Em meu último pitaco, prometi voltar a tratar da invasão da Ucrânia patrocinada pela Rússia. Já naquela oportunidade, acreditava que, para impedir o avanço ameaçador da OTAN, leia-se Estados Unidos, sobre todos os vizinhos territoriais da Rússia, a opção de um Putin acuado, foi virar o jogo: partir para o ataque.
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Assim, entendia que o exército
russo iria contar com facilidades em seu avanço por territórios das repúblicas
independentes da região de Donbass, permitindo cumprir a estratégia inicial da
campanha militar, de proteger a população pró-russa ali instalada, que vinha
sendo vítima de severos ataques de forças ucranianas. Não necessariamente ataques
de responsabilidade das forças do Exército legal ucraniano, mas de milícias de
forte viés nazifascista, instaladas no mar de Azov.
Importante recordar que, conforme
o discurso de Putin, uma intenção da
campanha militar no território vizinho era desnazificar aquele país.
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A partir de Donetsk e
Luhasnk, acreditava eu que o exército russo aproveitaria a oportunidade para
empreender uma campanha rápida de
conquista de cidades de significativa importância econômica e geopolítica, como
Odessa, o que facilitaria o acesso russo
ao Mar Negro e Mariupol, que propiciava o estabelecimento de uma ligação terrestre com a Crimeia, sob controle russo
desde 2014.
Claro, a conquista de Kiev
seria um trunfo importante de negociação para Putin, da mesma forma que o
controle sobre as usinas nucleares de Chernobyl e Zaporizhia, por sua
capacidade de geração de energia atômica.
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Talvez por ingenuidade de
minha parte, não acreditava no desejo atribuído a Putin de conquistar um território
apenas em razão de sua população ser descendente do mesmo Estado Rus, origem de
russos e bielorussos, mesmo depois de sua afirmação de que a “Ucrânia nunca
teve tradições próprias de Estado”.
Tampouco, acreditava que
Putin era movido pelo interesse em dominar os recursos naturais que fazem da
Ucrânia um dos países mais ricos de toda a região.
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Fora alguma ingenuidade e
desconhecimento, que raciocínio embasava meu pensamento?
Primeiro, e principal
motivo, a necessidade de reagir a um suposto estrangulamento promovido à Rússia
pelos Estados Unidos, antes que já não houvesse qualquer capacidade de reação
possível no futuro.
Além disso, o fato de que,
fora a região mais oriental, de fortes influências russas desde sempre, o
território ucraniano sempre foi ocupado por uma série de povos e impérios de distintas
origens, o que lhes dá certa indiferença à Rússia.
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Piora o quadro, o fato de
parte da população ucraniana, residente na região mais ocidental do país, ter
maior identificação ou maior atração pela perspectiva (talvez enganosa) de um padrão
de vida europeu.
Sem nos esquecer de algum
tipo de repúdio a qualquer tipo de retorno ao jugo a que se sentiram
submetidos, quando integrantes da União Soviética.
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Caso a Rússia de Putin
quisesse de fato atacar, conquistar e manter o domínio sobre a Ucrânia, todos
esses fatores levariam a um problema incontornável para um país detentor de
imenso poder bélico, atômico, mas de economia de médio porte e bastante fragilizada.
Em minha opinião, além do
gasto militar inerente ao ataque – que se amplia a cada dia a mais de combates
em território ucraniano – as despesas com manutenção de tropas aquarteladas por
longa duração em território derrotado seriam muito elevadas.
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Isso, sem considerar os
problemas de perdas humanas na invasão, e posterior desgaste com a manutenção
de combatentes fora de seu país, distante de seus familiares e amigos, fora de
seu ambiente e sujeitos a potenciais ataques terroristas ou de forças de
guerrilha. Estas, fortalecidas pelas tropas de milicianos ultrarradicais de
direita.
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Invadir a Ucrânia como
trunfo para a negociação, fazendo exigências como a do compromisso de não alinhamento
à Otan, ou de condenação e combate às milícias nazistas, mantida a
independência das repúblicas pró-russas, seria uma opção mais viável do ponto de
vista humano e econômico.
