quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O debate que faz falta: ajuste fiscal ou soluções alternativas para a crise

O flagrante feito ontem e mostrado em todas as principais edições dos jornais noturnos das tevês,  mostrando a farsa perpetrada por três homens vestindo fardas da PM do Rio de Janeiro alterando a cena de um crime e forjando uma troca de tiros merece uma reflexão e uma reação muito mais aprofundada que a mera condenação pública dos três assassinos.
Não que a reação pública não seja bem vinda e que as manifestações de repúdio manifestadas pelo comando da Polícia carioca não sejam mais que louváveis, necessárias. Manifestações que, saliente-se, foram acompanhadas das necessárias ações visando a rigorosa punição dos bandidos: afastamento dos 'policiais' de suas atividades, abertura de inquérito, tomada de depoimentos, iniciativas que poderão levar, ao final, à necessária e merecida expulsão dos bandidos de farda.
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Mas, se a Polícia Militar, como corporação, reage a esse tipo de violência descabida, não podemos deixar de assinalar que o comportamento dos três assassinos fardados não é um fato isolado e nem aceito e até pregado por parte de nossa sociedade. Aquela parte que enche o peito e a boca para proclamar que 'bandido bom é o bandido morto', mesmo que ao suposto bandido não seja dada a menor condição de se explicar, de se defender, ou que lhe seja dispensado o tratamento que até aos animais deve ser dado.
E pior: a rigor, nem precisa que o bandido seja mesmo bandido, ou tenha sido pego cometendo algum tipo de ilícito.
Basta, como temos visto, que seja jovem; preto ou tenha a pela mais escura, mesmo que encardida; que more nas comunidades da periferia; que tenha baixo nível de escolaridade ou qualificação ou, que esteja classificado, como agora tomamos conhecimento, como morador de zona norte, que se dirige para as praias da zona sul, sem dinheiro.
Porque, afinal, como disse uma senhora entrevistada, o que esse povo vem fazer nas nossas praias?
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Então, o que se esperar de uma corporação e de seus integrantes, que tipo de comportamento podemos cobrar dos seus membros, quando o próprio secretário de Segurança do estado é um dos defensores de que, independente de ter ou não cometido algum delito, o simples fato de poder vir a fazê-lo já é suficiente para que a liberdade de ir e vir que a Constituição assegura a todos, seja negada.
Não importa que a pessoa seja criminosa ou que o menor seja bandido. Basta parecer ser.
E isso, tão somente por não ter tido as oportunidades de educação, moradia, emprego e renda que embora assegurada pelas leis, o Estado e a sociedade lhes negou.
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Como tem negado ainda agora, nesse momento, ao propor e querer praticar uma política econômica que, assentada em juros estratosféricos, apenas beneficia aos donos do grande capital, aos donos do dinheiro.
Que fundada na busca de um necessário acerto nas contas públicas, acaba privilegiando não o bem estar ou equilíbrio da sociedade, mas o equilíbrio das contas do governo.
Insisto: não sou contra a necessária revisão de gastos públicos ou a adoção de medidas que busquem tornar tais gastos mais eficientes, com resultados mais eficazes para a população. Afinal, já tive a oportunidade de afirmar aqui, em outros pitacos que o governo cometeu erros que deve agora tratar de consertar, entre os quais o de se submeter ao interesse da classe empresarial, concedendo-lhes favores, incentivos, benefícios que além da conta, nem foram demandados em algumas ocasiões. O que, por óbvio, levou o empresariado a adotar a postura cômoda da inação, em uma espécie de chantagem ao governo, como se para forçá-lo a ampliar as benesses.
E o governo, em minha visão caiu no jogo do empresariado, fazendo concessões cada vez maiores, e ampliando gastos, sem qualquer exigência de contrapartida da parte dos beneficiários.
Embora não discuta que a preocupação última do governo fosse com os estratos da população de renda e condições de vida piores, os maiores e verdadeiros beneficiários foram os intermediários do processo, a classe empresarial.
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E agora, para consertar as finanças abaladas, o governo propõe uma política fiscal pesadamente recessiva, que trará efeitos e consequências futuras com as quais teremos dificuldades para lidar. Exemplo dessas políticas é o corte anunciado no programa da farmácia popular, que irá prejudicar milhões de brasileiros que necessitam de remédios para minorar os males que enfrentam. E que, com o final dos descontos que o programa assegurava, irão ter de interromper os tratamentos, com todas as consequências que isso significa. Ou que terão que abrir mão de ter uma vida digna, apenas para ter o direito de ter, muitas vezes, um prolongamento dessa vida.
