Falo de um tema da teoria econômica que diz respeito aos mercados financeiros e à concessão de crédito por parte dos bancos, e que está relacionado à chamada assimetria de informações.
Ou seja: quando um dos lados envolvidos em uma operação de financiamento de qualquer modalidade, em geral o lado fornecedor do crédito não detém as informações que lhe permitiriam tomar as decisões corretas quanto a fornecer ou não o crédito.
Diz a teoria que isso acontece porque os bancos, por exemplo, não têm a exata noção do uso que o tomador do crédito dará ao recurso obtido, que poderá ser utilizado em algum tipo de atividade de elevado grau de risco, ou em atividades não aceitas nem recomendadas, ou ainda porque a parte devedora, embora não manifeste sua intenção, não tem a menor pretensão de cumprir sua parte no acordo, pagando de volta o principal a que teve acesso, com os encargos inerentes.
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Ora, a deficiência da informação em relação às reais intenções daquele que demanda empréstimos pode levar as instituições financeiras a uma situação peculiar, que caracteriza uma escassez de crédito, e que se manifesta pelo fato de, embora tenha dinheiro disponível para emprestar a sua clientela, o banco prefere não atender a demanda por seus recursos, o que cria uma escassez artificial de seu produto: o dinheiro.
Claro que sabemos que o negócio dos bancos exige que seu produto, como de qualquer outro comerciante, não fique parado nas prateleiras; que seu estoque gire e o faça cada vez com maior velocidade, para que, usando a famosa fórmula da gestão financeira, a sua taxa de lucro, multiplicada pela margem de giro, possa ampliar sua lucratividade levando-o a uma rentabilidade maior.
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Ocorre que, no caso dos intermediários financeiros, seu produto, o dinheiro pode ter, sempre, aplicações alternativas que se não chegam a ser mais rentáveis, são mais lucrativas, como a compra de títulos públicos, junto ao próprio governo, ou as operações de curtíssimo prazo no mercado interbancário, onde as instituições com superávits de caixa emprestam para as instituições com menores volumes de seu fluxo de caixa.
E, com isso, os bancos podem se negar a emprestar para os tomadores tradicionais de mercado, empresas ou pessoas físicas, buscando escapar do risco de calote ou inadimplência.
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Seria desnecessário assinalar o fato de que, no mundo dos negócios financeiros existe, claro, e pode ser relativamente estimado pela análise de comportamento histórico, estatístico, o risco tradicional de qualquer negócio, o risco chamado de não sistemático, além daquele que atinge a toda a economia indiscriminadamente, ou risco sistemático.
No caso da operação financeira, para uma empresa em particular, sempre há que se considerar os riscos do negócio, ou específicos do ramo em que a empresa atua, já que tais circunstâncias poderão comprometer a boa intenção do tomador que, em meio a perdas do negócio ou auferição de prejuízos, poderá não ter condições de saldar suas dívidas. O que redunda em prejuízo para todos os seus credores, sejam fornecedores, governo, funcionários ou instituições financeiras.
Isso é um risco do negócio do banco, e normalmente é precificado com maior grau de precisão e embutido nas taxas de juros e nos spreads cobrados.
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Mas, estamos nos referindo, em especial, ao fato de que antecipadamente, não há como saber se o tomador do recurso está ou não bem intencionado, ou se ele está falando e dando informações quanto à aplicação que pretende dar ao dinheiro, de forma correta e confiável.
Por esse motivo os bancos preferem promover a tal restrição ao crédito, o que cria uma situação curiosa: diz a teoria convencional que, em havendo no mercado maior quantidade de demanda por um produto que a oferta (seja a escassez real ou artificial), os preços deverão se elevar para que o mercado resgate o seu equilíbrio, ou seja, quem quiser e puder pagar terá exatamente à sua disposição a quantia desejada.
Isso equivale a dizer que os que não ´puderem pagar, ou os que perceberem que as taxas de juros (o preço da mercadoria dinheiro) estão expressivamente elevadas, o que torna racional renunciar ao bem e esperar melhor oportunidade para obtê-lo, abandonarão o mercado e a demanda reduzida irá se igualar à quantidade de recurso disponibilizada pelo setor financeiro.
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Pelo que a teoria econômica nos diz, não é isso que acontece nesse mercado específico, e a explicação encontra-se, justamente no fato de que os bancos preferem emprestar apenas para os clientes que eles já conhecem há muito tempo, ou que podem atestar de forma mais robusta por sua idoneidade e pelas suas verdadeiras intenções.
Agem assim, para evitar o que se denomina de seleção adversa, fenômeno que poderia levar o banco a sérios problemas, uma vez que acabaria emprestando seus recursos para aqueles clientes menos confiáveis, com projetos mais arriscados ou com menores intenções de liquidar os seus débitos futuros.
