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Inúmeros são os exemplos de situações desse tipo, como a declaração do próprio capitão da reserva de que iria respeitar a liberdade de imprensa e que não adotaria qualquer medida de censura em relação a jornais como a Folha de São Paulo, a quem acusou de publicar reportagens mentirosas e caluniosas a seu respeito, ainda na fase de campanha. Na mesma declaração, contudo, fez questão de deixar claro que uma coisa é o respeito à opinião contrária e outra, muito diferente, a alocação de verbas oficiais para os órgãos da imprensa.
Deixando muito transparente sua forma de agir, rancorosa e vingativa, o presidente eleito nem se preocupou em fazer uma ameaça velada ao jornal. Ao contrário, optou por adotar um comportamento francamente retaliativo. Pior: ilegal, já que a seleção dos órgãos de imprensa para a veiculação de propaganda ou comunicação de interesse público por parte do governo deve ser decidida por processo licitatório.
Dito de outra forma, a escolha de veículos a serem utilizados por comunicados do governo deve seguir princípios como, por exemplo, o da impessoalidade.
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Mas se em relação a essa ameaça o capitão não voltou atrás, pelo menos até o momento, é certo que, posteriormente andou fazendo declarações que levaram grande preocupação a outros veículos de comunicação, obrigando empresas como as que integram as organizações Globo a adotarem uma postura mais defensiva.
Afinal, na primeira oportunidade que teve de voltar ao tema, não deixou de criticar as verbas despejadas em órgãos que, por esse motivo, acabam crescendo e se transformando na principal, senão a mais importante formadora da opinião pública no país.
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Ninguém em sã consciência há de negar, no caso da rede Globo, seu peso e importância na definição dos temas que irão ocupar a agenda de debates da sociedade. Muito menos as forças da esquerda tupiniquim, que sempre reclamou da manipulação da opinião pública exercida pelo enorme poder da Globo.
Até por esse motivo é que, volta e meia, programas de governo como o do PT se dispõem a tratar do controvertido tema do controle social da mídia, por muitos confundido com uma forma de introdução ou reintrodução da censura no país.
Ledo engano. Ao menos, por parte dos eleitores do capitão, que agora vêem, calados e ainda embevecidos, seu mito dar declarações críticas em relação ao peso e ao poder que a Globo concentra, catalisado pelas verbas que obtém do governo.
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No caso do capitão, o medo maior de minha parte é que ele não queira corrigir e/ou reduzir o peso da maior emissora do país, mas apenas promover sua substituição pela rede Record, por motivos inspirados tão somente por questões religiosas.
Ainda assim, dentro da pauta do conservadorismo dos costumes, tão à feição da bancada da Bíblia.
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Mas deixando de lado as falas do presidente eleito, em relação à mídia, que é forçoso reconhecer que seguem um padrão ou modelo de comportamento muito próximo àquele adotado por Trump, como tratar a sério de declarações desencontradas em relação à sua proposta de fusão do Ministério da Agricultura ou do Agronegócio, com o do Meio Ambiente, que ele mesmo teve de reconhecer que poderia trazer prejuízos comerciais aos setores produtivos a que visava beneficiar?
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Ou como levar a sério sua decisão de dificultar a participação de interesses chineses nos processos de privatização de estatais de importância estratégica para o país, como a Eletrobras, processo que tanto interessa ao seu guru na economia?
Nunca é demais lembrar que a formação de militar e de oficial do capitão da reserva, data de um período em que a ESG tinha como característica reconhecidamente dominante, um projeto de nacional desenvolvimentismo. Fundado em preservação de setores de interesse estratégico para o país sob controle do Estado.
Mas, se questionou a presença de interesses chineses em nosso país, comprando o país como deu a entender em entrevista logo após eleito, que processo de privatização para angariar recursos que ele planeja por em marcha, afastando justamente aqueles agentes que detêm a maior capacidade de liquidez no mundo?
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Não à toa, teve de voltar atrás em suas declarações, para admitir que o comércio com a China deverá ser ampliado, na reunião que manteve com representante do governo chinês.
Como teve que voltar atrás de sua declaração a respeito da intenção, completamente descabida, de transferir a embaixada brasileira em Israel, para Jerusalém.
Transferência que tem apenas dois intuitos: o de bajular o presidente norte-americano, Trump, e o de criar problemas de relações com um grande parceiro comercial: o mundo árabe.
