Ter nascido no ano de 1955 sempre me pareceu um presságio de
que minha vida seria embalada pela sorte, e rica de experiências e conquistas.
Esta expectativa tinha como base o fato de a data me permitir
participar e , mesmo que de forma indireta e sem consciência plena, de capturar
as sensações positivas criadas no ambiente, resultado de uma série de eventos
extraordinários tanto para a história de nosso país, quanto para as mudanças e
transformações experimentadas em todo o mundo, que afetaram toda a humanidade.
***
No Brasil, a candidatura e eleição de Juscelino Kubistschek,
com seu otimismo contagiante, e o apoio do general Lott, que permitiram que o
país fosse invadido pelos ventos da democracia. Ali pudemos resgatar nosso amor
próprio e descobrirmos o potencial de nosso povo na tentativa de superar seu
atraso histórico.
Em seguida, a implantação do Plano de Metas, os 50 anos em
5, a construção de Brasília, em paralelo às conquistas na esfera esportiva,
como a Copa do Mundo de futebol na Suécia, ou a vitória de Maria Esther Bueno em
Wimbledon, as conquistas do Basquete bicampeão de Wlamir, Amaury, Kanela, e a
repetição da conquista da seleção canarinha de Garrincha.
***
No mundo, o lançamento do Sputnik, o passeio de Laika, a
descoberta de Gagarin, de que a terra era azul, e os movimentos de libertação
das colônias europeias instauradas na África traziam a esperança de um mundo melhor e mais
desenvolvido.
No Vaticano, o Papa Sorriso, João XXIII, dava início a uma
mudança radical, quase uma revolução, voltada para a aproximação da toda
poderosa Igreja Católica, de seus fiéis. Visando simplificar os rituais, entre
outras mudanças, os padres passaram a dirigir as celebrações litúrgicas postados
de frente para a assembleia, enquanto o latim era substituído pela língua de
cada localidade.
***
Mas, da mesma forma que a moeda, também a vida pode ser caracterizada
por duas faces. Lamentavelmente o ano de 1955 é também o ano de nascimento do
governante nefasto que hoje devasta o país, a partir da lógica de um projeto de destruição das instituições e
de nossas liberdades democráticas.
Da mesma forma, o mundo assistia à construção do muro de
Berlim, à divisão em dois mundos antagônicos, à crise dos mísseis de Cuba e,
nos países do América do Sul à derrocada dos governos democráticos, vítimas de
golpes sempre estimulados por interesses dos Estados Unidos.
***
Em nosso país, a partir de 64 passamos a vivenciar anos de
chumbo, de ditadura, autoritarismo e tortura. Período caracterizado pela adoção
de políticas direcionadas aos interesses de uma minoria privilegiada, responsáveis
por patrocinarem uma concentração de riquezas, benefícios e rendas em favor das
várias facçoes do capital.
Nesse período, até 1985, a Academia Militar era o local para
onde se dirigiam rapazes candidatos a aspirantes à carreira militar e ao
oficialato, submetidos a lições distorcidas que reivindicavam um suposto papel
moderador e de bastião do equilíbrio, da ordem e da segurança como condição
necessária para se alcançar o progresso.
***
Pela cartilha das Forças Armadas, cuja finalidade era
justificar o papel de lider do processo de desenvolvimento que usurparam à
sociedade civil, não havia espaço para a discussão de ideias voltadas ao
desenvolvimento inclusivo, que permitissem a manifestação e o reconhecimento de
interesses divergentes e a necessidade de soluções socialmente negociadas, de
forma a se chegar à criação e manutenção de uma sociedade harmônica e
democrática.
***
Fazem parte de minhas lembranças de estudante do ensino
fundamental e médio, algumas ideias que tentavam nos inculcar, ou nos impingir
pela persuasão ou pela simples repetição mecânica, monocórdica, cuja origem e
principais defensores se encontravam nas instalações dos quarteis militares.
Do pacote de narrativas, fazia parte a necessidade de se
expandir a taxa de natalidade para que pudéssemos povoar o vazio da região
Amazônica.
***
Era a época em que a fantasia de uma cobiça internacional
pela Amazônia e suas riquezas, então predominantemente ligadas à riqueza
florestal era difundida, gerando campanhas publicitárias voltadas para a defesa
da integridade de nosso território, em sempre embaladas por uma tom de
patriotismo exacerbado.
Ocasião em que a cobiça por nossas riquezas era comprovada a
partir da análise dos livros de geografia adotados em escolas americanas, onde a Amazônia era solenemente ignorada.
Sinal evidente de que os americanos consideravam aquela área como de domínio
internacional.
***
Período em que as indústrias poluentes, então chamadas de indústrias
sujas, começavam a ser convidadas para encerrarem suas atividades e se retirarem dos países do hemisfério
Norte, em especial dos países nórdicos, inclusive Suíça.
No desespero de se legitimarem no poder, amparados por um processo
de desenvolvimento industrial a qualquer custo, guiados pelos objetivos de crescimento
da produção e da geração de empregos, os militares nos postos chaves do governo
se alvoroçaram em convidar ou atraírem estas indústrias ou atraírem com um
leque de incentivos fiscais.
***
Tempos de ingenuidade, que ditavam as decisões de movimentos
repletos das mais nobres intenções e com forte apelo nas classes estudantis e
nas fileiras operárias, de reação em prol da restauração da democracia e da
implantação de uma futura sociedade isenta da divisão de classes.