Daí, a seleção adversa da clientela a ser favorecida. A carteira de operações de crédito dos bancos estaria repleta de títulos representativos de dívidas que pouco valem por que seus emissores não tinham em qualquer momento, desejo ou capacidade de de lhes honrar.
Essa situação ocorreria em razão de que caso os bancos elevassem as taxas de juros, em momento de escassez de crédito no mercado, esse comportamento iria levar especialmente os clientes mais sérios, os mais bem intencionados, os mais honestos até, a perceberem que sua atividade não renderia o suficiente para permitir obter condições de pagar e ainda ter lucros, ou ter uma vida menos reprimida, mais tranquila.
Com os mais sérios e honestos refazendo cálculos e vendo da inviabilidade de tomarem o crédito nas condições dadas, eles abandonariam seus planos e não iriam mais fazer parte do grupo de demanda de dinheiro.
Outros poderiam, ao refazer suas contas, perceber que, às taxas elevadas de crédito agora cobradas, apenas os negócios mais arriscados e, por isso mesmo, de menor segurança de retorno poderiam prosperar. Nesse caso, ou não teriam interesse em partir para negócios arriscados e, às vezes, nem suficientemente conhecidos, ou também prefeririam sair do mercado adiando seus planos.
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Para os bancos, como agentes demandantes de dinheiro, ficariam então aqueles que os bancos não teriam como confiar em suas informações ou projetos e ideias ou como acompanhar durante o prazo do financiamento concedido.
Não podemos deixar de reconhecer que alguns bancos, para evitar esse tipo de problema de desconhecer as informações reais do candidato a tomador do crédito, elaboram projetos e planilhas de financiamento em que o crédito a ser concedido é dividido em parcelas, que seguem um cronograma de desembolsos que permite ao intermediário financeiro acompanhar a evolução do projeto do tomador.
Mas, isso acontece na maior parte das vezes, naqueles projetos de maior monta e maior volume de recursos envolvidos, projetos de investimento de mais longo prazo de extensão.
Nesse caso, EM GERAL, as instituições financeiras incluem no cronograma de desembolsos e no contrato de financiamento firmado, cláusulas que obrigam a que o tomador se torne responsável por uma contraparte em dinheiro, que ele deverá colocar em seu investimento, às vezes, da ordem de até 20% do total do valor solicitado, e antes dos desembolsos da instituição financeira terem início.
Tal medida é uma forma de os bancos financiadores se garantirem da real intenção, da vontade e da capacidade do tomador de atender aos compromissos que o pedido de financiamento o levarão a assumir.
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Mas, tais casos são restritos praticamente a empréstimos concedidos por bancos públicos, como o BNDES, já que os bancos privados são mais avessos a fazerem empréstimos para financiamento de projetos de maior prazo de duração.
Para pequenas, médias e micro empresas, e até para empréstimos pessoais, esse tipo de exigência de que o devedor ponha parte de seu dinheiro no empreendimento a ser financiado é pouco comum.
Exceto para o caso do financiamento à aquisição da casa própria, em que normalmente se exige uma poupança prévia do tomador do recurso.
O que nem de longe, impede que os tomadores não consigam quitar as parcelas do financiamento, entrando em inadimplência e chegando até a perda de suas casas.
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Ciente da possibilidade e tentando evitar a situação de seleção adversa, os bancos preferem restringir o crédito como já dito antes, o que é perfeitamente compreensível em momentos em que os índice de inadimplência são elevados, as taxas de desemprego se elevam e a economia não consegue se reanimar, com o governo preferindo adotar medidas de contenção da demanda e gastos - um contrasenso.
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Aí vem o anúncio das medidas adotadas pelo governo golpista, de caráter microeconômico, destinadas a estimular a demanda e em especial o consumo das famílias - em franca decadência, a cada mês que se passa - por uso do instrumento do crédito. Ou seja, com a tentativa de redução de taxas de juros, que ninguém nega serem escorchantes, absurdas, abusivas, cobradas pelas administradoras de cartões de crédito, pelos bancos no cheque especial, ou nas operações de empréstimo pessoal, ou CDC.
A rigor, até mesmo o crédito consignado, com taxas próximas a 2% ao mês (1,97% em certas condições no Banco do Brasil), ou mais de 26% ao ano, já é uma taxa muito elevada, para inflação de algo próxima a 7% ao ano.
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Mas, qual o significado de tal redução, que pretende passar as taxas do crédito rotativo do cartão de 480% para próximo à metade disso, ou 250%. Como se essa taxa fosse perfeitamente tolerável.
