quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Pitacos sortidos, a respeito de uma sociedade que se perdeu nela mesma

O primeiro pitaco é a título de homenagem a Bárbara Vitória, a menina de 10 anos de idade e todo um futuro pela frente, interrompido brutal e estupidamente no último domingo.

Crime cometido com conotação sexual, o que levou a sua morte, tendo em vista a menina conhecer, o principal suspeito pelo crime hediondo.

Nessa hora de tristeza, em que a família da menina merece solidariedade irrestrita, apenas uma observação sobre o suspeito e seu suposto suicídio: não há pena maior e condenação pior para um criminoso torpe que o remorso.

Punição que vai além da justiça dos homens e de qualquer desejo de vingança, como Raskolnikov já comprovava em Crime e Castigo do genial Dostoiévski.

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A propósito de crimes e castigos, lembro-me que era ainda menino quando soube da morte de meu bisavô, assassinado.

Pelulante, metido a valentão como as crianças que estão acordando para o mundo, cobrei meu avô em relação à atitude que ele teria tomado. Para mim, era imperativo que ele tivesse lavado a honra da família conforme a tradição de Talião.

Foi quando ouvi pela primeira e única vez a história pela boca de meu avô: o assassino era um compadrer que devia ao meu bisavô. Ao saber do ato tresloucado do pai, sua filha, abandonou-o, em reação à morte do padrinho.

O pobre coitado acabou louco, internado.

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Castigo divino

 

Pelo que conheço de leituras esparsas da Bíblia, os livros que a compõem referem-se a dois momentos no tempo e a dois Testamentos. O primeiro momento, que relata o Gêneses e o Êxodo, entre outros episódios, corresponde ao Antigo Testamento.

Nele, a figura de Deus que nos é transmitida é a de um Deus rancoroso, vingativo, que poderia ser classificado como autoritário e cujos castigos em grande medida consistiam em punições violentas, muitas vezes nos moldes da Lei de Talião.

Para ser mais preciso, da lei cuja origem é o Código de Hamurabi da Babilônia, datado de 1770 antes de Cristo e anterior aos livros judeus em centenas de anos, conforme me ensina o Google.

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Parece-me que alguns cristãos, desses que em testemunho de sua fé passeiam com as Escrituras debaixo do braço em qualquer lugar onde vão, têm pouco tempo para leitura ou pouco fôlego, focando sua leitura apenas nesse primeiro Testamento.

Mas, o que gostaria de assinalar é que não há como negar que todos os livros evidenciam que seus autores estavam narrando uma História cujo objetivo era, sem dúvida, apacentar a população, como às ovelhas.

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Nesse sentido, agiam como os pastores no pastoreio, protegendo, cuidando, alimentando, e impondo suas leis, seu estilo de comportamento e suas crenças aos demais cidadãos.

Nunca é demais concluir, mesmo aceitando-se a fé individual e sua capacidade de produzir milagres e remover montanhas, que nesse sentido a Religião e sua expressão eram um mecanismo de manipulação do povo, e seu ópio.

 

Amor divino

O segundo Testamento contido na Bíblia é composto pelos Evangelhos, e corresponde às narrativas consideradas pelo Igreja e a Santa Sé, como as mais adequadas, dentre todos os evangelhos escritos, para manter o povo cordato e obediente.

Afinal, os Evangelhos que chegaram até os nossos dias e se tornaram os mais conhecidos foram 4 em meio a um número bem maior de evangelhos, a partir dessa seleção considerados apócrifos.

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No entanto, esse Novo Testamento apresenta não apenas a figura do Deus tornado Homem, como Jesus, o Nazareno.

Ele tenta ainda difundir uma mensagem que vai na direção contrária à figura do Pai autoritário e punitivo da primeira parte da Bíblia.

Agora o Deus é um ser sensível, capaz de entregar o próprio Filho, que é ele mesmo, em sacrifíco para a redenção de todos os homens. Todos pecadores.

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A mensagem agora transmitida coloca o Amor como o valor maior e a lei máxima a ser seguida.

Ao contrário da teoria do estabelecimento do Contrato Social para a criação do Estado, cuja base é negociação de uma solução de compromisso, a proposta dos Evangelhos para a boa convivência social é a de uma sociedade onde todos deveriam evitar a adoção de atitudes egocêntricas.

O amor ao próximo é a única forma que poderia, em tese, criar uma sociedade fraterna: Ama ao próximo como amas a ti mesmo.

