terça-feira, 6 de setembro de 2022

Que venha o 7 de Setembro da parada, não o da desunião

Já houve época em que ir à parada militar era uma diversão imperdível para as crianças.

Em minha visão infantil, uma época em que os militares mereciam respeito da população, e vê-los marchando em uniformes de gala, alguns; em total sincronismo de gestos e movimentos; ou desfilando, outros, em cavalos que chamavam a atenção, era algo que nos enchia de orgulho.

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Só mais tarde, essa visão infantil foi se perdendo, à medida que ia conhecendo mais de nossa história e entendendo de forma mais detalhada e mais aprofundada, o papel real dos militares em nossa sociedade, como um dos principais grupos responsáveis por grande parte de nossas mazelas.

Foi quando percebi que os militares, em especial desde o golpe da República se arvovaram, como categoria, em serem os “pais protetores da pátria”. Posando como os responsáveis por assegurar mais que a estabilidade política, da democracia e das instituições, como os defensores dos valores maiores do povo brasileiro; os guardiões dos limites do pensamento, da ação e até dos sonhos e desejos da sociedade civil.

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Quanto à sociedade civil, era encarada como composta por uma massa ignorante e incapaz de definir e procurar construir seu próprio futuro, seguir seus próprios caminhos, apesar de e mesmo que com derrotas em sua marcha para libertação.

Por outro lado, restava uma minoria de pessoas que compunham a elite econômica e política do país. A elite política, enquanto no poder, sempre considerada corrupta e mais preocupada com seus interesses pessoais. Merecedora, pois, de se tornar alvo de ações voltadas para sua destituição do poder e sua queda.

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Ações sempre baseadas em concepções e movimentos golpistas  insufladas e incentivados, curiosamente, por parcela da mesma elite política, aquela afastada do poder, na oportunidade.

Mais que ser oposição e deixar momentaneamente de se aproveitar das benesses de estar no comando do país, essa parcela da elite tornava-se presa fácil das análises e das soluções recomendadas pelos interesses de grupos militares, sempre prontos a promoverem as intrigas e fomentar a insatisfação. No intuito de assumirem sempre, e em toda a circunstância, a condução dos desígnios do país.

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Afinal, todo o século XX de nossa história republicana não foi mais que uma sucessão de tentativas de golpes e movimentos militares, e alguns golpes exitosos, de que o movimento tenentista que agora completa cem anos, é apenas um exemplo.

Outros movimentos, como a Coluna Prestes, a Intentona, a Revolução de 30, a deposição de Getúlio, Jacareacanga e Aragarças, até chegarmos ao golpe de implantação da ditadura militar de 1964, são exemplos da interferência indevida de quem está sempre, por suas ações, negando a própria razão de ser da instituição que integram.

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O que explica que os movimentos golpistas,  gestados na caserna, ganham vida própria se espalhando para o ambiente civil, onde vão semear e fomentar a discórdia.

Ocorre que, por questões estratégicas, tais movimentos são apresentados como dotados de um sentido inverso, como expresso no alerta de Castelo Branco, por ocasião do período que antecedeu o golpe contra João Goulart:

“Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar.”

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Interessante é que a deposição de Goulart teve, em todo o seu desenrolar a presença de questões militares e dos valores que lhe são caros, de disciplina e autoridade. E foi não apenas um movimento de que os militares se aproveitaram, como o iniciaram e, como não podia deixar de ser, foram os beneficiários, por longos e tenebrosos 21 anos.

Quanto à outra parte da elite, a econômica, sempre foi pródiga em financiar os interesses militares, apenas que sob a forma de institutos de estudos, como o IPES, de que não por acaso, o general Golbery do Couto e Silva, foi das principais lideranças.

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O que comprova que, desde cedo, os militares souberam estabelecer laços com a classe dos grandes empresários e financistas, sabendo sempre se aproveitar e se locupletar dos resultados da atividade econômica fundada “sob a inspiração das regras do  mercado.”

Mercado sempre amigo, e incentivado.

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Que a parada de 7 de setembro, quando se completam 200 anos de comemoração de uma das maiores farsas de nossa história, tenha sido apropriada para a comemoração e o comício de um mau ex-militar, e um tipo ainda pior de político, infelizmente conduzido ao poder democraticamente, que tenta sua reeleição a ferro e fogo, não é fora do ‘script , portanto.

E, antes de me tornar alvo de críticas esclareço que não é por falta de respeito a todos os dignos brasileiros, de diversas origens, que lutaram e sacrificaram com a própria vida para a independência do país que refiro-me ao episódio como uma farsa.

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Aqui, o que tenho em mente é destacar que encaro a Independência como uma conquista que nos foi concedida, fruto de uma batalha que ainda não era capaz de se tornar a conquista de um povo e uma sociedade madura, justa e livre.

