segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Elucubrações sobre a independência e sua recente comemoração

Consulto o google para entender melhor o significado de independência.

Uma das mais de 170 milhões de referências indica tratar-se de uma desassociação de um ser em relação a outro. Uma separação, à moda de um parto, quando o bebê deixa o ventre materno: um nascimento.

Para mim, o centro da questão está em haver uma ruptura de uma relação de dependência anteriormente existente.

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Permito-me uma reflexão: se o parto explicita o término de relação de dependência entre o filho e a mãe, como entender a continuidade da relação de dependência que persiste existindo, principalmente em relação à mãe, desde em razão de cuidados, especialmente em relação à alimentação?

Dependência que torna-se até maior, já que sem a proteção do útero, passa a depender além dos alimentos, das roupas e agasalhos, e dos cuidados de higiene, ampliando-se até para outras pessoas, como os pais e avós?

Acredito que apenas dialeticamente podemos compreender a essência dessa autonomia do filho parido, em relação à sua mãe, para se ver às voltas com novas e mais complexas dependências.

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Nesse mês de setembro não é fora de propósito, muito pelo contrário, aplicar o termo ao nascimento de um tipo diferente de ser: um país. O que explica o destaque e as comemorações relativas à independência de um Estado em relação a outro(s).

Nesta acepção, outra referência do Google (cuja fonte indica o senado.leg.br) vincula a ideia de independência a vários conceitos citando com exemplos, em primeiro lugar, liberdade, autonomia, autodeterminação; seguido de isenção, imparcialidade, neutralidade.

Em terceiro lugar, aparecem os conceitos de soberania, insubmissão, ausência de subordinação.

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Dessa forma, se já era difícil captar o significado real de autonomia e autodeterminação em relação ao recém-nascido, fica ainda mais difícil entender o conceito de ausência de subordinação de um país ou um Estado em relação a outros.

Por exemplo, a 7 de setembro de 1822 o Brasil tornou-se um país independente de Portugal. Sem querer aprofundar a discussão quanto à forma, se um ato isolado e inesperado de revolta ou o coroamento de um movimento de forças sociais que já vinham se acumulando; se através de um grito heróico e retumbante ou de acertos frutos de uma negociação diplomática, o certo é que o Brasil tornou-se um país liberto e autonômo em relação a Portugal.

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A conquista de tal status em relação a Portugal, assegurando-lhe o fim da subordinação à Metrópole como nos ensina a História, não foi alcançada sem o apoio e o financiamento da Inglaterra.

Ao apoio da Coroa inglesa ao novo Estado que surgia, somou-se a concordância de Portugal em abrir mão, sem uma confrontação militar, da terra onde ‘em se plantando tudo dá’.

E de onde as minas de ouro e diamantes sustentaram, por séculos, a opulência de uma realeza e um classe de negociantes improdutiva e sanguinária.

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Açúcar, mais tarde café, diamantes e o ouro em seguida, foram algumas das mercadorias  que permitiram que as riquezas brasileiras servissem de mecanismo de sustento de um reino caracterizado por seu caráter parasitário.

Mas nem de longe essas foram as mercadorias principais do fluxo de comércio entre as duas nações, e todas as outras que aproveitavam-se da inoperância e improdutividade portuguesa.

Improdutividade reconhecida pela opção por entregar a produção de nossas mercadorias a outros povos, de maior engenho e perícia, consolando-se em obter rendimentos da concessão da produção de tais riquezas.

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Mas, dentre todas, a mercadoria que consistia o verdadeiro tesouro não era senão o SER HUMANO, o negro escravizado capturado na África, cujo tráfico enchia os cofres de Portugal e das nações amigas, de ouro, riquezas e sangue.

O que abre espaço para que se dê uma combinação perversa, de caráter externo: nosso país se torna subordinado a uma nação já por si dependente do trabalho, engenho, arte e conhecimento de outras nações.

Internamente, nossos latifundiários, os senhores de terras e da produção de nossas riquezas eram dependentes da exploração do trabalho de mão de obra escravizada, a que submetiam pela força das armas, da tortura e de castigos desumanos.