Pelo visto, ou o  sacrifício da morte de Jesus deu errado ou foi a humanidade que falhou. O que levou Hobbes à conclusão inexorável de o homem ser o lobo do homem.

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A mensagem de Cristo, ele próprio interpretado como personificação do Amor, parece não ser aquela usada como guia para uma série de cristãos de carteirinha, responsáveis pela doação de dízimos vultosos e que pregam a vingança e não a justa punição como a que o próprio Jesus admitia ao tentar organizar a lista dos apedrejadores da mulher infiel.

Cristãos que cobram nas redes sociais a pena de morte para o criminoso de Bárbara Vitória. Destinatários da mensagem do Papa Francisco, que questiona os valores cristãos daqueles que pregam a aplicação dessa sentença.

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Projetos de Lei de penas perpétuas

Enquanto isso, para dar sequência ao festival de bestialidades que vem assolando o país desde a chegada da besta fera ao poder em 2019, pregando o ódio, estimulando a divisão na sociedade e exercendo o papel de motorista da morte, na Câmara Federal aprova-se um projeto de Lei que nitidamente visa retirar do criminoso qualquer possibilidade de recuperação e reintegração social, condenando-o a ficar o maior tempo possível segregado do convívio social, no limite, até o final de sua vida.

(Não o FEBEAPÁ, Festival de Besteiras, do ponto de vista cultural de modos e costumes sociais de Stanislaw Ponte Preta!)

Este projeto, proposta de um capitão das forças militares auxiliares do genocida do Planalto, teve trâmite em regime de urgência, anexado por Lira, o presidente da Casa, a outro projeto anterior, mais uma vez atropelando os regulamentos internos.

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Lira, discípulo de Eduardo Cunha e agora, o anjo protetor do 01 Neurônio, proteção vendida a peso de orçamentos de ouro, embora secretos, não escapará, assim como seu beneficiário do braço longo da justiça: sem nenhum revanchismo, apenas nos limites da lei, no papel que se regojiza desempenhar de cúmplice.

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A eterna luta do Bem contra o mal (oficial)

Enquanto isso, em culto na Câmara, o ex-terrorista continua sua pregação da luta que se avizinha, do mal contra o Bem. Profético, poderia até aprofundar a descrição do mal, da morte, do genocídio, do golpe, da ditadura contra o Bem, representado pelos defensores dos valores da democracia, da justiça social, do respeito à diversidade.

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Em se tratando de golpe, a questão é que o miliciano no poder não engana ninguém. Como seu ídolo Trump, é covarde. Prefere ficar assistindo desatinos de seus seguidores pela tevê que ir à luta.

Covarde típico, o que torna mais assustador o momento atual é sua capacidade de destilar nos fascistas que o seguem partirem para o tudo ou nada.

Como disse bem Ruy Castro em sua coluna ontem, esse estrupício miliciano não deseja um golpe.

Encarnação da morte, o que ele parece incentivar, cada vez mais é o início de uma guerra civil, cruenta e fratricida.

3 comentários:

Anônimo disse...

Excelente texto Paulo Feitosa, talvez um dos melhores que você já tenha escrito. Admiro sua inteligência e sua infinita capacidade de nos ajudar a pensar o Brasil. Um abraço

Anônimo disse...

Ótimo texto, Paulo!👏👏👏

Anônimo disse...

O Velho Testamento sempre me fascinou. Quando criança ficava impressionado com trechos do Gênesis e Êxodo narrados por uma tia. Anos mais tarde o fascínio mágico, foi substituído por outro fascínio mais racional: a capacidade de persuasão. O que me inspirou a escrever um artigo sobre o assunto: O Êxodo: uma análise sob a perspectiva do marketing.
O Deus rancoroso ao qual você fez alusão foi, para mim pelo menos, também preconceituoso, afinal elegeu um povo em detrimento dos demais povos. Ora, se Ele criou a humanidade, como desprezar alguns de Seus filhos e beneficiando outros?
Atualmente o que me deixa incomodado é que este "deus" rancoroso está se sobrepondo ao Deus descrito no Novo Testamento, onde muitos se intitulam serem o porta-voz ou preposto de Jesus. Na falta de consistência estampam um ou outro trecho do Apocalipse, etc... daí o ópio.
O sacrifício de Jesus representou o, triunfo dos fariseus, que encontraram até um álibi perfeito para a condenação: "foi Pilatos quem O condenou à cruz.
Nas marchas para Jesus, é Ele o maior ausente.

Fernando Moreira