terça-feira, 15 de março de 2016

A que interesses serve o verde e amarelo das camisas dos protestos? e o Discurso de Paraninfo do Curso de Ciências Econômicas

Mantendo a tradição, e mais uma vez como forma de agradecimento pela homenagem a mim prestada pelos formandos de dezembro de 2015 do Curso de Ciências Econômicas da UNA, escolhendo-me como Paraninfo da turma, publico a seguir o discurso proferido na última sexta feira, 11 de março, no Chevrolet Hall.
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Fujo assim, mesmo que de forma breve, do assunto dominante em todas as conversas e mesmo em sala de aula - as manifestações do último domingo e suas possíveis consequências, na expectativa de que a poeira levantada pelas milhões de pessoas nas ruas, praças e avenidas possa começar a se assentar, permitindo que, mesmo de  forma algo enuviada, possamos começar a divisar os resultados do evento cívico.
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Por agora, apenas gostaria de tecer um comentário, a partir de chamada do portal UOL no dia de ontem, em que o criador da camisa amarela da seleção desaprovava sua utilização pelos manifestantes, sob a justificativa de ela representar a antítese da principal cobrança do movimento, pelo fim da corrupção.
Tristemente, a camisa da seleção é hoje o símbolo talvez da fonte de maior corrupção no país e no mundo: o esporte, especificamente o futebol e a CBF e suas congêneres.
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Mas, lembro-me que há 23/24 anos atrás, quando Collor clamou a todos que o apoiavam que fossem para as ruas, no dia da comemoração da Independência do Brasil, vestindo as cores da bandeira do país em defesa de seu governo, em protesto, a população vestiu-se toda de preto, em sinal de luto.
Como sabemos, as manifestações se agigantaram e Collor sofreu o impeachment sob acusações de atos de corrupção.
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Parece-me, embora não tenha certeza, que hoje todos que vão de amarelo às manifestações são, em grande parte aqueles que naquela oportunidade não foram às ruas de vestes pretas, o que gera em mim uma dúvida: tirando os mais novos, os adolescentes, onde estavam e que cores vestiam naquele momento, todos os atuais manifestantes de meia idade?
Será que também vestiam o verde e amarelo?
Será que não estavam, lá como agora, do lado que deseja autoritariamente e de forma elitista se assenhorear do país e de suas cores?
Indago curioso, apenas por perceber no governo Collor e seus minguados apoios na ocasião, o mesmo cunho conservador que hoje alimenta a parte dos incontáveis grupos e interesses que, de forma oportunista, também vão às ruas se manifestar, de carona em um movimento que tem se mostrado capaz de aglutinar tendências as mais amplas e até contraditórias.
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Mas, vamos ao discurso,  não sem antes fazer a necessária referência ao caderno Ilustríssima, página 3, da Folha de São Paulo de domingo, 6 de março de 2016, onde tive a oportunidade de ler a excelente e rica entrevista com o professor Ordine.