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Assim, apesar de o país tornar-se autônomo em relação a Portugal, não apenas não pode ser caracterizado como um Estado capaz de alcançar sua autodeterminação Ou seja, se passa a ser um país em SI, não é capaz de adotar diretrizes e políticas capazes de transformá-lo em um m Estado PARA SI.

Torna-se um país para atender aos interesses da Inglaterra, nação hegemônica naquele período. O que ganha imediato apoio das classes empresariais, dos produtores dos bens primários tornados insumos que sustentavam a oficina do mundo.

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Império ou  república, anos depois, a classe de senhores da terra e aristocratas, muitos atrelados ao comércio, só conseguiu se manter às custas de uma produção cujo custo principal não se contabilizava em recursos financeiros.

Dando sequência à exploração selvagem e sanguinária oriunda desde a época colonial.

Mudaram as formas de dependência, mas essas se agravaram a cada nova etapa de nossa história, do que dá testemunho a decisão de libertar, desassociar o trabalhador escravizado do senhor que o explorava.

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Deixado à sua própria sorte na luta por sua sobrevivência, nunca é demais esquecer a decisão de se pagar indenizações aos senhores escravocratas, pela ‘propriedade’ que lhes foi desapropriada.

Quanto ao cenário de autodeterminação em relação a outras nações,  estando as classes produtivas, as mais favorecidas economicamente, dependentes das relações comerciais estabelecidas e cristalizadas desde a época de colônia, e que tiveram sequência tanto no período do império quanto na república, o que se constata é que a independência nada mais é que uma quimera.

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Apenas a queda da hegemonia britânica, por ocasião do período de guerras, conseguiu nos tornar independentes da Inglaterra, nos tornando, como à própria nação em decadência, subalternos, agora, dos Estados Unidos.

Mais uma vez, altera-se e torna-se cada vez mais sofisticada nossa forma de dependência. Cada vez mais, aparentemente nos transmitindo uma imagem de um país mais livre, embora cada vez mais subordinado.

E, mais uma vez, contando com a colaboração de nossa elite financeira e econômica, cada vez mais associada em seu enriquecimento aos interesses estrangeiros.

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Capital nacional cuja associação com o capital internacional, acaba arrastando para a defesa de seus interesses antipatrióticos, as elites políticas.

Fenômeno que se mantém e até se fortalece, mesmo quando de propostas internas de desenvolvimento de um programa nacional de desenvolvimento industrial, capaz de por fim a nossa situação de subdesenvolvimento e exploração.

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Um modelo baseado na atração de empresas de capital externo, que no limite, transforma nossa submissão de importadores de bens de consumo, ou mais tarde de bens de capital, para importadores de tecnologia.  

Lembrando mestre Celso Furtado, uma proposta que nos transforma em país de subdesenvolvimento industrializado.

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De tudo já dito, que independência há que se comemorar? E para quem?

Para os pobres? Para os pretos? Para os famintos e miseráveis? Para os abandonados sem escolarização, ou invisíveis que lotam as ruas das cidades?

Para as mulheres? Para os trabalhadores cada vez mais precarizados, sem direitos, talvez nem mais o de sonhar, em meio ao turbilhão que os envolve e que a propanda dissemina, de se transformar em empreendedores?

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Nesse instante, apesar de mostrar todo seu nível intelectual rasteiro e sua completa incapacidade de entender e discutir a data; apesar de não ter o que falar ou comemorar por total incapacidade de compreensão de outra coisa que não seja seu próprio ego; o que esperar de um político inepto e inapto, incapaz de trabalhar e de governar, de tomar decisões minimamente reveladoras de empatia com a população que desgraçadamente o elegeu?

O que destacar em campanha fora de hora e despropositada, em data idealizada e retratada em quadro de Pedro Américo como a de um grito, onde Pedro ergue valentemente a sua espada?

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O que esperar de alguém que teria dificuldade até para ser classificado como escória da raça humana?

Senão a imagem da vara que deve acalentar a seus eleitores e apoiadores, e o grito que os conduz ao gozo freudiano: imbrochável!

Apenas mais uma fake-news para incendiar seus seguidores. 

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