sexta-feira, 25 de março de 2022

Reflexões sobre o ano de 1955 e a série de eventos e desdobramentos que se seguiram ao longo do tempo

Ter nascido no ano de 1955 sempre me pareceu um presságio de que minha vida seria embalada pela sorte, e rica de experiências e conquistas.

Esta expectativa tinha como base o fato de a data me permitir participar e , mesmo que de forma indireta e sem consciência plena, de capturar as sensações positivas criadas no ambiente, resultado de uma série de eventos extraordinários tanto para a história de nosso país, quanto para as mudanças e transformações experimentadas em todo o mundo, que afetaram toda a humanidade.

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No Brasil, a candidatura e eleição de Juscelino Kubistschek, com seu otimismo contagiante, e o apoio do general Lott, que permitiram que o país fosse invadido pelos ventos da democracia. Ali pudemos resgatar nosso amor próprio e descobrirmos o potencial de nosso povo na tentativa de superar seu atraso histórico.

Em seguida, a implantação do Plano de Metas, os 50 anos em 5, a construção de Brasília, em paralelo às conquistas na esfera esportiva, como a Copa do Mundo de futebol na Suécia, ou a vitória de Maria Esther Bueno em Wimbledon, as conquistas do Basquete bicampeão de Wlamir, Amaury, Kanela, e a repetição da conquista da seleção canarinha de Garrincha.

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No mundo, o lançamento do Sputnik, o passeio de Laika, a descoberta de Gagarin, de que a terra era azul, e os movimentos de libertação das colônias europeias instauradas na África  traziam a esperança de um mundo melhor e mais desenvolvido.

No Vaticano, o Papa Sorriso, João XXIII, dava início a uma mudança radical, quase uma revolução, voltada para a aproximação da toda poderosa Igreja Católica, de seus fiéis. Visando simplificar os rituais, entre outras mudanças, os padres passaram a dirigir as celebrações litúrgicas postados de frente para a assembleia, enquanto o latim era substituído pela língua de cada localidade.

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Mas, da mesma forma que a moeda, também a vida pode ser caracterizada por duas faces. Lamentavelmente o ano de 1955 é também o ano de nascimento do governante nefasto que hoje devasta o país, a partir da lógica de  um projeto de destruição das instituições e de nossas liberdades democráticas.

Da mesma forma, o mundo assistia à construção do muro de Berlim, à divisão em dois mundos antagônicos, à crise dos mísseis de Cuba e, nos países do América do Sul à derrocada dos governos democráticos, vítimas de golpes sempre estimulados por interesses dos Estados Unidos.

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Em nosso país, a partir de 64 passamos a vivenciar anos de chumbo, de ditadura, autoritarismo e tortura. Período caracterizado pela adoção de políticas direcionadas aos interesses de uma minoria privilegiada, responsáveis por patrocinarem uma concentração de riquezas, benefícios e rendas em favor das várias facçoes do capital.

Nesse período, até 1985, a Academia Militar era o local para onde se dirigiam rapazes candidatos a aspirantes à carreira militar e ao oficialato, submetidos a lições distorcidas que reivindicavam um suposto papel moderador e de bastião do equilíbrio, da ordem e da segurança como condição necessária para se alcançar o progresso.

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Pela cartilha das Forças Armadas, cuja finalidade era justificar o papel de lider do processo de desenvolvimento que usurparam à sociedade civil, não havia espaço para a discussão de ideias voltadas ao desenvolvimento inclusivo, que permitissem a manifestação e o reconhecimento de interesses divergentes e a necessidade de soluções socialmente negociadas, de forma a se chegar à criação e manutenção de uma sociedade harmônica e democrática.

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Fazem parte de minhas lembranças de estudante do ensino fundamental e médio, algumas ideias que tentavam nos inculcar, ou nos impingir pela persuasão ou pela simples repetição mecânica, monocórdica, cuja origem e principais defensores se encontravam nas instalações dos quarteis militares.

Do pacote de narrativas, fazia parte a necessidade de se expandir a taxa de natalidade para que pudéssemos povoar o vazio da região Amazônica.

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Era a época em que a fantasia de uma cobiça internacional pela Amazônia e suas riquezas, então predominantemente ligadas à riqueza florestal era difundida, gerando campanhas publicitárias voltadas para a defesa da integridade de nosso território, em sempre embaladas por uma tom de patriotismo exacerbado.

Ocasião em que a cobiça por nossas riquezas era comprovada a partir da análise dos livros de geografia adotados em escolas americanas,  onde a Amazônia era solenemente ignorada. Sinal evidente de que os americanos consideravam aquela área como de domínio internacional.

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Período em que as indústrias poluentes, então chamadas de indústrias sujas, começavam a ser convidadas para encerrarem suas atividades  e se retirarem dos países do hemisfério Norte, em especial dos países nórdicos, inclusive Suíça.

No desespero de se legitimarem no poder, amparados por um processo de desenvolvimento industrial a qualquer custo, guiados pelos objetivos de crescimento da produção e da geração de empregos, os militares nos postos chaves do governo se alvoroçaram em convidar ou atraírem estas indústrias ou atraírem com um leque de incentivos fiscais.

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Tempos de ingenuidade, que ditavam as decisões de movimentos repletos das mais nobres intenções e com forte apelo nas classes estudantis e nas fileiras operárias, de reação em prol da restauração da democracia e da implantação de uma futura sociedade isenta da divisão de classes.

