução com requintes de tortura que sofreram, por estarem defendendo o patrimônio nacional tão vilipendiado: o meio ambiente, as reservas florestais, os povos indígenas e todas as populações carentes e desprotegidas da Amazônia.

Proteção que nem o exército, ou as forças militares de segurança se interessaram ou foram capazes de assegurar, conforme sua missão funcional, contra a sanha de gangues criminosas.

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O que revela mais uma contradição flagrante que o acéfalo fantoche no Executivo comete: para justificar o brutal assassinato de um repórter estrangeiro, observou que ele era mal visto na região (pelos bandidos, contrabandistas, narcotraficantes, grileiros, criminosos de todo tipo). Falso raciocínio que não se aplica quando são os soldados do tráfico e os gerentes das bocas que recebem a tiros de fuzis as forças policiais, a que não vêem com bons olhos, quando das incursões  que promovem nas comunidades cariocas.

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No entanto, não podemos jamais esquecer que o inepto e despreparado governante não passa de  ‘menino de recados’ de um grupo de empresários e proprietários de capitais que, junto aos seus porta-vozes difundem uma concepção hipócrita e a-histórica da economia que atribui a um suposto gigantismo e intervencionismo estatal, a culpa por todas as mazelas do país.
Processo com base no argumento falacioso que visa apresentar o ‘livre mercado’ como a solução mágica e exclusiva para os graves problemas de desenvolvimento não inclusivo e desigual, resultantes da busca gananciosa por lucros posta em marcha por este mesmo livre mercado e donos de capitais que o defendem.  

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Porque além da perversão imanente ao chefe do desgoverno desta república de “bananas” (síntese de todas as riquezas naturais que nos tornam explorados pelo grande capital), há que se desvendar e expor os  verdadeiros vilões e criminosos beneficiários desse processo de destruição do patrimônio do povo brasileiro: os empresários do agronegócio associados aos grileiros, desmatadores, incendiários da floresta e poluidores do Sistema do Aquífero da Grande Amazônia – SAGA. Capitalistas que mantêm notórias relações de simbiose com as quadrilhas de narcotraficantes; da pesca e caça ilegal; do contrabando de plantas nativas e animais silvestres; de madeireiros e mineradores ilegais.

Criminosos com espaço livre para a expansão das atividades predatórias que resultam na geração continuada de lucros que respingam sangue, face à omissão propositada do Estado e ao desvio de função do conjunto de organismos de controle, acompanhamento e fiscalização da exploração racional das riquezas naturais do país.

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A redução do aparato de estado a um mínimo, que lhes interessa, até que não fique de pé qualquer instância ou agente capaz de cumprir os deveres de proteção e assistência devidas a toda a população do país é que cria a ‘ocasião que faz o ladrão’. Dessa ocasião o ladrão se aproveita para extrair ganhos com que financiarão a continuidade de tal situação, fechando um ciclo nefasto para a ampla maioria da população.

Circuito nefasto que é a origem dos ataques à democracia; aos direitos de propriedade (autênticos) dos indígenas; ao direito e à liberdade de expressão e ao livre exercício da função da imprensa; a que se somam ataques ao judiciário, imprensa e instituições democráticas.

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 Contra  essa situação que devemos estar atentos e nos insurgir.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente aula de história política e econômica. Que venha a luz! Um abraço