A capacidade de o governo da presidenta Dilma protagonizar trapalhadas é algo que alcança muito além de qualquer roteiro que pudéssemos sequer imaginar, seja roteiro de comédia de erros, seja de um filme nonsense, seja de uma tragédia.
A esse respeito, já passou de qualquer limite a capacidade de o governo brasileiro se mostrar tão ostensivamente presente na vida do país, tão onipresente, a ponto de tentar - e estar conseguindo com êxito, diga-se-, ser governo e ao mesmo tempo, ocupar o espaço de sua oposição.
Tome-se agora o caso do pacote de ajuste fiscal, anunciado na segunda feira última e que, pelo conjunto de medidas que apresenta à nação, conquistou uma unanimidade difícil de ser imaginada: não há qualquer setor satisfeito com o governo. Não há qualquer segmento da sociedade que veja algo de positivo nas medidas de corte propostas. Quanto à elevação da carga tributária, capitaneadas pela recriação da CPMF, nem há muito o que comentar.
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Quem me lê sabe que estou longe de poder ser acusado, ou mesmo confundido, de ser simpático a uma postura mais liberal na política e na economia. Já há muito tenho deixado claro que não acredito na perfeição do funcionamento das forças consideradas cegas do mercado. E, por esse motivo, em conjunto com as chamadas "falhas de mercado", creio na necessidade de presença de um Estado forte, presente, dinâmico, moderno e eficiente, capaz de exercer a liderança da sociedade que em tese deveria representar. Não apenas um aparato capaz de aplainar os caminhos e estimular o desenvolvimento das atividades privadas, nem apenas uma instância que se limitasse a regulamentar e fiscalizar o desempenho de atividades demandadas pela sociedade, mas que pudesse, nos casos em que necessário, responsabilizar-se pela produção direta ou pela provisão dos bens e serviços que os mercados têm resistência em proporcionar ou o fazem em condições insuficientes.
Mas, insisto: a capacidade de acumular trapalhadas do governo só consegue ser proporcional à total incapacidade de os partidos de oposição adotarem posturas contrárias às propostas nascidas no Planalto.
Porque se o governo é ruim e trapalhão, não se pode dizer nada muito diferente de uma oposição em que desponta a figura do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, filiado ao PMDB, partido que não apenas integra a base de apoio partidário, mas ocupa parcela significativa do governo e de seus vários cargos. E lembremos: a posição do presidente da Câmara é fruto de questões comezinhas, mesquinhas, personalistas, egoísticas, para ficar apenas nesses adjetivos.
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Afinal, até mesmo o pedido de "impeachment" que aglutinou a maioria dos interessados em pedir o afastamento da presidenta Dilma e que está sofrendo alterações para adequar-se aos moldes da Câmara, foi feito por um ex-petista, o advogado Hélio Bicudo.
Uma oposição tão ruim, fraca mesmo, que incapaz de criticar o pacote de ajuste fiscal com a mesma intensidade que senadores petistas têm demonstrado.
Ou com tanta questão que poderia ser objeto de críticas nas medidas anunciadas, a questão mais importante a ser arguida é uma pretensa covardia do Executivo federal, como foi alegado ontem pelo senador carioca das Gerais, Aécio?
Criticar a recriação da CPMF por suas características de imposto regressivo, sem neutralidade já que em cascata, e passível de ser repassado aos preços com os efeitos decorrentes sobre a inflação, não seria postura mais correta que ficar preso à discussão de se o governo queria alíquota de 0,2, ou na realidade, 0,38% ?
Mas, fazer o que, se Aécio, presidente do partido que deveria deter o protagonismo nas críticas é está mal assessorado ou se é incapaz de entender integralmente o conteúdo da discussão?
E tem amigos meus, eleitores do menino do Rio, que não gostam quando eu o critico...
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Ora, contando com o privilégio de ter vivenciado o primeiro período em que a CPMF vigorou, até sua extinção, e de contar com memória ainda ativa, é importante destacar que, por força de sua forma de cobrança, esse tributo mostrou-se um dos mais eficientes em termos de arrecadação e em relação ao princípio da facilidade de entendimento por parte do contribuinte, e do custo de sua administração.
Também, embora pouco lembrado e nada citado por parte da imprensa que deveria informar mais e melhor, ao ter sua cobrança realizada diretamente nas contas dos correntistas bancários, todas plenamente identificáveis, esse imposto acaba tendo toda a população, sem exceção, como alvos. Ou seja, pega os honestos e todos os que manipulam recursos de caixa dois, de atividades ilegais, de lavagem de dinheiro.
