Tratamos ontem da questão do
conflito no oriente, entre o Estado de Israel e o povo palestino, desrespeitado
e tornado invisível pela maioria das nações e povos do mundo.
Hoje, voltamos a atenção para
nosso país que vivencia um momento semelhante a uma calmaria: na superfície, águas
tranquilas. Os cidadãos continuam levando sua vida do dia-a-dia e seu trabalho
de forma rotineira, enquanto no cenário nacional da política as coisas evoluem sem
sobressaltos, em ritmo vagaroso, exceto pela troca de farpas entre o Legislativo
e Judiciário, na disputa por mais espaço e poder.
Mas, como ensinam os marinheiros
mais experimentados, a calmaria aparente na superfície apenas camufla, muitas
vezes, a agitação e turbulência incessante nas águas mais profundas.
***
No Brasil, isso pode significar a
incapacidade, cada vez maior, de as pessoas atingirem um mínimo de convivência
harmônica e fraterna. Vejamos:
No último dia 16, em bairro de
classe média alta de São Paulo e sem motivação aparente, exceto possível surto,
um homem agrediu covardemente, os dois cães e sua tutora, que aguardavam a abertura da porta de entrada do prédio
em que moravam.
As câmaras mostram que, embora
latissem para o homem, os cães não avançaram sobre o agressor da advogada
Caroline Zanin, irmã do mais novo ministro do STF, Cristiano Zanin.
Antes, na madrugada do dia 13, no
Paraná, outro homem foi personagem de crime de racismo e xenofobia contra um
frentista, no interior de loja de conveniências de um posto de gasolina. O motivo para o crime
foi a exigência de que ele efetuasse o pagamento antecipado de seu pedido.
***
Em resposta à agitação das
correntes marítimas, dia 17, foi a vez de um deputado desesperado e
desclassificado proferir, da tribuna da Câmara, ataques que constituíram verdadeira e covarde
agressão verbal à senadora Eliziane Gama, relatora da Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito.
Tudo sob o amparo do direito,
assegurado pela Emenda à Constituição nº 35, à inviolabilidade de opinião e manifestação dos representantes eleitos pelo povo.
O comportamento abjeto e misógino
foi a reação do filho deputado ao pedido de indiciamento do pai no relatório final
da CPMI que apurou a responsabilidade pelos atos atentatórios ao Estado de
Direito e às instituições nacionais no dia 8 de janeiro passado: o criminoso e
golpista fracassado e ex-presidente do país.
***
Ao pai do deputado o Relatório
imputou de forma indireta 4 crimes, entre eles o de golpe de Estado: por
deliberadamente ter induzido seus aliados à tentativa frustrada de golpe, seja por
meio de ataques ao processo eleitoral, a não aceitação do resultado, até
culminar com a invasão e depredação de patrimônio público, em arruaça que visava
provocar a decretação de intervenção militar, através da GLO, como o confirmam
os depoimentos prestados e os documentos recolhidas pela Comissão de
Investigação.
***
Duas outras explicações para a descarga
mental do deputado, têm a ver com as virtudes e deficiências do regime
democrático e a impunidade. Explico:
- o regime democrático atribui a todo cidadão o direito de voz e representatividade nas decisões sociais,
independente de cor, credo, raça, gênero, religião, grau de educação formal ou
nível econômico ou sociocultural.
Logo, em um país desigual, agressivo,
selvagem, desagregador, e onde o eleitor médio é ignorante ou ‘analfabeto
político’, deveríamos esperar que seus representantes fossem deputados com este
mesmo perfil. Confirmando que cada povo tem o representante que merece.
***
Quanto à impunidade, ela se
explica pela proteção legal citada acima, que dão ao deputado e sua corja o
direito de disparem agressões e ataques que, se não constituem crimes, deveriam
ser levados à análise e julgamento pela Comissão de Ética, por quebra de decoro,
resultando em eventual punição, no limite, com a cassação de seu mandato.