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Em meio a tantas marchas e contramarchas, vemos que faz em um dia manifestações a favor da extinção de ministérios, sob a justificativa de visar enxugar a máquina pública, para no dia seguinte voltar atrás e decidir manter algumas pastas.
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E para mostrar que não se encontra sozinho, nessa quantidade de sandices que têm sido apresentadas, ainda vemos seu filho ameaçar tratorar o Congresso, principalmente os partidos de oposição, ou seu guru da economia afirmar que, para aprovar ainda agora algum mudança do sistema previdenciário, basta usar uma prensa em relação aos parlamentares.
Toda essa truculência e arrogância demonstrando tão somente o despreparo, ou o tipo de relação de força que deverá ser adotada pelos que o cercam, em relação aos temas que julgarem precisarem de alteração.
Situação tão esdrúxula que levou o próprio capitão, deputado federal de 28 anos de mandato, como afinal reconheceu ontem, a ter que por panos quentes nas declarações de sua equipe.
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Claro, o capitão sabe que não é com ameaças que irá conseguir impedir a oposição de cumprir seu papel de tentar obstruir votações da Casa Legislativa, como não é com declarações contrárias que impedirá que pautas bombas sejam pautadas e votadas.
Como aconteceu ontem, no Senado, em relação à aprovação vergonhosa e descabida do projeto de aumento dos vencimentos dos magistrados do Supremo, de mais de 16%, o que acarreta um aumento em cascata que trará um custo estimado de 6 bilhões de reais para o país.
Isso, aproveitando-se talvez de que o governo Temer declarou que o déficit esse ano pode ser menor que o previsto em 20 bilhões. Ou seja, dos 159 bilhões inicialmente previstos, ficar na casa de 139 bilhões.
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Enquanto os magistrados obtêm esse aumento pra lá de expressivo, o Congresso se vê às voltas com medidas destinadas a impedir que os acordos com o funcionalismo público, já transformados em lei, de aumentos escalonados em 4 anos, sejam cumpridos.
Por outro lado, o presidente do STF adota o ar de maior severidade e candura, para afirmar que, em contrapartida, irá propor a eliminação do auxílio moradia para os juízes, medida que trará economias de 700 milhões aos cofres públicos.
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A pergunta que não quer calar é porque generalizar o auxílio, sob a forma de um aumento para todos os magistrados, procuradores e etc. e não realizar um pente fino no auxílio, cortando aqueles que não precisam da concessão, por terem residência no próprio local em que trabalham.
Teríamos uma economia tanto em relação ao aumento, quanto em relação aos gastos com esse penduricalho, que se generalizou entre os juízes, apenas por uma interpretação da legislação muito elástica, feita, óbvio, pelos próprios interessados e beneficiários.
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Em meio a tantas idas e vindas, desencontros de formação de equipe e de planos iniciais de governo, resta deixar claro que em uma declaração o capitão não voltou atrás. Desde o início da corrida eleitoral, divulgou, insistentemente, que iria dar a oficiais das Forças Armadas, um número elevado nos cargos de titulares nos Ministérios.
De fato, parece que essa promessa está vem sendo cumprida, com a militarização de nossas instituições, que pode, em algum instante, abafar a força e criatividade e os desejos e anseios da sociedade civil.
Tal situação é preocupante, do meu ponto de vista, já que sou francamente contrário à tutela militar sobre a sociedade civil sob qualquer que seja a forma que essa tutela venha a se configurar: autoritária e ditatorial ou dissimulada.
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Finalmente, em se tratando de Ministérios e juízes, não poderia passar despercebida a entrevista do indicado para ocupar o superministério da Justiça, o político togado, Sérgio Moro.
E antes de qualquer comentário, devo lembrar e registrar uma frase que ouvi dita, nesses últimos dias:
nunca é prudente dar emprego a quem você não terá condições de demitir depois.
Pois bem, ao indicar Moro para ocupar a pasta da super Justiça, o que o capitão fez foi angariar mais apoio e mais aplausos de tantos quanto acreditaram, até por ingenuidade, que o capitão seria o super-herói do combate contra o mar de lama da corrupção em nosso país. Logo ele, o capitão que foi por mais de vinte anos, correligionário do PP, o partido com maior incidência de casos de corrupção entre todos os já levantados.