Tal vantagem de atingir a todos os que operam junto ao sistema financeiro, permite que junto à obrigatoriedade de os bancos identificarem os valores recolhidos e por que clientes, possa haver o cruzamento de informações do imposto de renda auto-declarado pelos contribuintes com as de recolhimento da CPMF. O que permite descobrir casos de rendimentos não apresentados ao Fisco.
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Por ser dotada dessas características, a CPMF sempre foi vítima de tantos quantos têm interesse em manter as condições que permitem que os recursos possam ser utilizados, quem sabe esquentados ou lavados, como são exemplo os políticos em questões de doações de campanha, os empresários ou empreiteiros que se aproveitam das formações de oligopólio para obter vantagens em licitações públicas, ou funcionários corruptos de empresas estatais...
E por sua contribuição para tentar estancar essa tramitação de recursos ilícitos, muitos propuseram, antes da extinção do imposto em 2007, permitir que o tributo continuasse sendo recolhido, mas dando direito a deduções de parte do valor pago diretamente na declaração do imposto de renda.
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Mas não foi isso que preocupou ao PSDB e suas lideranças. Nem mesmo, o que acho pior, o fato de que a recriação e a cobrança têm sido justificadas como sendo necessárias para financiar a Previdência Social. O que apenas adia e torna mais difícil ou remota uma discussão que já está mais do que na hora de ser feita para alterar as regras de funcionamento e benefícios da Previdência.
Se é que há o interesse em se manter o regime previdenciário de repartição solidária, inter-geracional, ao invés de se desejar sua substituição ( por sua falência!) pela previdência privada, no regime de capitalização e gerido por instituições financeiras privadas.
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Fora da questão de elevação da carga tributária, não poderia deixar de mencionar aqui a farsa do cortes de gastos que ainda não foram nem aprovados nem decididos, o que significa que o corte proposto pelo governo atingiu apenas uma lista de intenções ou promessas vãs.
E, mais uma vez, alcançando os segmentos mais fragilizados da sociedade, como o funcionalismo público, considerado muitas vezes o vilão da má qualidade da prestação dos serviços à população, o que é um equívoco tremendo.
Porque não bastasse já ter nos últimos 4 anos dado reajustes anuais aos servidores sempre no início do ano seguinte ao que o reajuste era devido, e em percentuais inferiores ao da inflação calculada, acumulando perdas já de próximo de 27% nas remunerações, o governo se propõe a adiar em 8 meses a reposição salarial dessa massa de servidores. Veja bem, não é aumento de salário. Não se trata disso. Tão somente reposição de perdas provocadas pela inflação acumulada.
E se muitos ainda acreditam que a medida é justa, dado que os salários do Executivo são elevados, "afinal, são todos uns marajás", é importante lembrar que os altos salários, injustificáveis situam-se, na maior parte das vezes na própria Justiça e no Legislativo. E a grande maioria dos funcionários do Executivo recebem salários pouco mais elevados que o que se considera uma remuneração digna.
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Outra das medidas, a que prevê a não realização de concursos no setor público, remete não apenas à economia com um pretenso inchaço da folha mas, mais efetivamente, à incapacidade de órgãos públicos deixarem de poder funcionar a contento. O que significa, em órgãos responsáveis pela fiscalização de atividades desempenhadas pela iniciativa privada, em benefício do público, a paralisação de tais atividades, dando oportunidade a que tais serviços sejam executados com toda a sorte de possíveis abusos e perda de qualidade.
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Mas, querer que parte das perdas ou cortes seja efetuada a partir do direcionamento dos recursos das emendas parlamentares, recentemente transformadas em emendas de caráter impositivo, para gastos determinados pelo governo não mostra autoritarismo, apenas.
Mas total incapacidade de ver, ler a realidade, entender e analisar o que está ocorrendo, o que coloca o governo e o ministro Levy em situação típica dos que sofrem de problemas de esquizofrenia.
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Pior. Para tentar convencer aos deputados aliados a apoiarem tais medidas, em tudo e por tudo dependente da boa vontade desses deputados, o ministro prefere adotar uma postura belicosa. Mesmo que cheio da razão, a falta de habilidade do ministro é tão somente mais uma atitude reveladora do que ocorre no governo. Um total apagão de bom senso.
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