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E aí vemos surgir nas telas das tevês, o ministro Joaquim Levy, com sua receita simples ou simplória de bolo, apelidada de 1-2-3: primeiro promover o ajuste fiscal rigoroso, com mais cortes de gastos governamentais; em segundo lugar, com as contas públicas em ordem e gerando superávits primários, sem a necessidade de ir ao mercado tomar financiamentos, a juros elevados, permitir a queda dos juros; por fim, realizar as reformas estruturais que irão fazer o país retomar o ritmo de crescimento.
O que é recebido com aplausos e ampla aprovação por comentaristas econômicos, e jornalistas que cobrem os temas da área econômica, muitos dos quais com conhecimentos limitados do assunto que procuram cobrir. Ou influenciados por suas fontes ou informantes, com quem buscam entender os movimentos da equipe econômica para tentar depois, qual um papagaio, sem qualquer reflexão, repetir ou traduzir as explicações para o grande público. Ou alguns jornalistas ou comentaristas econômicos que apenas visam agradar aos seus patrões, defendendo os interesses daqueles que os remuneram.
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Com a ideia equivocada de que a inflação é de demanda, e que só pode ser contida por utilização do instrumento da política monetária, a taxa de juros, o governo pratica uma das mais elevadas, senão a maior taxa do planeta, mesmo já descontada a inflação.
Com tal comportamento, derruba a demanda agregada, impedindo o uso do crediário (cujas taxas se elevam, trazendo junto a inadimplência, o nome sujo e as restrições cadastrais) e derrubando as compras a prazo.
Os empresários, sem terem para quem vender, não produzem, evitando e reduzindo a necessidade de capitais para o giro mesmo do seu negócio, já que nem vamos aqui tratar da questão do financiamento de investimentos visando ampliação de capacidade ou reorganização, etc.
A queda da produção leva os empresários a decidirem pela demissão de seus funcionários, o que lhes retira renda e contribui para reduzir ainda mais a demanda por consumo.
Juntos, consumo e investimento se reduzem, no afã de controlar a inflação e derrubam as receitas do governo, mais de 60% das quais, obtidas sobre a produção e circulação de bens.
E com isso, o fosso entre receitas em queda e despesas estáveis se abre ainda mais.
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Por isso que é voz corrente que além da política fiscal torna-se necessário o uso da política fiscal, cortando gastos do governo, de forma a assegurar que a demanda caia de fato. E que se reponha toda a problemática descrita no parágrafo anterior.
As pessoas gastam menos, o setor privado gasta menos, o setor público gasta menos e a demanda menor ajuda a resolver as contas públicas (pelo corte dos gastos públicos), gera superávits primários, e permite debelar a inflação, o que irá permitir, no futuro a queda dos juros.
Só que não.
Primeiro porque gastos públicos não são apenas, muitas vezes difíceis de comprimir, quando considerados pela ótica da demanda agregada. Como vimos e já falamos acima, a redução dos gastos com saúde ou educação, gastos significativos, dão origem a um gasto maior, compensatório, por parte das famílias. Ou seja, apenas assiste-se à substituição dos gastos financiados por recursos públicos, por aqueles financiados pelos recursos privados. Do ponto de vista da demanda agregada, a redução dos gastos, ao menos em um primeiro momento, não ocorre.
Depois, o povo morre sem saúde a aí sim, pode ser que melhore o ambiente social.....
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Mas, se os gastos públicos, considerados vilões da demanda em alta, são cortados, tais cortes afetam apenas os gastos que estimulam a produção, o funcionamento dos serviços públicos, e até a fiscalização (ah! essa sim!) que, em tese, o governo deve exercer em relação ao funcionamento dos setores privados.
Curioso como poucas vezes isso é tratado explicitamente pelo ministro, ou pelos comentaristas, o corte de gastos muitas vezes inviabiliza que o Estado tenha condições de agir fiscalizando e fazendo cumprir as regulamentações tão necessárias em ambientes onde a atividade econômica é toda provida pelo setor privado.
Aliás essa é uma das questões centrais da desregulação. O governo sai da produção e deixa de fazer, por não ter vocação para tanto, mas passa a fiscalizar.
Mas, os gastos com o pagamento aos banqueiros, e aos financiadores da dívida pública não são atingidos. E percebe-se que, no fim e de fato, todo o esforço do governo e de seu ministro é para que esses pagamentos dos juros da dívida pública sejam feitos em dia.
Não por acaso, um sujeito hoje esquecido e considerado ultrapassado, já escrevia nos idos de 1860, em seu O Capital, a respeito da dívida pública o que reproduzo parcialmente abaixo:

