link: https://youtu.be/QMkX5oVEEWQ
Pitaco
da semana passada, mencionava haver uma luz de esperança em nosso país, dada
por sinais de crescimento não sustentado de nossa economia, a partir da elevação
de gastos públicos em programas de transferência de renda e pelo consumo das
famílias beneficiárias destes programas.
O
aparente otimismo baseia-se nas previsões de um crescimento do PIB próximo dos
3%, que recoloca o Brasil dentre as 10 maiores economias do mundo, e gera um quadro
de expectativas positivas fruto do ambiente de estabilidade criado pelas
políticas econômicas.
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A
retomada de um ambiente de confiança, não nos exime de fazer algumas observações
necessárias, para qualificar melhor nosso raciocínio.
A
primeira e principal observação trata de que este crescimento tem muito
pouco valor, se não adotarmos políticas para distribuir de forma mais justa
e equânime seus benefícios.
Outra
observação diz respeito à importância, para a expectativa de expansão do
consumo das famílias, do relançamento, resgate, reforço e ampliação do Bolsa
Família, com regras mais bem definidas (inclusive quanto a contrapartidas), que
permite a criação de um clima de otimismo junto a todos os agentes econômicos.
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Como
o amigo, colega e professor Daniel Amorim, observou em comentário ao pitaco, “a
literatura científica tem mostrado a existência de uma relação inversa e
significativa entre índice de incerteza da política econômica e variáveis como
investimentos e PIB” uma vez que a criação de um ambiente positivo traz
estabilidade, reduz a incerteza macroeconômica e permite previsibilidade.
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Uma
terceira observação, necessária, vincula a expectativa de aumento do consumo ao
programa Desenrola Brasil, desenhado pelo governo a partir de aperfeiçoamento
de ideia original do ex-candidato Ciro Gomes.
Em
suas várias fases, e a partir de livre negociação entre vários tipos de
credores (agentes financeiros, administradoras de cartão, empresas varejistas e
fornecedoras de serviços públicos) e as mais de 76 milhões de pessoas endividadas
e inadimplentes, o programa estimulou a oferta de descontos significativos que
facilitam a renegociação e o refinanciamento das dívidas. Adicionalmente, e com
o mesmo intuito, incluiu o perdão/cancelamento de todas as dívidas de até 100
reais, beneficiando a 1,5 milhão de pessoas.
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Outra
observação compara este programa Desenrola com outros programas de ajuda,
estímulo à reestruturação e apoio financeiro a outros segmentos econômicos como
o PROER, em 1995, voltado ao sistema bancário nacional; o PROES, visando ao
saneamento dos bancos públicos, como parte do programa de privatização do governo
FHC; o refinanciamento de dívidas dos grandes agricultores, principalmente
junto ao Banco do Brasil, ainda no anos 95/96.
Restaurando
a dignidade e até a cidadania, este PROER dos inadimplentes nos autoriza a parafrasear
o slogan de propaganda famosa: “restaurar o auto respeito, a confiança e possibilitar
que milhões de pessoas voltem a andar e a fazer compras de cabeça erguida, com
o nome limpo na praça não tem preço”.
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Uma
última observação se deve ao alerta de que, por mais deva ser comemorada a melhoria
da expectativa de crescimento de nossa economia, trata-se de uma expansão não
sustentada ou, do tipo voo de galinha, como alguns economistas e analistas de
mercado insistem em classificar.
Explico:
tanto os gastos públicos para o reequipamento e a reestruturação de uma série
de instituições e políticas sucateadas pela insânia que passou como autêntico
vendaval no último governo; quanto os gastos de consumo mais elevados, aguardados, não são suficientes para assegurar
a retomada ou continuidade do crescimento de nossa economia nos anos a seguir.
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O
alerta feito no pitaco anterior levou alguns seguidores dos pitacos a solicitarem
uma melhor explicação deste fenômeno.
Para
atendê-los, há que se admitir que tanto gastos públicos quanto de consumo ampliam
a demanda total do país. Mas não asseguram, exceto em alguns setores como o de
serviços (comércio, serviços pessoais, etc.), que para o atendimento dessa maior demanda, não
bastará o maior uso e venda de produtos em estoques, ou apenas a ampliação das
jornadas de trabalho, com horas e turnos extras. No limite, com a contratação
de temporários.
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A
expansão da oferta ou produção por adoção das formas citadas nos mostra que que
tal processo não dá origem, necessariamente, a um processo de investimento. Nem
mesmo de expansão do nível de emprego com novas contratações de trabalhadores,
salvo aquelas temporárias que, por seu caráter de incerteza não elevam o nível
de confiança e mais gastos.
Não
se nega que as vendas aumentam, junto com lucros e até remunerações (extraordinárias),
o que não garante que, em anos posteriores, o país terá condições de produzir
mais, e melhor, nem de expandir a força de trabalho empregada.
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Para
um crescimento autêntico, sustentado, necessita-se a realização de gastos de investimento ou acumulação
de capital, em volume maior que o mínimo necessário para repor as máquinas e
equipamentos desgastados pelo uso ou tempo. É necessário haver investimento
líquido, novo, positivo (superior ao de reposição).
Além
do ambiente saudável de negócios e da segurança de manutenção das regras do
jogo, este crescimento depende de programação de estímulo e desenvolvimento, em
especial creditício, à realização de investimentos em obras de infraestrutura, na modernização da indústria, agora sob novo
padrão tecnológico e nova matriz energética, o que demanda programas de conversão
energética, que visem a inserir o parque produtivo em um novo paradigma de
desenvolvimento tecnológico, avançado e ambientalmente sustentável.
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Isso
exige o resgate da institucionalidade de um processo de planejamento e programação,
com acompanhamento, controles e fiscalização de cronograma físico e, especialmente
financeiro de obras.
Impede
que o governo promova cortes e bloqueios de verbas orçamentárias, na busca de
um equivocado equilíbrio fiscal, com destaque para cortes de verbas vinculadas
à educação, centros de pesquisa e formação de pessoal qualificado, institutos
de desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas, além da saúde e
prevenção sanitária.
A
retomada de um processo de desenvolvimento via inversões que ampliam a
capacidade produtiva, a partir de implementação de um política econômica consistente,
principalmente do ponto de vista da ampliação das operações de crédito, além de crescimento sustentado traz como
benefício a redução da importância do capital financeiro e dos ganhos
especulativos de caráter “rent seeking” (em busca de lucros individuais, a
qualquer custo), promovendo um reequilíbrio de forças e interesses entre este
capital estéril e o capital produtivo, gerador de riqueza, emprego e um padrão
de vida mais justo e equânime.
Um comentário:
Muito oportuno e elucidativo. O alerta de crescimento "não sustentável" é deveras importante. Pessoalmente tenho o receio de que a receita de 2003 seja novamente aplicada e passada a euforia de seu esgotamento nos deparemos com a frustração inerente à gestão do processo de ascensão social. Este alerta me faz pensar, uma vez mais, sobre as raízes do golpe parlamentar: não estaria em uma de suas pontas a incapacidade do governo em avançar nas políticas econômicas e sociais? As demandas da população foram em parte satisfeitas, todavia os acordos políticos que viabilizaram a governabilidade excluiu a possibilidade de mudanças estruturais no país?
O "centrão" continua no poder, firme e forte. Os limites de uma democracia representativa estão expressos na dificuldade que a esquerda tem de abraçar pautas de transformação sustentáveis da sociedade, talvez por demandar tempo e muito, muito esforço educacional.
Fernando Moreira
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