Movimentos que se decidiram pela luta armada, sob a forma da
luta de guerrilha urbana e guerrilha rural, sem considerarem as condições
objetivas capazes de sustentarem a mudança social com que sonhavam ou mesmo
avaliarem de forma rigorosa o tipo de apoio com que contavam junto aos
potenciais beneficiários de suas conquistas.
***
Momento da guerrilha do Araguaia, em que se somavam as
justificativas tanto para o desenvolvimento de ações militares de rara
selvageria e covardia, quanto de ataques à riqueza florestal, cortada pela construção de uma rodovia que ao
lado do progresso, conduziria também a população para a exploração de áreas
virgens, onde se erguiriam assentamentos destinados a preencher o vazio
populacional.
***
O golpe de 64 caiu de podre, sem apoio da classes médias
urbanas ou das classes empresariais que financiaram seus primeiros movimentos.
A sociedade civil voltou a assumir a posição de liderança do
desenvolvimento de nosso país.
Os militares desmoralizados e sob acusações de desvios e
corrupção, embora não generalizados, se retiraram de volta aos quarteis, sem aceitarem
o fato de terem sido relegados à lata de lixo da história.
***
Mais tarde, a abertura e a investigação de abusos e desrespeitos
aos direitos humanos, implicou na condenação apenas moral de seus autores, que
escaparam impunes de seus crimes, em razão da aprovação de uma lei de anistia
por eles imposta à sociedade. Ainda assim a simples investigação da tortura gerou
ostensivas reações corporativas dos militares.
Na Igreja, escândalos relacionados a abusos sexuais, há
muitos anos denunciados e ignorados, acabaram sendo objeto de veementes condenações,
em especial, pelo Papa Francisco, condutor de outra série de transformações
importantes para permitir à Igreja retornar à missão que o Cristo lhe confiou.
***
Estes são alguns elementos e fatos que justificam a razão de
meu entendimento em relação à visão mantida pelos militares de mesma geração do
chefe do Executivo, que admito antecipadamente poder estar totalmente
equivocado.
Desse entendimento, faz parte meu reconhecimento quanto à extraordinária
ocasião que a eleição do ex-capitão terrorista lhes proporcionou, para retornarem
ao poder de onde haviam sido enxotados.
Identificada esta janela de oportunidade, esses militares estabeleceram
uma estratégia que lhes permitisse a ocupação gradual e subreptícia de espaços
de poder, refletida na posse das posições-chaves da máquina do governo, de
forma a aplacar seu ressentimento.
Neste cenário, sua meta é a ocupação do poder sem
intermediários, como forma de resgatar o papel de liderança e guia do país e do
povo, que julgam ser sua
responsabilidade e missão.
***
Daí, a escolha de Braga Netto para companheiro de chapa na
disputa pela reeleição do ex-capitão, do ponto de vista dos oficiais, merece
ser analisada com mais cuidado. Tal posição pode estar inserida em uma
estratégia para suceder ou até derrubar, quando e se for conveniente, o
presidente eleito.
Importante lembrar que tal golpe contaria com apoio de
grupos não diminutos de nossa população, tanto aqueles que clamam pela volta
dos militares, quanto a parcela que compõe a direita mais civilizada e, hoje,
profundamente envergonhada .
***
Meu palpite é que até que o momento da re-tomada de poder se
apresente, Braga Netto e seus colegas de farda continuam compartilhando as mesmas
ideias, equivocadas, paranoicas e
anacrônicas em relação à cobiça despertada nos estrangeiros pelas riquezas de
nossa antiga Hiléia amazônica.
Assim, os militares nem me parecem confiáveis no sentido da
manutenção de nosso Estado de Direito, nem sua atuação é baseada em argumentos
minimamente aceitáveis em relação ao uso dos recursos e riquezas que são
propriedade de toda a sociedade.
***
A candidatura de Lula e o respeito ao resultado das urnas,
especialmente das urnas digitais, já sob questionamentos dissimulados por parte
de integrantes das próprias Forças Armadas, encontra-se em risco, em minha
opinião.
Pior é o fato de o próprio Tribunal Superior Eleitoral, de
forma ingênua, ter convidado as Forças
Armadas para virem certificar e assegurar a lisura do processo e do funcionamento
das urnas. Com essa atitude, o TSE atribui poder exacerbado a um grupo cuja
posição não é digna de confiança.
Por isso, a sociedade civil deve estar atenta e pronta para
reagir, se necessário, visando impedir um novo golpe sob a forma de uma nova
quartelada.
2 comentários:
Muito bom Paulo Feitosa>. Quase um Brasil passado a limpo. Um abraço
Década de 1960... deve ter sido radiante ter 20 anos naquela ocasião. O mundo fervilhando de manifestações anti-sistema: Primavera de Praga; o movimento de Maio de 1968 em Paris; A contra cultura arrastando multidões; a chegada da primeira pílula anticoncepcional (libertando a sexualidade feminina); A Revolução Cubana; A passeata dos 100 mil; Beatles; Stones; Dylan; Vandré; Chico; Caetano; Gil; Milton; Sidney Miller; Glauber; surgimento da Teologia da Libertação... Não se trata de nostalgia, até porque eu era criança naquela década, mas de não compreender como tudo isso foi tragado e abduzido pelo sistema, a ponto de não deixar herdeiros... é sufocante constatar a força avassaladora do capitalismo, com suas ditaduras militares, consumistas e de espetáculo.
Fernando Moreira
Postar um comentário