quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Bolsonaro e a criação de um campo de segregação na Amazônia

"Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la".
As frases que expressam verdades absolutas, irrefutáveis, universais, caracterizam-se por uma dificuldade notável: adotadas por empréstimos nos discursos de várias personalidades, dificultam a referência ao seu autor original, passando a ter sua autoria atribuída a esses outros autores.
Como não poderia deixar de ser, também a afirmação que serve de abertura ao pitaco de hoje, incorre dessa dificuldade, tendo sido atribuída a autores tão distintos como Marx, Che Guevara, Edmund Burke, e até mesmo ao filósofo espanhol, Jorge Agustin Nicolás Ruiz de Santayana y Borrás, que usava o pseudônimo de George Santayana.
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Para não cometer qualquer equívoco, uso-a sem a devida citação autoral, para tratar do governo do militar Eurico Gaspar Dutra, presidente de nosso país de 1946 a 1951, período que coincide com o início da Guerra Fria.
Por essa razão, do ponto de vista de suas relações externas, o governo Dutra foi forçado a escolher um lado a quem se alinhar, rompendo com a União Soviética e adotando medidas de franca aproximação com os Estados Unidos. (Apenas para não perder a oportunidade, a ruptura com a União Soviética teve como um de seus desdobramentos, o cancelamento do registro do Partido Comunista do Brasil e a cassação de seus representantes, em 1947).
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Do ponto de vista da sociedade e da economia, em seus primeiros anos e sob forte influência americana, houve a adoção de um conjunto de políticas e de medidas de cunho liberal.
Dentre tais medidas destaco, em primeiro lugar, a interferência nos direitos trabalhistas, com alterações em pontos consagrados da CLT, como o que regulava do direito de greves.
Assim,  criaram-se as Limitações do Direito de Greve, restringindo o número de setores que permaneciam com esse direito.
A perda de direitos deu origem a manifestações e à decretação de algumas greves por parte dos trabalhadores afetados, que deram origem a violenta repressão, fechamento de sindicatos e várias prisões de lideranças.
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Do ponto de vista do setor externo, a postura francamente favorável à política americana levou à promoção de uma abertura para o mercado estrangeiro que, ao tempo em que estimulava e adotava medidas de atração ao capital externo, promoveu a liberalização do comércio, com destaque para a importação de produtos americanos.
Os incentivos à instalação de empresas estrangeiras em nosso país, somados à manutenção de um câmbio fixo, e ao grande interesse despertado por um mercado consumidor com o potencial do brasileiro, levou a que se desse uma grande elevação das importações, gerando desaceleração da indústria nacional, profundo desequilíbrio da balança comercial, e rápida elevação da dívida externa do país.
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Um esclarecimento se faz necessário: no período de guerra, a destruição da indústria dos maiores países produtores de bens manufaturados acabou impedindo a manutenção do ritmo e nível de nossas importações.
Embora também as exportações de nossos produtos se tornassem menores, o fato de sermos país exportador de produtos primários, como minérios, algodão, alimentos, acabaram por nos beneficiar: a desaceleração das vendas foi menor que a das importações, permitindo o acúmulo das reservas já referido.
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No entanto, em pouco tempo de exposição à sanha dos produtores e comerciantes estrangeiros, além do desequilíbrio nas contas externas, do endividamento externo causado, houve um completo esvaziamento das reservas internacionais do país.
Situação que obrigou Dutra a dar uma guinada em sua política rompendo com a política liberal nos anos finais de seu mandato.
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Ou seja: o experimento liberal que o país conheceu em meados do século XX terminou com a inflexão da situação externa, saindo de uma posição confortável para uma situação de ampliação de nossa dependência externa.
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Se acreditava que contaria com financiamento oficial do governo americano para compensar sua situação devedora, também nesse aspecto o governo Dutra se frustrou, já que o Brasil não era um dos países de interesse para os Estados Unidos, cada vez mais às voltas com a Guerra Fria.
A esse respeito, vide o excelente artigo de introdução de Demóstenes Madureira Pinho Neto, no livro publicado pelo BNDES, em comemoração aos 50 Anos do Plano de Metas.
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Mais experimentos liberais em 60

