quarta-feira, 4 de abril de 2012

Medidas polêmicas de apoio à indústria

Embora ainda afetado pelo avassalador processo de enfermidade - e felizmente assintomático, até em função da celeridade em que se deu -, que culminou no falecimento de minha sogra, sinto-me no dever de tecer algum comentário sobre as medidas de estímulo ao setor industrial de nosso país, capaz já de gerar muita polêmica
Primeiro, às medidas.
A mais badalada até agora, trata da desoneração da folha de pagamento de 15 setores selecionados, com o governo antecipando-se em divulgar que, caso seja de interesse, outros setores poderão solicitar tratamento similar.
Trata, como salientou a presidenta Dilma, de medida que visa reduzir o custo da força de trabalho, por um lado, sem trazer prejuízos aos direitos dos trabalhadores que não serão afetados.
A imprensa tem divulgado que tal medida, a ser implantada por meio da edição de uma Medida Provisória irá gerar renúncia, por enquanto, de R$ 4,9 bilhões esse ano, e R$ 7,2 bilhões no ano de 2013, período previsto para duração da política.
Tal desoneração corresponde, de fato, ao fim da contribuição patronal de 20% para a Previdência, substituída por uma elevação da carga tributária sobre o faturamento das empresas, variável de 1 a 2,5%.
Em primeiro lugar, devo assinalar que a medida vem na direção correta, como todos os analistas estão apontando, a saber, reduz os encargos sobre a folha, o que pode estimular a geração de novos postos de trabalho e novos empregos, com impactos positivos sobre a massa salarial, a renda e a demanda.
Mais emprego, claro, é sempre melhor que menos emprego, afirmação que é acaciana.
No entanto, e sem ter tido condições e disponibilidade para realizar estudos setoriais, é importante que algumas questões sejam levantadas, e algumas hipóteses analisadas.
Antes de passar a esse ponto, entretanto, é importante esclarecer que a substituição de encargos sobre a folha, medida redutora de custos, por outras fontes tributárias, como a incidência sobre faturamento das empresas, tem sido já proposta sugerida e demandada por vários estudiosos da política industrial e das mazelas, não apenas da indústria, mas da economia brasileira.
Nesse sentido, vários projetos de reforma tributária já vindos a público, trazem propostas na direção da política agora adotada.
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No entanto, desonerar a folha de salários como decidido agora, pode não trazer os benefícios projetados, nem mesmo implicar no custo e na renúncia fiscal anunciada.
E digo isso, sem ter realizado qualquer pesquisa mais séria e abalizada a respeito, especialmente do ponto de vista dos impactos setoriais. Logo, as dúvidas que passo a expor, por serem fundadas em hipóteses e crenças que venho cultivando e, naturalmente podem não ser verdadeiras, devem ser entendidas mais como dúvidas e questões para aprofundamento dos estudos.
Bem, começo pelo mais simples, a questão da desoneração, substituída pela elevação da incidência de taxação sobre o faturamento. Tomemos uma empresa e seu faturamento de 100 mil. Pela medida proposta, sobre esse faturamento ela deverá pagar 1500, para substituir a contribuição patronal.
Ora, imaginemos que as despesas com pessoal atinjam um valor equivalente a 5 a 8% do custo de produção e comercialização. Fiquemos com uma média de 6%. Supondo que o custo bruto seja equivalente a 90% do faturamento total, teremos que, a despesa total com pessoal para essa empresa atingiria a 5400 (6% de 90%). Como se afirma que, em média, os encargos correspondam a 100% da folha, em nossas contas, isso representaria 2700, e o ganho do empresário e renúncia fiscal seria de 1200, resultado que, mesmo pequeno é positivo.
Mas, e aqui entram as minhas crenças: se a despesa com pessoal não ultrapassa a 6% do total do custo, sendo metade disso equivalente à despesa com os encargos sociais, e se o custo bruto correspondesse em média a 75% do faturamento, e além disso, a taxa sobre o faturamento da empresa fosse fixado em 2%, o que teríamos de resultado?
A empresa teria que pagar uma taxa de 2000 para o faturamento de 100 mil, e deixaria de pagar 2250 (100000 x 75% x 3%). E já aí o ganho, embora ainda presente, não seria tão significativo. Situação que me leva a imaginar que, para alguns setores e/ou até algumas empresas, o resultado poderia ser nulo, se algum.
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Outra questão é que, medidas como a principal anunciada ontem, parecem ser específicas para os setores mais intensivos em mão de obra. E, aqui, outro problema surge: o uso mais intensivo de tecnologia, em muitos casos redutora de emprego de mão de obra, nos impõe a questão: deveríamos procurar modernizar a indústria e empresas nacionais, tornando-as mais intensivas em capital e tecnologia, ou manter o padrão característico de uma indústria/empresa tradicional, com produtos ou de maior custo ou menor qualidade?
