quarta-feira, 13 de julho de 2016

Reflexões em meio à crise sobre o comportamento do ser econômico ou o HOMO ECONOMICUS

Desde que assisti pela primeira vez as aulas de Economia, lembro-me de ter ouvido a crítica de que essa matéria tratava apenas do "homo economicus", considerado como o homem a quem interessa apenas a realização material. 
Passados muitos anos, e toda uma jornada de prazeres e sacrifícios, volto a me deparar com o conceito que reduzia a vida humana, e até a ideia abstrata de realização ou felicidade, a algo tão exterior ao próprio  ser humano.
Por tal motivo, resolvi hoje recorrer ao moderno "pai dos burros" e de todos os ignorantes, para relembrar daquele conceito e de seu significado.
Assim, recorrendo à primeira e mais popular das referências apontadas pelo sacrossanto Google, a Wikipedia, vejo lá a informação de que a ideia do "homo economicus" trata de uma ficção segundo métodos científicos, com a finalidade de facilitar a fragmentação do objeto de pesquisa - o ser humano - visando pesquisá-lo em suas distintas dimensões.
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A ideia é que, por sua complexidade, e por envolver tantas diferentes variáveis, o estudo e a compreensão do homem, em suas várias acepções, devia ser feita de maneira fragmentada e com instrumentos de análise próprios, para identificar e separar, em cada caso, as variáveis mais relevantes da explicação de seu comportamento.
Desse ponto de vista, assumiram os economistas que o estudo do homem deveria concentrar-se nas duas funções elementares exercidas por qualquer indivíduo: a produçao e o consumo.
E, desse ponto de vista, 