Movimentos que se decidiram pela luta armada, sob a forma da luta de guerrilha urbana e guerrilha rural, sem considerarem as condições objetivas capazes de sustentarem a mudança social com que sonhavam ou mesmo avaliarem de forma rigorosa o tipo de apoio com que contavam junto aos potenciais beneficiários de suas conquistas.

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Momento da guerrilha do Araguaia, em que se somavam as justificativas tanto para o desenvolvimento de ações militares de rara selvageria e covardia, quanto de ataques à riqueza florestal,  cortada pela construção de uma rodovia que ao lado do progresso, conduziria também a população para a exploração de áreas virgens, onde se erguiriam assentamentos destinados a preencher o vazio populacional.

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O golpe de 64 caiu de podre, sem apoio da classes médias urbanas ou das classes empresariais que financiaram seus primeiros movimentos.

A sociedade civil voltou a assumir a posição de liderança do desenvolvimento de nosso país.

Os militares desmoralizados e sob acusações de desvios e corrupção, embora não generalizados, se retiraram de volta aos quarteis, sem aceitarem o fato de terem sido relegados à lata de lixo da história. 

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Mais tarde, a abertura e a investigação de abusos e desrespeitos aos direitos humanos, implicou na condenação apenas moral de seus autores, que escaparam impunes de seus crimes, em razão da aprovação de uma lei de anistia por eles imposta à sociedade. Ainda assim a simples investigação da tortura gerou ostensivas reações corporativas dos militares.  

Na Igreja, escândalos relacionados a abusos sexuais, há muitos anos denunciados e ignorados, acabaram sendo objeto de veementes condenações, em especial, pelo Papa Francisco, condutor de outra série de transformações importantes para permitir à Igreja retornar à missão que o Cristo lhe confiou.

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Estes são alguns elementos e fatos que justificam a razão de meu entendimento em relação à visão mantida pelos militares de mesma geração do chefe do Executivo, que admito antecipadamente poder estar totalmente equivocado.

Desse entendimento, faz parte meu reconhecimento quanto à extraordinária ocasião que a eleição do ex-capitão terrorista lhes proporcionou, para retornarem ao poder de onde haviam sido enxotados.

Identificada esta janela de oportunidade, esses militares estabeleceram uma estratégia que lhes permitisse a ocupação gradual e subreptícia de espaços de poder, refletida na posse das posições-chaves da máquina do governo, de forma a aplacar seu ressentimento.  

Neste cenário, sua meta é a ocupação do poder sem intermediários, como forma de resgatar o papel de liderança e guia do país e do povo,  que julgam ser sua responsabilidade e missão.

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Daí, a escolha de Braga Netto para companheiro de chapa na disputa pela reeleição do ex-capitão, do ponto de vista dos oficiais, merece ser analisada com mais cuidado. Tal posição pode estar inserida em uma estratégia para suceder ou até derrubar, quando e se for conveniente, o presidente eleito.

Importante lembrar que tal golpe contaria com apoio de grupos não diminutos de nossa população, tanto aqueles que clamam pela volta dos militares, quanto a parcela que compõe a direita mais civilizada e, hoje, profundamente envergonhada .

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Meu palpite é que até que o momento da re-tomada de poder se apresente, Braga Netto e seus colegas de farda continuam compartilhando as mesmas ideias, equivocadas,  paranoicas e anacrônicas em relação à cobiça despertada nos estrangeiros pelas riquezas de nossa antiga Hiléia amazônica.

Assim, os militares nem me parecem confiáveis no sentido da manutenção de nosso Estado de Direito, nem sua atuação é baseada em argumentos minimamente aceitáveis em relação ao uso dos recursos e riquezas que são propriedade de toda a sociedade.

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A candidatura de Lula e o respeito ao resultado das urnas, especialmente das urnas digitais, já sob questionamentos dissimulados por parte de integrantes das próprias Forças Armadas, encontra-se em risco, em minha opinião.

Pior é o fato de o próprio Tribunal Superior Eleitoral, de forma ingênua,  ter convidado as Forças Armadas para virem certificar e assegurar a lisura do processo e do funcionamento das urnas. Com essa atitude, o TSE atribui poder exacerbado a um grupo cuja posição não é digna de confiança.

Por isso, a sociedade civil deve estar atenta e pronta para reagir, se necessário, visando impedir um novo golpe sob a forma de uma nova quartelada.

2 comentários:

Paulo Bretas disse...

Muito bom Paulo Feitosa>. Quase um Brasil passado a limpo. Um abraço

Anônimo disse...

Década de 1960... deve ter sido radiante ter 20 anos naquela ocasião. O mundo fervilhando de manifestações anti-sistema: Primavera de Praga; o movimento de Maio de 1968 em Paris; A contra cultura arrastando multidões; a chegada da primeira pílula anticoncepcional (libertando a sexualidade feminina); A Revolução Cubana; A passeata dos 100 mil; Beatles; Stones; Dylan; Vandré; Chico; Caetano; Gil; Milton; Sidney Miller; Glauber; surgimento da Teologia da Libertação... Não se trata de nostalgia, até porque eu era criança naquela década, mas de não compreender como tudo isso foi tragado e abduzido pelo sistema, a ponto de não deixar herdeiros... é sufocante constatar a força avassaladora do capitalismo, com suas ditaduras militares, consumistas e de espetáculo.
Fernando Moreira