"(…) O sistema de crédito público, i. é, das dívidas do Estado, cujas origens descobrimos em Génova e Veneza já na Idade Média, tomou posse da Europa toda durante o período da manufactura. O sistema colonial, com o seu comércio marítimo e as suas guerras comerciais, serviu-lhe de estufa. Deste modo, fixou-se primeiramente na Holanda. A dívida do Estado, i. é, a alienação do Estado – tanto despótico como constitucional ou republicano – marcou com o seu selo a era capitalista. A única parte da chamada riqueza nacional que realmente está na posse colectiva dos povos modernos é – a sua dívida de Estado.
 O crédito público torna-se credo do capital. E com o surgir do endividamento de Estado, vai para o lugar do pecado contra o Espírito Santo – para o qual não há qualquer perdão – a blasfêmia contra a dívida pública. A dívida pública tornou-se uma das mais enérgicas alavancas da acumulação original. Como com o toque da varinha mágica, reveste o dinheiro improdutivo de poder procriador e transforma-o assim em capital, sem que, para tal, tivesse precisão de se expor às canseiras e riscos inseparáveis da sua aplicação industrial e mesmo usurária. Na realidade, os credores do Estado não dão nada, pois a soma emprestada é transformada em títulos de dívida públicos facilmente negociáveis que, nas mãos deles, continuam a funcionar totalmente como se fossem dinheiro sonante. Mas também – abstraindo da classe dos que desocupados vivem de rendimentos assim criados e da riqueza improvisada dos financeiros que fazem de mediador entre governo e nação, como também da dos arrendatários de impostos, mercadores, fabricantes privados, aos quais uma boa porção de cada empréstimo do Estado realiza o serviço de um capital caído do céu – a dívida do Estado impulsionou as sociedades por acções, o comércio com títulos negociáveis de toda a espécie, a agiotagem, numa palavra: o jogo da bolsa e a moderna bancocracia." (trecho do capítulo de Marx, sobre a Acumulação Primitiva do Capital, no livro I do Capital).

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Mas, se a economia moribunda e sem inflação poderá assistir finalmente à queda das taxas de juros, porque isso iria animar os empresários a tomarem recursos para investir? Apenas por ter dinheiro barato? Mas e os compradores para a sua produção ampliada serão encontrados onde?
E, por fim, seriam eles encontrados em meio à classe trabalhadora, que terá direitos flexibilizados, e remunerações idem, ao menos e sempre para baixo?
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Mas a questão é que, acertadas ou não, essas medidas são sempre objeto de apresentação e comentários elogiosos pela imprensa e pela mídia, que não se dá ao trabalho ou não é  capaz  de fazer uma análise mais criteriosa das reais consequências das medidas.
E que, no jogo de interesses que sempre está envolvido nesse tipo de questões que dizem respeito ao funcionamento das sociedades, principalmente na distribuição dos frutos de suas conquistas, não procura analisar e contrapor essa ideia hegemônica (e nem por isso correta!), com outras alternativas.
Ideias alternativas recebidas com escárnio, ou indiferença, como as ideias apresentadas no documento em dois volumes que pode ser encontrado e baixado da internet, feito pela Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT.
Feito com a colaboração de mais de 100 economistas ou analistas, Mudar para sair da crise - alternativas para o Brasil voltar a crescer (vol. 1) e o Brasil que queremos - Subsídios para um processo de desenvolvimento nacional (vol 2), deve ser lido e debatido com o máximo de isenção possível. E pode ser visto no endereço: fpabramo.org. br.

Ainda não li. Mas já baixei os dois volumes para ler com calma assim que tiver mais tempo livre. E antes que o país não tenha mais alternativas visíveis no horizonte.
O endereço da

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