Com o golpe da tomada do Estado em 1964, que contou com o apoio explícito de Dutra, assumiram a responsabilidade da área econômica do governo da ditadura militar implantada Gouveia de Bulhões (Fazenda) e Roberto Campos (Planejamento), dispostos a adotarem políticas de cunho liberal, sob a alegação de promoverem um saneamento da economia brasileira e promover um combate vigoroso contra a aceleração inflacionária.
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Várias medidas de realismo de mercado, juros em elevação, saneamento de empresas, sobrevivência dos mais aptos, etc. foram adotadas, culminando em dois anos de verdadeira eliminação de empresas e indústrias nacionais, geração de desemprego, recessão e níveis elevados de ociosidade da indústria.
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Do ponto de vista das políticas ligadas ao trabalho e ao trabalhador, promoveu-se um verdadeiro arrocho do salário mínimo, medidas de proibição do direito de greves, perseguição e fechamento de sindicatos, além de prisão, tortura, e mortes, de alguns dos líderes populares.
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Agora Bolsonaro

Não à toa, Bolsonaro gaba-se de sua formação militar, ele que foi convidado a sair do Exército.
Não à toa, vimos, novamente, seu projeto econômico, entregue ao Posto Ipiranga que atende pelo nome de Paulo Guedes, tomar feição ainda mais liberal.
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Não à toa, direitos trabalhistas são flexibilizados, aprofundando processo iniciado pelo governo golpista de Temer. A precarização das relações contratuais de trabalho é a única explicação razoável por um arremedo de recuperação econômica que, por mais que gritada em prosa e verso nas midias do país, não consegue nem empolgar, nem se mostrar efetiva.
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Assim, o desemprego cai, é verdade, mas ainda encontra-se na casa de 11 milhões de desempregados. Enquanto isso, o IBGE salienta que o número de trabalhadores informais é recorde, idem o número de desalentados.
Se o número de trabalhadores ocupados dá sinais de expansão, e as vendas apresentam indícios de crescimento, ao contrário do que as Pollyanas divulgam e querem nos convencer, a razão é tão somente o refresco da liberação dos recursos do FGTS para os seus proprietários.
Sobe o consumo, em números bem mais modestos do que os divulgados pelas associações de lojistas de shoppings, aumenta o endividamento das famílias, e todos nos contentamos com uma medida que sacrifica cada vez mais o futuro dos trabalhadores, em prol do presente que claudica.
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Por força do nível de trabalhadores informais, a arrecadação da Previdência cai. O país vê o rombo da Previdência cada vez mais elevado, apesar da realização de reformas que apenas penalizam o trabalhador no futuro. Especialmente, privando-o do direito de se aposentar em condições dignas.
Temos, assim, instalado, um ciclo vicioso: a arrecadação da Previdência cai, os gastos se elevam, o rombo aumenta, e isso realimenta o discurso de que a previdência pública faliu.
Como salvação: a previdência privada, para contentar os interesses liberais dos amigos financistas, colegas de Guedes.
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No front externo, declarações de abertura total dos fluxos comerciais ou financeiros de nosso país com o exterior, o que deverá acarretar apenas a quebra ainda mais acelerada de nossa indústria, já obsoleta, sem competitividade e sem apoio para sua recuperação.
Não por acaso, Skaf adota o comportamento de sabujo, tão à propósito dos interesses econômicos de categorias que estão vendo seu poder e prestígio serem cada vez mais solapados.
Enquanto os interesses de capitais rurais, agrários, ou especulativos financeiros são contemplados.
Claro: é tudo apenas a marcha da verdadeira concorrência capitalista: não a concorrência de produtos ou firmas de uma mesma indústria ou setor, mas o embate entre as facções de capitais, o financeiro contra o industrial, contra o comercial, etc.
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Há, no entanto, os que acreditam nas mensagens otimistas dos meios de comunicação e do governo, e que se preparam para se tornarem empreendedores, micro empresários, etc.