Prezados formandos

Não é curiosa a capacidade de o silêncio causar incômodo? Sua grandiloquência  pronta a explodir ocupando o espaço, o ambiente, a qualquer hora? Rompendo nossa tranquilidade e alimentando o medo do desconhecido?
Essa aversão ao silêncio, no entanto, é muito recente. Típica de uma sociedade cada vez mais moderna, influenciada pela presença da tecnologização, da conexão da internet, dos tablets e smartphones. Uma sociedade que privilegia a velocidade em lugar da reflexão e da  lentidão. Dominada pelo utilitarismo, pela busca da satisfação e prazer  cada vez mais imediatos, passíveis de serem transformados e de terem  sua importância e significado mensurados cada vez mais em valores monetários. Mais dinheiros.
Dinheiros e valores que nos fazem abrir mão de nossa essência, para sermos apenas e cada vez mais valores.  A sermos o que somos capazes de valer: nosso preço.
Invertendo a estrutura dos discursos que suas homenagens me levam a proferir, inicio parabenizando pais, irmãos, avós, tios, primos, amigos, maridos, mulheres, amantes, filhos de cada um de vocês formandos, de onde retiraram  a força para prosseguir sua jornada até esse momento de comemoração. A eles vocês devem, e têm a convicção disso, muito da vitória conquistada, pelo apoio e palavras de conforto. E até pela oposição e  cobranças que criaram aos seus anseios, ocasionalmente e que  os ajudaram a formar a consciência de seus desejos e os obrigaram a aprender a superar toda sorte de obstáculos. A todos, parabéns.
Com relação a vocês, nenhuma homenagem seria mais adequada que a canção do Queen, We are the Champions. You are the Champions. Vocês são os campeões. Ou à la Jornada das Estrelas, vocês têm a Força. E a fé. E os louros da vitória suada que conquistaram.
Pode ser que não tenham ideia da importância de terem chegado até aqui. Pois saibam que vocês correspondem, cada vez mais a uma minoria.  Estudos repercutidos pela imprensa com ênfase nos últimos dias, indicam que mais alunos abandonam seus cursos de graduação que o número de alunos que se formam.
O número de universitários que abandonam seus cursos tem superado o total que conclui a graduação, fenômeno que já ocorreu em 2013 e prosseguiu em 2014: para 1 milhão de formandos, 1,2 milhão desistiram. E os números só tendem a aumentar.  Como não poderia deixar de ser, 86% dos desistentes estão em cursos do setor privado.
Especialistas consultados atribuem as causas dessa situação à crise econômica, claro; à formação deficiente ou precária na educação básica, e até a má qualidade dos cursos oferecidos.
Atribuo ainda à outra causa tal cenário: à transformação cada vez maior do ensino e do saber em mercadoria. Da imposição da lógica do utilitarismo ao processo de conhecimento que mencionei há pouco.
Muitos estudantes querem aprender, e velozmente, para poderem se engajar no mercado de trabalho e passarem a transformar o que sabem e até o que são em dinheiro.
Por isso Nuccio Ordine, professor, literato, intelectual nos fala que essa postura nega a essência do conhecimento que, ao contrário, não é feito para estimular o utilitarismo, mas resistir a ele.
Em suas palavras: “ com dinheiro podemos comprar tudo. ... compram-se parlamentares, juízes, sucesso na televisão. ... não se pode comprar com dinheiro é o saber, porque demanda um esforço que ninguém pode fazer em nosso lugar.  O conhecimento é ... o esforço que fazemos para aprender”.
Wittgenstein, filósofo alemão dizia que não tinha orgulho do que aprendeu, mas do esforço que fez para aprender.  É conhecida a máxima de que o importante não é o lugar a que chegamos, mas a caminhada.
Indo na contra mão do querer aprender velozmente para aplicar mais velozmente ainda, para ganhar mais e mais, perde-se de vista que o conhecimento é a antítese do comércio. Nesse, para ter algo, um produto, temos que perder outra coisa: o dinheiro, por exemplo. No ensino, o fato de eu ensinar não me faz perder o conteúdo que eu detinha. E desnecessário dizer o quanto aprendemos com vocês, a cada instante, de todo tipo de assunto.
Ordine cita uma anedota de Bernard Shaw: dois alunos saem de casa para ir à escola, um levando uma banana e outro com uma maçã. No recreio trocam os produtos e os comem. Voltam para casa de mãos vazias. Satisfeitos, saciados mas de mãos vazias.
Com o saber não: cada um chega com uma ideia, um ponto de vista. Expõem sua ideia, trocam ideias e cada um volta para casa com duas ideias. Uma a mais que a que já possuíam.
Além disso, o saber não tem preço. Não se pode comprar o saber, como não se vende nas farmácias ou botecos princípios, ética, moral, honestidade, o que explica parcialmente o que temos vivido no nosso país.
Perguntado, Sócrates dizia que não se adquire saber. Não se transmite saber do mais cheio para o mais vazio, pela aproximação de dois seres.  “Sobretudo é preciso fazer esforço, reservar um tempo, refletir, se fechar num quarto e ler na solidão e no silêncio..”
Não é demais enfatizar: na solidão e no silêncio. “Sobretudo é preciso respeitar a regra da lentidão e não a da rapidez.”
Isso em uma sociedade que cada vez mais cobra a rapidez e que a cada instante nosso celular emite sons, os zapzaps nos distraem, o barulho que não rivaliza em eloquência com o silêncio é a marca.
O que faz com que as escolas hoje queriam ensinar pela superficialidade dos games, e aparatos tecnológicos, sem demandar esforço. O que não satisfaz aos alunos que preferem jogar e ir se divertir em casa.
Ainda nos alerta o professor: não é pela aparência e de forma superficial que aprendo e me torno sábio ou culto. Posso ter um diploma universitário mas não é ele que assegura que domino o conhecimento. O que me faz sábio é o espírito que me impulsionou na jornada. E para não cansá-los, vamos terminando dizendo  com o professor que um estudo que às vezes parece inútil e sem valor pode sim, não servir para a nota da faculdade. Não servir para nada, por que feito com esse objetivo de nota, de diploma, não opera nenhuma revolução em nosso interior.
Mas, se leio um texto clássico com vontade de conhecer, com alegria de ler, posso mudar minha forma de encarar o mundo e chegar até a compreender o mundo que vivo. E essa leitura me permitirá ser melhor. E sendo melhor poderei  até ganhar como consequência uma nota boa, um diploma, até um emprego.
Talvez tenhamos nos esquecido disso, inclusive as escolas que se pretendem modernas. Porque as escolas modernas não são as que têm laboratórios de computadores apenas, mas as que têm bons professores. Aquele tipo de gente maluca que ensina com paixão, que tem humildade para preparar suas aulas a cada dia, que entra na classe disposto a trocar ideias e aprender tanto quanto transmite o que sabe.
E por isso vocês chegaram aqui, hoje e a Una talvez seja uma exceção. E confesso que me sinto orgulhoso de fazer parte de um corpo de colegas que têm paixão pelo que fazem. E que vêem a mesma paixão nos olhos de vocês. A cada dia de aula, mesmo que esses olhos estejam muitas vezes difíceis de serem mantidos abertos, pelo cansaço.
You are the campions. E por vocês eu também passo a me considerar um campeão.
Obrigado.  



Um comentário:

Unknown disse...

Que bom que voltou Paulo! É muito bom ver pessoas falando coisas coerentes, principalmente, nesse cenário onde estamos carentes de conhecimento e sabedoria. Abraços