Nesse sentido, privilegiar medidas destinadas a aumentar o emprego, estaria na direção mais recomendada, em se pensando na questão da competitividade e conquista de mercados, mais que na questão social?
Nesse caso, a questão social, não seria melhor tratada com políticas compensatórias e outro tipo de estímulos, inclusive à sua qualificação e aperfeiçoamento?
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Surge aqui outra dúvida/questão: para indústrias cada vez mais intensivas em capital e tecnologia, a mão de obra não exigiria uma maior qualificação, uma formação profissional que nosso sistema de ensino, aprendizado e formação técnica não tem sido capazes de fornecer?
Então, o impacto de uma medida que visa ampliar o nível de emprego, na verdade não traria como benefício -diga-se de passagem por si só importantíssimo- apenas a formalização da mão de obra, e não a ampliação dos quadros de trabalhadores?
Na verdade a questão é outra: poderia uma política voltada para estimular o emprego, deixar de mencionar medidas na área da formação de pessoal?
Não teria sido mais estruturante, propor reduções de encargos, na medida em que as empresas patrocinassem planos de educação, treinamento e especialização profissional, por exemplo?
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Mudando de foco: a desoneração proposta traria queda na arrecadação previdenciária, ampliando o rombo que vários economistas já apontam existir e que tanto combatem e criticam. Para impedir que o rombo se amplie, o governo promete que o Tesouro irá cobrir qualquer perda na Previdência, ampliando o gasto público.
Mas, ampliar o gasto público, e ainda prometer que vai manter a meta de superávit orçamentário significa que: ou o governo irá patrocinar novas elevações de tributos ou irá cortar mais gastos em outras áreas e esferas. Espera-se que não seja nas áreas de Educação, que iria conspirar contra o êxito do próprio programa ou pior ainda, sacrificar o futuro da competitividade da economia do país, nem na área da Saúde, já suficientemente precária e deteriorada.
Também espera-se que não seja na área de gastos com infra-estrutura, já que tais gastos, em alguns casos não poderão deixar de ser efetuados, podendo ser classificados como incompressíveis ou resistentes à baixa, tendo em vista os eventos que estão planejados para nosso país (Copa do Mundo e Olimpíadas) ou ainda a resolução de gargalos que acabam prejudicando nossa produtividade, custos e competitividade. O tal custo Brasil.
O que teremos para cortar mais? Juros? Já prometidos para ficar nos 9% ao ano, conforme a última Ata da reunião do Copom.
Salários do funcionalismo, já suficientemente arrochados pelas perdas inflacionárias, não repostas nos últimos anos?
Quanto a essa questão salarial, é bom que se recorde que o desmantelamento da máquina pública - aquela destinada a prestar SERVIÇOS PÚBLICOS e assistência à população, de qualidade, a partir do emprego de mão de obra qualificada significa menos capacidade de o governo poder cumprir suas políticas e ações, e não mais. E que, há nesse momento, no horizonte, uma previsão de elevação de gastos com a implantação do Fundo Previdenciário do Servidor Público.
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Poderiam perguntar porque a preocupação com o equilíbrio orçamentário, já que a mídia e os empresários em momento algum mostraram-se preocupados com essas questões.
E aqui meu espanto: ninguém falou da possibilidade de perda de arrecadação e rombos orçamentários. Ninguém criticou o governo estar criando mecanismos que poderão ter como resultado mais e não menos endividamento. E a razão em minha opinião é de que esse gasto PODE! Por ser gasto de ajuda a empresário e não em prol às parcelas da população menos privilegiadas.
Fosse um gasto para ampliar benefícios sociais, ou aumento do funcionalismo, o mundo viria abaixo. Mas, no caso dos poderosos grupos empresariais... tudo é permitido. E elogiado!
Mas, se o lema desses que são favoráveis a que o governo só atue em benefício das classes mais poderosas e que, quanto ao resto, deixe as forças do mercado funcionarem livremente,  é que "não existe almoço grátis"
alguém vai perder.
E examinar quem ganha e quem perde ou banca os ganhos dos privilegiados é o primeiro passo para se proceder a uma análise precisa de qualquer medida de política.
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Outras medidas do pacote, como a ampliação do crédito; a elevação de recursos para ser utilizada em financiamentos pelo BNDES; a elevação do IPI sobre cervejas e refrigerantes, para compensar a perda de arrecadação potencial; e medidas protecionistas - algumas até voltadas para auxiliar a empresas de capital estrangeiro aqui instaladas também estão na direção correta, em minha opinião.
Mas são por demais importantes e complexas para não serem tratadas em colunas ou postagens próprias.
Assim, comentaremos depois a respeito delas.

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