Porque razão os bancos iriam se interessar em entrar na situação de assimetria de informações identificada acima com a restrição do crédito, ou a seleção adversa.
Ainda mais, em que um bom cliente e bom pagador, que sempre honrou seus compromissos e agora perdeu o seu emprego poderá se beneficiar ou levar o banco a confiar em sua pessoa e capacidade, apenas porque antes, quando trabalhava sempre pagou em dia suas obrigações?
Em que ajuda muito a destrinchar a situação de risco dos bancos, o incentivo ao uso mais indiscriminado do tal cadastro positivo?
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Ora, outro dia, assistindo ao Jornal da Bandeirantes, cada vez com qualidade pior, mais favorável a dar notícias que mostrem como o governo está agindo para melhorar a situação do nosso país, que dando as notícias que mostram, de verdade, que tais notícias são apenas factóides, e que a realidade não será modificada apenas pelas promessas vazias de um governo usurpador, por mais que a propaganda tente vender o contrário, deparei-me, estupefato, com comentário de Boechat.
Dizia o âncora do jornal que, caso queira mesmo que os bancos e fornecedores de crédito reduzam os juros, bastaria o governo, controlador de dois dos maiores bancos do país, o Banco do Brasil e a Caixa, ordenar a redução dos juros de suas instituições.
Arrematou dizendo que isso obrigaria, pelas leis da concorrência que os demais bancos também reduzisem suas taxas, recordando que foi exatamente isso que foi feito, recentemente, por governos anteriores, que ele não especificou.
Bem ele se referia ao governo legítimo da presidenta Dilma, que ao agir da forma por ele recomendada, foi acusada de estar quebrando os bancos públicos; de estar promovendo uma intervenção desleal no mercado financeiro, etc. etc.
Ou seja: para o governo Dilma não podia, e tinha de ser duramente criticado. Já para temer, o usurpador, tudo pode.
Porque esse é o governo dos bancos e dos grandes empresários e do grande capital, para os bancos e pelos bancos e empresários e grande capital.
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Uma lástima.
Uma lástima.
Mas, quanto às medidas, são insuficientes, e não vão conseguir no médio prazo elevar o grau de endividamento que as famílias, a duras penas e muito sacrifício, estão conseguindo reduzir.
Dados do Banco Central mostram que o índice de inadimplência vem caindo e que atingiu em novembro a 42%.
Ao mesmo tempo, vem caindo a procura por parte dessas famílias por operações de crédito, já que a memória recente de todas elas ensina-lhes que, em situação de crise e possibilidade de ampliação dos níveis de desemprego, o melhor é não gastar com aquilo que não seja estritamente necessário. E acima de tudo, evitar se endividar.
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Assim, por mais oba oba que a imprensa tenha feito, as medidas mostram-se inóquas.
Como se mostrará, no futuro, mais prejudicial ao trabalhador e sua família, essa outra medida que autoriza que o trabalhador possa utilizar os saldos das contas inativas, em seu nome, do Fundo de Garantia.
Essa medida, que é de todas a melhor das anunciadas, poderá levar a um quadro que, não sendo suficiente para liquidar todas as dívidas acumuladas do trabalhador, poderá ainda levá-lo a retirar o dinheiro, para poder aproveitar os rendimentos de aplicações com melhores rendimentos no mercado. No fim, não entendo de aplicações financeiras, nem de sua lógica, muitos desses beneficiários irão lançar mão do dinheiro - pouco - para aumentar momentaneamente e sem sustentação seu consumo. Que terá o efeito de um fogo em palha.
E, ao fim de sua vida, esse dinheiro lhe fará falta, em maior escala que a que pode estar fazendo agora.
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Em suma: nem as medidas têm capacidade de funcionar, apesar da propanda, nem resolvem nossa situação. Apenas, caso o governo em desespero procure, ainda, levar os bancos públicos - e os privados, na esteira do comportamento dos primeiros - a ampliarem a concessão de créditos e a renegociação de dívidas, é sempre bom considerar que a assimetria de informações não causa apenas o problema mostrado acima, de seleção adversa.
Pode também gerar o problema posterior, de risco moral, ou "moral hazard", quando caso forçados a concederem créditos, os bancos entrarem em situação de alto grau de perdas, alguns dos quais culpando o governo, e tendo que ser socorridos pelas autoridades do país.
É isso.
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A todos os nossos leitores, os votos de Um Feliz 2017. Com paz, amor, coisas que não dependem tando assim de gastos e nem se medem por fatores econômicos. E mais realizações, saúde e, principalmente muita FÉ.
Dessa então, iremos precisar muito no ano Novo.