Nesse meio tempo, negociar
com os países adversários visando um abrandamento das sanções impostas à Rússia
e aos seus principais empresários, seria outro importante ponto a considerar.
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Uma alternativa menos aceitável,
mas tolerável seria a inclusão da Ucrânia no pacto do Atlântico Norte, com o
compromisso expresso de não instalação de qualquer base militar ou armamento naquele
território. Dessa forma, a Ucrânia e seu povo iriam aproveitar-se apenas de
algum benefício econômico de pertencer àquela comunidade.
Encarada como uma “punição”,
embora de menor peso, a Rússia ainda se comprometeria a devolver a capital Kiev
e outras cidades conquistadas ao povo ucraniano e a respeitar a vontade do povo
expressa na eleição de um novo governo, admitida a possibilidade de Zelensky concorrer
a novo mandato.
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Finalmente, a Rússia
admitiria algum tipo de pagamento de indenização de guerra, sob a forma de aquisição de produtos ou mesmo reconstrução de alguma
infraestrutura danificada pela ação militar.
Ou seja, em minha
opinião, a Rússia teria feito da campanha e da conquista de toda a Ucrânia apenas
um grande e caro e sangrento blefe.
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Se eram estas minhas
impressões quando do início da invasão, confesso que a guerra que eu acreditava
que seria travada alterou-se completamente.
Isso porque a guerra principal
não está sendo travada com apoio do exército e forças aéreas de combate russas.
O Exército avança a passos lentos, como se a opção de conquistar territórios e
mesmo a capital não fizesse parte dos planos.
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A utilização da
artilharia parece ser, em alguns casos, de elevado grau de precisão e muito focada, com mísseis
sendo disparados de forma a destruir bases importantes para defesa de forças ucranianas,
e desbaratamento de possíveis instalações de organização das milícias ali
existentes.
Pouco uso tem sido feito de
potentes e sofisticados aviões de combate que, ao que parece, estão despejando
bombas com prazo de validade vencido, em bombardeios com armas tradicionais e ultrapassadas.
Com a grave consequência de tais armas, de precisão muito menor, causarem estragos
não desejados junto à população civil.
O que aumenta o ódio dessa
população em relação à Rússia. E permite antever que a conquista e manutenção da
Ucrânia, pura e simples, seria como a criação de um Afeganistão para Putin.
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Mas, pior que tudo isso,
é que a verdadeira guerra tem sido travada pelos meios de comunicação, pelas
redes sociais e meios digitais, pelos constantes relatos manipulados seja por
partidários da causa russa, seja por todos que se aliam aos interesses
americanos.
Ou seja: a verdade, como
é de se esperar, tem sido a maior vítima do conflito, em que pesem as perdas
inúteis de vidas. Mesmo essas, parcialmente objetos de manipulações e 'fake
news'.
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Um fato não pode ser
negado: o Exército russo não avançou e destruiu o vizinho com o uso de seu
potencial e toda sua estrutura e armamento. Razões para isso não são analisadas
nem investigadas.
Toda a mídia, a favor e
dominada por interesses outros que não a informação correta, prefere apontar
como motivos o heroísmo do povo ucraniano; a liderança e a postura de estadista
até então não percebida de Zelensky; o ego e o desejo de restabelecimento de um
império ultrapassado por parte de Putin e o seu fracasso em convencer o povo
russo de suas reais e justas preocupações.
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A mídia, a imprensa
escolheu um lado e já relata os fatos ainda em fase de seu desenrolar, como história
acontecida. Por essa visão, Putin e a Rússia já perderam.
Nos comentários, todos os
analistas já programaram as próximas ações de Putin, já mostraram como ele está
fraco e sem apoio, como será condenado, e já o consideram uma carta fora do
baralho. Um tirano fora do poder.
Tomara que Putin seja
mesmo destituído, e punido por crimes de guerra e outras atrocidades. Mas,
torcer, o que fiz agora, não significa que isso é o que vai ocorrer.
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De resto, torcer não significa
que sendo essa a narrativa vitoriosa, ao final, o mundo tenha sido vitorioso.
O(s) vencedor(es) mais
que batatas, pode(m) deixar que sua arrogância e incontestável superioridade se transforme em mal maior para toda a
humanidade.
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