Mas, se os eleitores e cidadãos que precisam de um pai para resolver seus problemas, se os que precisam de um mito para explicar os fenômenos que sua indigência não consegue compreender, se os que precisam de um salvador para guiar o rebanho de forma disciplinada se sentiram plenamente atendidos em suas demandas, com a indicação do juiz, a verdade é que Moro também já começa a se mostrar uma falácia.
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Afinal, foi ele que primeiro afirmou que nunca iria ocupar cargo político, ou entrar no mundo da política. Para agora, tentar se justificar com o argumento pueril de que irá ocupar um cargo que, em sua opinião é meramente técnico.
Envergonhado, reconhece contudo, que o cargo tem grande dose de caráter político.
Depois foi o próprio juiz que se desmentiu durante todo o tempo em que esteve sob a luz dos holofotes, ao afirmar sua imparcialidade em relação aos julgamentos de Lula e outros, enquanto frequentava festas, solenidades, encontros, com políticos investigados e sob suspeitas fortíssimas de participação em esquemas de corrupção.
Nessas situações, alegava manter contatos de amizade ou apenas convívio social com os seus parceiros de comemorações.
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Também foi dele a afirmação de que o crime de Caixa 2 era, de todos, o pior, em relação à questão da corrupção. O Caixa 2 tinha a capacidade de deturpar o jogo democrático.
Mas em relação ao seu ministro mor, poder-se-ia chamar de chefe, Onyx, que reconheceu e admitiu ter recebido e se utilizado de recursos de Caixa 2, foi extremamente compreensivo.
Afinal, seu colega de ministério não apenas reconheceu, admitiu o crime, como se desculpou.
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O que mostra a régua diferenciada de Moro para tratar de questões que estavam sob seu juízo.
Ou que Lula é um imbecil, por não ter se desculpado.
E olhe que há ainda algum questionamento a respeito do Caixa 2 de Lorenzoni, já que o político reconheceu ter recebido 100 mil. Enquanto a delação de seu financiador cita, no mínimo, 200 mil. Apenas o dobro.
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Esperar o que de Moro, em sua entrevista. Apenas, para não parecer ser um rebelde sem causa, a obviedade de afirmar que concorda, em tese, de forma genérica, com tudo que o seu mestre mandar.
Para não perder a oportunidade e os holofotes que o super-cargo lhe confere, preferiu mostrar parte de sua sabujice.
Assim, concorda com a redução da maioridade penal, para certos crimes. Não discorda de, em tese, o direito de porte de arma por parte da população. Admite a legítima defesa do policial em combate, como se alguém não admitisse o instituto da legítima defesa, pelo recurso de uso de meios de igual força e periculosidade aos utilizados pelo agressor.
E em meio a tantas obviedades, ficamos sabendo que Moro vai obedecer ao capitão. Simples assim, E vai insistir na remessa ao Congresso de pacote de medidas anticorrupção que, quando anunciado, causou muita discussão tendo em vista a quantidade de inconstitucionalidades nele embutidas.
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É isso.
Um comentário:
As indas e vindas do "futuro do pretérito" governante não demonstra somente inconsistência. No fundo reflete toda a sua empáfia, afinal não tem compromisso com a realidade, mas com a conveniência das bravatas. A questão é até quando as instituições irão aturar este tipo de coisa, em especial os seus eleitores e apoiadores.
Estes conseguiam não só justificar, mas defender ardentemente, todas as "falas" do ex-capitão, por mais levianas e superficiais que fossem.
No campo da comunicação a persuasão é fundamental para fazer com que o indivíduo se comporte da maneira com que o emissor gostaria. Para tanto é necessário desenvolver e aguçar o desejo e a expectativa do indivíduo a fim de que ele acredite e compre aquele produto. Seguindo esta lógica, o ex-capitão foi eleito com muitas expectativas. Penso que elas serão frustadas com o passar do tempo. As últimas falas (relações comerciais, trabalhistas), bem como com as propostas (essencialmente desconhecidas pela população) econômicas, algumas objeto de crítica por não menos que CNI, revelam que há algum tremor em curso no "futuro do pretérito".
A frustração pode levar a grande resistência da população, lembrando que a maioria dela não votou neste projeto de governo. No entanto pode estimular a maior truculência, como subliminarmente sugere o primeiro escalão até aqui nomeado, bem como a retaliação a órgãos de imprensa mais críticos.
Isso sem falar no fundamentalismo cristão que pode se tornar o porta voz oficioso...
Fernando Moreira
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