"homo economicus nada mais é do que um pedaço de ser humano, um fragmento, um resto, a sua parcela que apenas produz e consome, segundo "leis" deduzidas da observação, cujo único critério de verdade apoiava-se na evidência."
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Continuando ainda na leitura da "enciclopédia livre" da rede mundial, somos informados que três grandes correntes filosóficas servem de base para a criação desse conceito: o hedonismo, pensamento que afirma que o ser humano, como outros animais, sujeita-se à lei dos instintos naturais, o que o leva à busca constante do prazer e de evitar a dor; o utilitarismo e o sensualismo, essa última, " segundo Condilac (1714-1780) afirma serem os sentidos a fonte do conhecimento."
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Quanto ao utilitarismo, desenvolvido entre outros e principalmente pelo economista inglês John Stuart Mill, afirma que o que fornece prazer tem valor é valioso, além de diferenciar o prazer calculado do prazer irracional, origem de duas das concepções mais caras da abordagem econômica tradicional, ou "mainstream".
Daí a concepção  e o desenvolvimento da teoria subjetiva do valor, baseada no valor utilidade, em contraposição ao valor trabalho que dominou os primórdios da Economia Clássica, de Smith até Marx  
E daí também, o surgimento de um dos mais importantes pressupostos da abordagem tradicional ou neoclássica ou ainda marginalista: a da racionalidade objetiva do homem.
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Entendendo-se por racionalidade objetiva, a consideração de que a razão motora para qualquer ação humana é o interesse pessoal, o que caracteriza um princípio afetivo, que define esse interesse egoístico, como única razão para o comportamento econômico. 
Adicionalmente, estabelece que o homem obedece apenas e tão somente a sua razão, afirmando que, como o sujeito é universal, o interesse pessoal e a racionalidade são tomadas como válidas em todos os lugares e épocas.
Ainda com relação ao tempo, estabelece como princípio que o homem vive o presente linear, não sendo influenciado pelo passado, de que não se lembra, nem do futuro, por lhe faltar a capacidade de prever. Além disso, está plenamente informado e sabe as consequências de todas as possibilidades de suas ações.
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Interessante observar serem esses alguns dos pressupostos que Lavoie, em seu Foundations of Post Keynesian Economics,  destaca como capazes de distinguirem o programa de pesquisa (ou paradigma) que ele denomina de neoclássico, do programa clássico, em que inclui os pós-keynesianos.
Definindo os programas de pesquisa a partir de 4 pressupostos que ele define - a epistemologia, ontologia, racionalidade e foco de análise, Lavoie vai demonstrar que enquanto o programa neoclássico foca o método instrumentalista, considera apenas o indivíduo, aceita a existência de racionalidade objetiva, geral, e considera a troca (área de atuação para o consumo), o programa pós-clássico foca o realismo. Do ponto de vista ontológico, privilegia a organicidade; admite a exiistência de racionalidade limitada, dependente e determinada por cada situação ou procedimento e tem como foco de análise, a produção.
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Bem, e qual a razão de tratar desse tema, justo na hora que o Senado aprova o aumento de várias categorias de funcionalismo público, aumentos já negociados e fechados com Dilma e, é bom deixar claro, sempre abaixo da inflação? 
Porque tratar desse tipo de assunto muito específico na data prevista para a Câmara eleger um novo presidente para exercer o restante do mandato deixado vago por Eduardo Cunha?
Porque falar de assuntos tão abstratos e etéreos, quando as notícias dos jornais mostram que o comércio enfrenta seu pior mês de maio - tradicionalmente um mês campeão de vendas, pelo dia das mães, sob a influência do agravamento da crise de emprego no país?
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A razão é que, recentemente, tenho ficado me questionando se, de fato, deveríamos considerar, como o faz a microeconomia tradicional, que o homem tem como objetivo a maximização de sua utilidade, entendida como a obtenção do máximo de prazer possível. 
Aliás, embora tratando da microeconomia, de forma preferencial, é importante salientar que, assenta-se precisamente no que se denomina microfundamentos da macroeconomia, tanto a visão de Keynes, pela ótica de pós-keynesianos, como mostrado por Sheila Dow, entre outros, quanto por todos os economistas filiados à escola desenvolvida mais recentemente, dos ciclos reais de negócios.
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Minha dúvida é que se visamos a maximização da utilidade, o homem, por obrigação deve estar sempre insatisfeito, já que ao alcançar o seu equilíbriom- aqui usado no sentido de obtenção completa de todas as suas expectativas e desejos, ou maximização de sua função objetivo - por racional que é, ele não poderia se contentar em ficar repetindo, ao longo da história um padrão de comportamento que é sempre o mesmo. Comportamento que o faz sempre chegar apenas, no mesmo lugar de antes. 
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Vá lá que o tempo histórico não existe e não influencia o ser humano, na visão tradicional, do utilitarismo, mas se ao pensarmos nas idades mais pretéritas de nossa civilização, era bem plausível que a vida fosse uma rotina só, o que levaria à repetição exaustiva de comportamentos para produzir e consumir, a verdade é que hoje nossa civilização, globalizada e tecnologicamente cada vez mais avançada, nos impõe estarmos, a cada instante, evoluindo no sentido material que seja, em busca do último modelo de carro, de roupa, do que está na moda e do que podemos ter, menos para substituir o ser pelo ter, mais até na acepção de Guy Debord, apenas para tomarmos parte na Sociedade do Espetáculo, parecendo apenas, que seja, ter. 
Na trasnformação de nossa vida em mero consumismo ou na espetacularização que nos leva a buscar consumir a nós mesmos.
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Então, se estamos sempre em busca de maximizar nossa utilidade pela utilização e consumo de bens, é que nunca chegamos a um  ponto de satisfação integral, exceto ao final de nossa existência material e espiritual. E isso significa que o estado natural do homem é, ao contrário, o de estar sempre infeliz.
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Trago essas reflexões, como desculpa para tratar da excelente coluna de Marcia Dessen, na Folha de segunda feira últiima, dia 11 de julho, cujo título é "A felicidade é relativa".
Curiosamente, vale destacar que a autora escreve uma coluna semanal, no caderno Folhainvest, tratando em geral de aplicações financeiras e dando conselhos e sugestões e alertas ao público, em relação a como aplicar, e conservar o seu dinheiro.
Mas, na segunda feira última, baseada em trabalho de Dan Ariely, pesquisador da economia comportamental, que trata de aspectos de psicologia quanto de economia, ela chega à conclusão de que "Somos irracionais." Frase, inclusive, com a qual abre a publicação.
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E vai além para afirmar que nossa irracionalidade ocorre repetidamente, de várias maneiras, se agimos como empresários, consumidores, estrategistas, etc. 
E tudo porque a maioria de nós não sabe o que quer. 
O que nos leva a programarmos o nosso cérebro para adotarmos comportamentos baseado no comportamento daqueles que estão à nossa volta. 
Em completa conformidade com o que Mário Possas já advogava, na linha pós-keynesiana, de que comportamo-nos baseados em regularidades, ou regras práticas de comportamento. 
E é por nossa irracionalidade, que abre-se o espaço para sermos tratados pelos profissionais de marketing como o somos, como alguém que não sabe o que quer e por isso mesmo, sujeito a sermos totalmente persuadidos, como dizia o professor John Kenneth Galbraith, no primeiro capítulo de seu A Economia e o Objetivo Público.
Somos massas de manobras, e levados a acreditar que o que estão nos indicando é melhor para nós, mesmo que não saibamos o porquê. Apenas passamos a acreditar que o que nos recomendam é superior a nossa própria vontade. Como se fôssemos convencidos que as ideias que compramos fossem em última análise aquilo que já estávamos desejando, ainda que de forma inconsciente.
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Além de não sabermos o que queremos, o livro "Previsivelmente Irracional", de Dan Ariely, da Elsevier, citado pela colunista, mostra que repetimos muitos de nossos erros, e não conseguimos aprender nada com eles, o que choca-se com a ideia de ergodicidade tão criticada pelo professor Paul Davidson, e que está por trás da ideia de que o homem aprende com seus erros, e com isso passa a evitá-los, base da escola de Expectativas Racionais.
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Por fim, o livro trata também do tema da relatividade, que leva nas palavras de Márcia Dessen, a fazer com que um indivíduo se disponha a andar 10 minutos, voltando atrás em seu caminho, para comprar um produto que estava mais barato 7 reais que outro, quando os 7 reais da economia representam uma proporção interessante do valor da compra, por exemplo, uma caneta que custa 25 ou 18 reais em dois estabelecimentos. 
Já o mesmo comportamento não se reproduziria, se o valor fosse do objeto da compra fosse mais elevado, por exemplo, de 455 reais, dada a pequena proporção nele representada pela economia feita. 
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Muito interessante, e explicativo de porque, cada vez mais, trabalha-se para ter dinheiro para comprar, visando sempre o que não temos, mas nossos conhecidos possuem, até que nos endividemos, façamos a compra do objeto do "outro", e tenhamos que nos desdobrar cada vez mais para pagar os financiamentos das aquisições, as quais já não nos satisfazem, se algum amigo adquirir um novo e mais desejável carro.
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Vale a leitura do texto de Marcia Dessen. Vale a referência bibliográfica e a leitura do livro citado de Ariely. 
Vale a reflexão. 
Enquanto o país se arrasta com temer. 
E o futebol, do Galo, também vai mostrando que Marcelo é um técnico sem repertório. E sem time. E sem padrão de jogo.
Mas, nada que não possa ser resolvido: temos Patric.

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