quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Refletindo sobre a calmaria: pitacos de fúria e esperança no final do túnel

 





Tratamos ontem da questão do conflito no oriente, entre o Estado de Israel e o povo palestino, desrespeitado e tornado invisível pela maioria das nações e povos do mundo.

Hoje, voltamos a atenção para nosso país que vivencia um momento semelhante a uma calmaria: na superfície, águas tranquilas. Os cidadãos continuam levando sua vida do dia-a-dia e seu trabalho de forma rotineira, enquanto no cenário nacional da política as coisas evoluem sem sobressaltos, em ritmo vagaroso, exceto pela troca de farpas entre o Legislativo e Judiciário, na disputa por mais espaço e poder.

Mas, como ensinam os marinheiros mais experimentados, a calmaria aparente na superfície apenas camufla, muitas vezes, a agitação e turbulência incessante nas águas mais profundas.

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No Brasil, isso pode significar a incapacidade, cada vez maior, de as pessoas atingirem um mínimo de convivência harmônica e fraterna. Vejamos:

No último dia 16, em bairro de classe média alta de São Paulo e sem motivação aparente, exceto possível surto, um homem agrediu covardemente, os dois cães e sua tutora, que  aguardavam a abertura da porta de entrada do prédio em que moravam.

As câmaras mostram que, embora latissem para o homem, os cães não avançaram sobre o agressor da advogada Caroline Zanin, irmã do mais novo ministro do STF, Cristiano Zanin. 

Antes, na madrugada do dia 13, no Paraná, outro homem foi personagem de crime de racismo e xenofobia contra um frentista, no interior de loja de conveniências de  um posto de gasolina. O motivo para o crime foi a exigência de que ele efetuasse o pagamento antecipado de seu pedido.

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Em resposta à agitação das correntes marítimas, dia 17, foi a vez de um deputado desesperado e desclassificado proferir, da tribuna da Câmara,  ataques que constituíram verdadeira e covarde agressão verbal à senadora Eliziane Gama, relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito.

Tudo sob o amparo do direito, assegurado pela Emenda à Constituição nº 35,  à inviolabilidade de opinião e manifestação dos  representantes eleitos pelo povo. 

O comportamento abjeto e misógino foi a reação do filho deputado ao pedido de indiciamento do pai no relatório final da CPMI que apurou a responsabilidade pelos atos atentatórios ao Estado de Direito e às instituições nacionais no dia 8 de janeiro passado: o criminoso e golpista fracassado e ex-presidente do país.

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Ao pai do deputado o Relatório imputou de forma indireta 4 crimes, entre eles o de golpe de Estado: por deliberadamente ter induzido seus aliados à tentativa frustrada de golpe, seja por meio de ataques ao processo eleitoral, a não aceitação do resultado, até culminar com a invasão e depredação de patrimônio público, em arruaça que visava provocar a decretação de intervenção militar, através da GLO, como o confirmam os depoimentos prestados e os documentos recolhidas pela Comissão de Investigação.

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Duas outras explicações para a descarga mental do deputado, têm a ver com as virtudes e deficiências do regime democrático e a impunidade. Explico:

- o  regime democrático atribui a todo  cidadão o direito de  voz e representatividade nas decisões sociais, independente de cor, credo, raça, gênero, religião, grau de educação formal ou nível econômico ou sociocultural.

Logo, em um país desigual, agressivo, selvagem, desagregador, e onde o eleitor médio é ignorante ou ‘analfabeto político’, deveríamos esperar que seus representantes fossem deputados com este mesmo perfil. Confirmando que cada povo tem o representante que merece.

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Quanto à impunidade, ela se explica pela proteção legal citada acima, que dão ao deputado e sua corja o direito de disparem agressões e ataques que, se não constituem crimes, deveriam ser levados à análise e julgamento pela Comissão de Ética, por quebra de decoro, resultando em eventual punição, no limite, com a cassação de seu mandato.

O que confirma a máxima de que é a impunidade  o combustível da violência e do ódio.

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Por outro lado e estarrecidos, os brasileiros acompanham a descoberta do desaparecimento/roubo de 21 metralhadoras de pesado calibre, do arsenal da Base Militar de Barueri (SP).

Desvio que tem recebido atenção especial do comando daquela Força Militar, com a apuração rigorosa dos fatos, uma vez que as armas roubadas poderão acarretar consequências catastróficas para a segurança de toda a população, se caírem em mãos erradas.

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Esse tipo de roubo, com envolvimento de indivíduos da própria Força não é fato inédito e, no momento atual, apenas reforça as suspeitas do grau de deterioração e desgaste a que chegaram as forças militares, inclusive indivíduos do próprio Exército, agravado pelas constantes e violentas ações de forças policiais militares, a que a população tem sido exposta e da qual testemunha, na Bahia, em São Paulo, no Rio de Janeiro, etc.

Comportamento que alimenta as suspeitas da existência de um padrão de comportamento baseado em objetivos de limpeza étnica e saneamento das  comunidades de periferia, os guetos a que foram relegadas/condenadas os mais fragilizados: pobres, pretos, povos originários,  quilombolas, tratados, a priori e por hipótese, como criminosa.

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Em contraponto, no mundo real, economia do país dá sinais de crescimento ainda que não sustentado, de vez que puxado pela elevação de gastos públicos com programas de transferência de renda e gastos de consumo das populações atendidas pelos programas sociais.

Para tal resultado contribui em muito o programa Desenrola Brasil, que permite a adesão de uma população entusiasmada a programas de renegociação e refinanciamento em condições facilitadas das dívidas acumuladas e não pagas, além do perdão/cancelamento de dívidas de até 100 reais beneficiando a mais de 1,5 milhão de pessoas.

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Desta forma, este verdadeiro PROER para pessoas mais fragilizadas dá aos beneficiários a chance de resgatar sua dignidade e o auto respeito, e retornarem ao mercado de consumo de cabeça erguida.

Motivo de otimismo para que o país apresente um crescimento de 3% para o PIB, retornando ao grupo das 10 maiores economias mundiais.  

 


2 comentários:

Anônimo disse...

É assustador como convivermos com a violência de nosso cotidiano. Roubo de armas, o congresso sendo palco de comportamentos abjetos, milícias que se apropriam de bairros e regiões, o preconceito de toda ordem (aqui em São Luís, centros de cultos afro-brasileiros têm sido atacados por igrejas autoproclamadas de cristãs) etc. Esta sórdida realidade não é recente. Leonel Brizola foi acusado, quando candidato a presidente em 1989, de que foi o fomentador da violência na capital fluminense. Em sua defesa Brizola costumava mostrar um exemplar da revista Veja (uma de suas grande adversárias midiáticas), edição de 7 de abril de 1981, cuja matéria de capa era "A Guerra Civil no Rio". No entanto poucos prestaram atenção.

De lá para cá a situação naturalmente só se agravou. No entanto os investimentos em educação, inteligência policial, saneamento básico, saúde... diminuíram. Alguns saudosistas da ditadura, ignorantes e seguidores do genocida inelegível, atribuem a escalada violência a governos supostamente de esquerda e aplaudem a truculência policial, fazendo alusão a um personagem fantasioso: um certo homem de bem que é a vítima da violência, cultuando a frase despótica "bandido bom, é bandido morto".

Carregamos uma herança terrível esculpida em séculos de escravidão (que não está abolida), preconceitos, violência (inclusive doméstica), escondidas debaixo de um verniz de religiosidade, sociedade pacífica, tolerante, etc.

Fernando Moreira

Anônimo disse...

Paulo. Comentários oportunos e exemplares. Parabéns!