Não percebem que esse empreendedorismo de araque nada mais revela que a transformação da mão de obra assalariada em sem salários, mas com a manutenção de todos os riscos, ônus e encargos sociais, de que os patrões desejam se livrar.
Não percebem que, apenas terão êxito, se algum, enquanto agirem como os lacaios serviçais do grande capital hegemônico: os magnatas do capital financeiro, sem pátria.
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Nesse meio tempo, os juros baixam, seguindo movimento adotado pela política monetária de todos os principais países do mundo, o capital deixa o país em busca de refúgios mais sólidos e garantidos, o dólar explode seu preço e o governo de Guedes queima nossas reservas, tão duramente reunidas pelos governos anteriores.
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Nossa balança de comércio apresenta o maior déficit para janeiro desde há muitos anos; a conta de transações correntes atinge mais de 50 bilhões de déficit, um recorde; o capital estrangeiro prefere sair que vir ao país.
E nossas reservas de mais de 370 bilhões de dólares vão sendo solapadas, aos poucos, em vendas diretas no mercado físico, para tentar conter a desvalorização de nosso real.
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Ah! sim. A inflação está sob controle e abaixo da meta. Os juros não precisam estar em patamares mais elevados.
Mas se a inflação encontra-se nos níveis atuais, uma das causas, senão a principal é a recessão, o desemprego, a precariedade de emprego e renda da população. Que leva o empresário a não querer investir, ele que já ostenta níveis elevados de ociosidade.
Enquanto isso, o governo não investe, não gasta e a economia patina.
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A política liberal não tem apoio da política mais geral, e desestimula a vinda de capitais dispostos a investirem em produção, movimento que já se nota também nos países mais desenvolvidos, onde a opção financeira é dominante em comparação com a produção real.
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Enquanto isso, agredimos nossos clientes estrangeiros, com o equívoco de adotarmos uma política que nos transforma em capachos da política de Trump e seus Estados Unidos.
Tratamos com desdém os interesses palestinos, chineses, de nossos vizinhos sul-americanos, isolando-nos cada vez mais do mundo.
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E isso, mesmo após várias vezes que Trump fez, prometeu e não cumpriu com nossas aspirações e desejos.
Ao final, se necessário, Guedes e Bolsonaro talvez esperem que recursos oficiais americanos nos tirem do fundo do poço.
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Mas, tudo se dá, enquanto ministros são indiciados, a Polícia os investiga, existe um combate seletivo à corrupção e ao comportamento aético.
O responsável por esse combate adota comportamento de avestruz, ele que é tão igualmente criminoso como muitos de seus colegas, no descumprimento de leis, normas, regras, etc.
A presença de Moro, sem dúvida, é parte da explicação de o ministério ter tantos ministros que não deveriam estar onde estão, como Damares, Weintraub, Ricardo Salles, Marcelo Álvaro Antônio e até de Regina Duarte.
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E assim, chegamos ao dia 400 desse desgoverno, com o presidente agindo cada vez mais próximo de atravessar a linha tênue que separa a brincadeira de mau gosto, ou a tentativa de ir tateando até onde vai a tolerância da sociedade a arroubos autoritários, do crime de responsabilidade: caso da fala que invade área de competência exclusiva dos governadores, o ICMS.
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Ou então, já e cada vez mais claro o já motivo para sua condenação por crime, agora mais grave: a manifestação da vontade de criar campo de segregação na Amazônia, para todos os ambientalistas do país.
Isso não é uma mera brincadeira ou declaração sem fundamento. Isso é crime. Grave.

3 comentários:

Daniel Amorim disse...

Gostei da aula de História Economica Brasileira.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

O atual governo constrange o país desde a sua posse. guedes em Davos, demonstrou ignorar a importância de políticas ambientais para os investidores. jair solta a pérola “O índio está evoluindo e cada vez mais ele é um ser humano igual nós”...
Soros anunciou que investirá US$1 Bilhão em uma universidade cujo objetivo é combater enfrentar os desafios da mudança climática e combater governos autoritários.