O que confirma a máxima de que é a
impunidade o combustível da violência e
do ódio.
***
Por outro lado e estarrecidos, os
brasileiros acompanham a descoberta do desaparecimento/roubo de 21 metralhadoras
de pesado calibre, do arsenal da Base Militar de Barueri (SP).
Desvio que tem recebido atenção
especial do comando daquela Força Militar, com a apuração rigorosa dos fatos,
uma vez que as armas roubadas poderão acarretar consequências catastróficas
para a segurança de toda a população, se caírem em mãos erradas.
***
Esse tipo de roubo, com
envolvimento de indivíduos da própria Força não é fato inédito e, no momento
atual, apenas reforça as suspeitas do grau de deterioração e desgaste a que
chegaram as forças militares, inclusive indivíduos do próprio Exército, agravado
pelas constantes e violentas ações de forças policiais militares, a que a
população tem sido exposta e da qual testemunha, na Bahia, em São Paulo, no Rio
de Janeiro, etc.
Comportamento que alimenta as
suspeitas da existência de um padrão de comportamento baseado em objetivos de limpeza
étnica e saneamento das comunidades de
periferia, os guetos a que foram relegadas/condenadas os mais fragilizados:
pobres, pretos, povos originários, quilombolas, tratados, a priori e por
hipótese, como criminosa.
***
Em contraponto, no mundo real, economia
do país dá sinais de crescimento ainda que não sustentado, de vez que puxado pela
elevação de gastos públicos com programas de transferência de renda e gastos de
consumo das populações atendidas pelos programas sociais.
Para tal resultado contribui em
muito o programa Desenrola Brasil, que permite a adesão de uma população
entusiasmada a programas de renegociação e refinanciamento em condições
facilitadas das dívidas acumuladas e não pagas, além do perdão/cancelamento de
dívidas de até 100 reais beneficiando a mais de 1,5 milhão de pessoas.
***
Desta forma, este verdadeiro PROER
para pessoas mais fragilizadas dá aos beneficiários a chance de resgatar sua
dignidade e o auto respeito, e retornarem ao mercado de consumo de cabeça erguida.
Motivo de otimismo para que o
país apresente um crescimento de 3% para o PIB, retornando ao grupo das 10
maiores economias mundiais.
2 comentários:
É assustador como convivermos com a violência de nosso cotidiano. Roubo de armas, o congresso sendo palco de comportamentos abjetos, milícias que se apropriam de bairros e regiões, o preconceito de toda ordem (aqui em São Luís, centros de cultos afro-brasileiros têm sido atacados por igrejas autoproclamadas de cristãs) etc. Esta sórdida realidade não é recente. Leonel Brizola foi acusado, quando candidato a presidente em 1989, de que foi o fomentador da violência na capital fluminense. Em sua defesa Brizola costumava mostrar um exemplar da revista Veja (uma de suas grande adversárias midiáticas), edição de 7 de abril de 1981, cuja matéria de capa era "A Guerra Civil no Rio". No entanto poucos prestaram atenção.
De lá para cá a situação naturalmente só se agravou. No entanto os investimentos em educação, inteligência policial, saneamento básico, saúde... diminuíram. Alguns saudosistas da ditadura, ignorantes e seguidores do genocida inelegível, atribuem a escalada violência a governos supostamente de esquerda e aplaudem a truculência policial, fazendo alusão a um personagem fantasioso: um certo homem de bem que é a vítima da violência, cultuando a frase despótica "bandido bom, é bandido morto".
Carregamos uma herança terrível esculpida em séculos de escravidão (que não está abolida), preconceitos, violência (inclusive doméstica), escondidas debaixo de um verniz de religiosidade, sociedade pacífica, tolerante, etc.
Fernando Moreira
Paulo. Comentários oportunos e exemplares. Parabéns!
Postar um comentário