terça-feira, 24 de outubro de 2023

Uma visão de planejamento e política econômica e industrial necessária para o pais mais rico e mais justo





link: https://youtu.be/QMkX5oVEEWQ 

Pitaco da semana passada, mencionava haver uma luz de esperança em nosso país, dada por sinais de crescimento não sustentado de nossa economia, a partir da elevação de gastos públicos em programas de transferência de renda e pelo consumo das famílias beneficiárias destes programas.

O aparente otimismo baseia-se nas previsões de um crescimento do PIB próximo dos 3%, que recoloca o Brasil dentre as 10 maiores economias do mundo, e gera um quadro de expectativas positivas fruto do ambiente de estabilidade criado pelas políticas econômicas.

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A retomada de um ambiente de confiança, não nos exime de fazer algumas observações necessárias, para qualificar melhor nosso raciocínio.

A primeira e principal observação trata de que este crescimento tem muito pouco valor, se não adotarmos políticas para distribuir de forma mais justa e equânime seus benefícios.

Outra observação diz respeito à importância, para a expectativa de expansão do consumo das famílias, do relançamento, resgate, reforço e ampliação do Bolsa Família, com regras mais bem definidas (inclusive quanto a contrapartidas), que permite a criação de um clima de otimismo junto a todos os agentes econômicos.

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Como o amigo, colega e professor Daniel Amorim, observou em comentário ao pitaco, “a literatura científica tem mostrado a existência de uma relação inversa e significativa entre índice de incerteza da política econômica e variáveis como investimentos e PIB” uma vez que a criação de um ambiente positivo traz estabilidade, reduz a incerteza macroeconômica e permite previsibilidade.

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Uma terceira observação, necessária, vincula a expectativa de aumento do consumo ao programa Desenrola Brasil, desenhado pelo governo a partir de aperfeiçoamento de ideia original do ex-candidato Ciro Gomes.

Em suas várias fases, e a partir de livre negociação entre vários tipos de credores (agentes financeiros, administradoras de cartão, empresas varejistas e fornecedoras de serviços públicos) e as mais de 76 milhões de pessoas endividadas e inadimplentes, o programa estimulou a oferta de descontos significativos que facilitam a renegociação e o refinanciamento das dívidas. Adicionalmente, e com o mesmo intuito, incluiu o perdão/cancelamento de todas as dívidas de até 100 reais, beneficiando a 1,5 milhão de pessoas.

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Outra observação compara este programa Desenrola com outros programas de ajuda, estímulo à reestruturação e apoio financeiro a outros segmentos econômicos como o PROER, em 1995, voltado ao sistema bancário nacional; o PROES, visando ao saneamento dos bancos públicos, como parte do programa de privatização do governo FHC; o refinanciamento de dívidas dos grandes agricultores, principalmente junto ao Banco do Brasil, ainda no anos 95/96.   

Restaurando a dignidade e até a cidadania, este PROER dos inadimplentes nos autoriza a parafrasear o slogan de propaganda famosa: “restaurar o auto respeito, a confiança e possibilitar que milhões de pessoas voltem a andar e a fazer compras de cabeça erguida, com o nome limpo na praça não tem preço”. 

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Uma última observação se deve ao alerta de que, por mais deva ser comemorada a melhoria da expectativa de crescimento de nossa economia, trata-se de uma expansão não sustentada ou, do tipo voo de galinha, como alguns economistas e analistas de mercado insistem em classificar.

Explico: tanto os gastos públicos para o reequipamento e a reestruturação de uma série de instituições e políticas sucateadas pela insânia que passou como autêntico vendaval no último governo; quanto os gastos de consumo mais elevados,  aguardados, não são suficientes para assegurar a retomada ou continuidade do crescimento de nossa economia nos anos a seguir.

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O alerta feito no pitaco anterior levou alguns seguidores dos pitacos a solicitarem uma melhor  explicação deste fenômeno.

Para atendê-los, há que se admitir que tanto gastos públicos quanto de consumo ampliam a demanda total do país. Mas não asseguram, exceto em alguns setores como o de serviços (comércio, serviços pessoais, etc.),   que para o atendimento dessa maior demanda, não bastará o maior uso e venda de produtos em estoques, ou apenas a ampliação das jornadas de trabalho, com horas e turnos extras. No limite, com a contratação de temporários.

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A expansão da oferta ou produção por adoção das formas citadas nos mostra que que tal processo não dá origem, necessariamente, a um processo de investimento. Nem mesmo de expansão do nível de emprego com novas contratações de trabalhadores, salvo aquelas temporárias que, por seu caráter de incerteza não elevam o nível de confiança e mais gastos.

Não se nega que as vendas aumentam, junto com lucros e até remunerações (extraordinárias), o que não garante que, em anos posteriores, o país terá condições de produzir mais, e melhor, nem de expandir a força de trabalho empregada.

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Para um crescimento autêntico, sustentado, necessita-se  a realização de gastos de investimento ou acumulação de capital, em volume maior que o mínimo necessário para repor as máquinas e equipamentos desgastados pelo uso ou tempo. É necessário haver investimento líquido, novo, positivo (superior ao de reposição).

Além do ambiente saudável de negócios e da segurança de manutenção das regras do jogo, este crescimento depende de programação de estímulo e desenvolvimento, em especial creditício, à realização de investimentos em obras de infraestrutura,  na modernização da indústria, agora sob novo padrão tecnológico e nova matriz energética, o que demanda programas de conversão energética, que visem a inserir o parque produtivo em um novo paradigma de desenvolvimento tecnológico, avançado e ambientalmente sustentável.

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Isso exige o resgate da institucionalidade de um processo de planejamento e programação, com acompanhamento, controles e fiscalização de cronograma físico e, especialmente financeiro de obras.

Impede que o governo promova cortes e bloqueios de verbas orçamentárias, na busca de um equivocado equilíbrio fiscal, com destaque para cortes de verbas vinculadas à educação, centros de pesquisa e formação de pessoal qualificado, institutos de desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas, além da saúde e prevenção sanitária.

A retomada de um processo de desenvolvimento via inversões que ampliam a capacidade produtiva, a partir de implementação de um política econômica consistente, principalmente do ponto de vista da ampliação das operações de crédito,  além de crescimento sustentado traz como benefício a redução da importância do capital financeiro e dos ganhos especulativos de caráter “rent seeking” (em busca de lucros individuais, a qualquer custo), promovendo um reequilíbrio de forças e interesses entre este capital estéril e o capital produtivo, gerador de riqueza, emprego e um padrão de vida mais justo e equânime.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito oportuno e elucidativo. O alerta de crescimento "não sustentável" é deveras importante. Pessoalmente tenho o receio de que a receita de 2003 seja novamente aplicada e passada a euforia de seu esgotamento nos deparemos com a frustração inerente à gestão do processo de ascensão social. Este alerta me faz pensar, uma vez mais, sobre as raízes do golpe parlamentar: não estaria em uma de suas pontas a incapacidade do governo em avançar nas políticas econômicas e sociais? As demandas da população foram em parte satisfeitas, todavia os acordos políticos que viabilizaram a governabilidade excluiu a possibilidade de mudanças estruturais no país?
O "centrão" continua no poder, firme e forte. Os limites de uma democracia representativa estão expressos na dificuldade que a esquerda tem de abraçar pautas de transformação sustentáveis da sociedade, talvez por demandar tempo e muito, muito esforço educacional.

Fernando Moreira