O que explica que os ideiais de seus líderes políticos e situados no governo não tenham vingado, como a proposta de libertação dos escravizados. Da mesma forma, a luta do povo não pode ser transformadora, lembrando-me a mensagem da fábula da lagarta que tentava se libertar do casulo.

Ao ver a luta e o esforço da lagarta para romper o casulo e sair voando transformada em borboleta, o bom homem resolveu utilizar-se da tesoura, libertando aquele pequeno ser, nem mais lagarta, nem ainda borboleta.

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Abreviada nossa Independência, ela não foi capaz de forjar as bases para a formação de uma nação cuja população estivesse apta a travar as lutas que conduziriam a sua emancipação.

Nossa independência, concedida em troca de indenizações pagas à antiga metrópole ou em troca da transferência das dívidas portuguesas assumidas junto à Inglaterra, acabou por nos levar a reproduzir, do lado de cá do Atlântico, as mesmas relações desiguais e injustas, de exploração da época de colônia.

O histórico de formação de nossa dívida externa, ou nossa formação cultural e econômica de subserviência os padrões europeus, capazes de configurarem um Brasil dual, nos moldes de Caio Prado Jr. em História Econômica do Brasil,  são comprovações de nossa inserção de colonização de exploração, que nos persegue ainda nos dias de hoje (liberal para tratar com os europeus, e de caráter escravagista voltada para seu interior).

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Infelizmente esse 7 de setembro ganha coloração mais acinzentada, sob as nuvens escuras que surgem no horizonte, tentando ofuscar e apagando o raiar do sol da verdadeira liberdade.

Trazendo a ameaça das trevas para somar-se à representação da insensatez, e à figura trágica e patética de quem apenas simboliza a morte e a destruição.

Razão porquê o temor de que amanhã, sob os auspícios de parcela da sociedade civil podre, carcomida, incompetente e ressentida, por todos os predicados que ostenta, possamos assistir a uma tentativa real de golpe.

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Golpe tentado com a PEC da universalização da corrupção e da compra de votos e apoio, até aqui incapaz de levar o mau militar e deputado, e péssimo presidente, a ultrapassar seu adversário nas pesquisas da corrida eleitoral.

Golpe tentado e fracassado no 7 de setembro do ano passado.

Golpe que pode ter seu estopim na convocação feita pela excrescência do filho deputado, para que todos os adeptos e partidários do pai, legalmente armados, saiam para manifestar seu apoio e seu poder para impor sua vontade.

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Golpe que tenta impor a vontade de uma parcela da sociedade que só é capaz de viver sob a disciplina e as ordens vindas de uma autoridade superior. Incompetente para decidir e trilhar seus próprios caminhos. Um conjunto de pessoas incapaz de assumir suas responsabilidades e as falhas de suas opções. Pessoas que só conseguem viver tuteladas. Adeptas da pior forma de pensamento político, de cunho fascista e antiliberal.

Que esse 7 de setembro, que tenta se impor como uma data de dominância do verde e amarelo, não se transforme em data do vermelho escuro do sangue, de uma guerra civil, aliás, reivindicada certa feita pelo deputado representante da destruição.

3 comentários:

Anônimo disse...


FERNANDO AUGUSTO MOREIRA
5:09 PM (58 minutes ago)
to me

Muito oportuna a lembrança das paradas militares do passado. Eu também ficava empolgado ao assistir o desfile e uma vez, na 5ª Série, ter participado. Os desfiles militares representavam a vigilância e ameaça das elites econômicas sobre o restante da sociedade. Impressionante que passado aquele período tenebroso ainda estejamos sobre esta atmosfera tóxica e ainda com o apoio velado ou explícito de parte da sociedade.
Nossa independência foi de fato uma farsa, representada até nas cores de nossa bandeira (tanto a do Império, quanto a da República predomina a cor verde da Casa de Bragança). Já a nossa democracia vem sendo torpedeada constantemente e as criaturas que a ameaçam já não sentem qualquer constrangimento por suas ações.
Resistamos!!

P.S. Uma dúvida: na 5a parte você menciona "Coluna Prestes Maia"; não conhecia esta denominação, para mim era Coluna Prestes/Costa. É isto mesmo?
Um abraço.

Anônimo disse...

Na pressa esqueci de acrescentar que grupos de PMs estão promovendo violência contra militantes de esquerda e o STF, de acordo com o monitoramento Poder 360.

Fernando Moreira

Paulo disse...

Agradeço a correção feita pelo amigo e leitor atento, Fernando. De fato o movimento encabeçado pelo Cavaleiro da Esperança, Luiz Carlos Prestes, ficou conhecido como Coluna Prestes.
O fato de ter tratado de temas ligados a São Paulo, recentemente, me fez cometer o equívoco, já corrigido no texto.( O velho uso do cachimbo...)