terça-feira, 11 de abril de 2017

Caixa 2 e a lembrança de Crime e Castigo

Em minha última postagem fiz uma analogia entre a situação das balas perdidas que se encontraram no corpo de Maria Eduarda, no Rio, com o livro Encontro Marcado de Fernando Sabino.
Hoje, a analogia é com outro personagem famoso, de uma das mais importantes obras literárias, agora em plano mundial.
Refiro-me a Raskólnikov, o personagem central de Crime e Castigo, a monumental obra (em minha opinião), de Dostoiévski.
A razão é mais ou menos evidente, e tem a ver com a situação surreal que só mesmo nosso país é capaz de gerar, em relação ao crime tipificado na legislação eleitoral, mas não apenas, conhecido como Caixa 2.
Em breve consulta ao Google, verifica-se que não resta dúvida de que Caixa 2 seja crime, por tratar-se de uma espécie de delito de falsidade ideológica. No Código Eleitoral, está previsto no artigo 350, tendo inclusive a previsão de pena de 5 anos de prisão.
Não por outro motivo, justifuca-se a ênfase dada pela presidente do STF, ministra Cármem Lúcia, ao classificar o Caixa 2 como crime deplorável. Dela é a declaração a seguir, que transcrevo:
" É muito grave afirmar da tribuna do STF que "caixa 2" é crime e pretender que tudo isso fique impune."
Não bastasse isso, o crime está previsto na legislação relativa aos crimes contra a ordem financeira, a Lei do Colarinho Branco, além de ser também crime tributário.
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Reconhecer que o ato seja caracterizado como crime, entretanto, não impede de se reconhecer, como o faz o professor Luiz Flávio Gomes, que o problema mais grave da prática do "caixa 2" é que "frauda a legislação assim como o processo eleitoral, porque desiguala os concorrentes."
Assim, em sua opinião, mais que abuso do poder econômico, a "compra" do mandato parlamentar que essa prática propicia vicia a própria democracia, permitindo ainda que se forme dentro do Congresso as famosas bancadas da Bala, da Bola e outras que não cuidam de interesses gerais mas apenas daqueles relacionados aos financiadores de suas campanhas.
E o professor vai mais longe, ao afirmar que não é que não haja legislação que já preveja o Caixa 2 como crime. Ela existe, como já mencionado.
O que não existe é aplicação devida da lei.
Mais uma vez, e para reforçar aquilo que a grande maioria das pessoas gosta muito de afirmar, sem se dar conta da grande tolice que estão dizendo, a questão é a da impunidade em nosso país.
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Já tive a oportunidade, anteriormente, de tratar dessa questão da impunidade, deixando muito claro que esse mal, impossível de ser negado, existe em nosso país, principalmente quando os envolvidos em atos delituosos são pessoas de classes sociais mais privilegiadas.
Não existe, e ninguém em sã consciência há de negar, impunidade para os pobres, pretos, favelados ou moradores de comunidade, em geral jovens, sem perspectiva e sem futuro, ausência de punição. A esses, falta-lhes é o cometimento de crime. A esses, falta um crime.
Mas, para aquela categoria ou classe de pessoas com mais influência, ou mais destaque social, ou econômico, inegavelmente, a punição não é a norma.
Vide, para citar apenas um caso, a questão do mensalão mineriro de Eduardo Azeredo, que não cumpre pena alguma, ou a questão do aeroporto nas terras de propriedade da família de aecim, que também não teve qualquer punição, ou a questão do avião de propriedade dos Perrela, amigos do senador mineiro, em que até mesmo a investigação pode ser questionada.
A esses, junta-se até mesmo crimes contra a vida, como a do ex-jornalista e diretor do Estadão, apenas um, entre muitos outros.
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Mas, voltando ao nosso tema inicial, do Caxia 2, é importante que assinalemos que, com a opinião exposta do professor advogado Luiz Flávio Gomes, também concorda o juiz Moro, que em evento na Universidade de Harvard, no dia 8 passado, considerou o Caixa 2 de campanha uma "trapaça, um atentado à democracia.
E não ficou nessa opinião. Foi mais longe, para afirmar que, em sua opinião, é pior que a corrupção em proveito próprio.  e completou afirmando que "causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e  a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral."
Concluiu, no entanto, afirmando que em sua opinião, a corrupção para o financiamento de campanha é a pior das duas justificativas.
E concluiu afirmando que, a propina recebida e depositada em conta da Suíça, é crime, mas de importância menor, já que não estará fazendo mal a mais ninguém, naquele momento.
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Imediatamente as redes sociais começaram a ser infestadas de comentários criticando a opinião do juiz, em parte pelo comportamento que esse magistrado vem adotando, em franca contradição com aquele que se espera de um juiz, mais reservado e mais contido.
Claro, a ninguém escapa o comportamento do juiz de Curitiba, agindo de forma autoritária, como um justiceiro, arrogante, prepotente, usando de artifícios condenáveis como abuso de autoridade, em minha opinião, mesmo que para alcançar fins com que todos comungamos.
As fotos das redes sociais do juiz com vários nomes de políticos delatados na operação que ele tem a seu encargo, em eventos sociais, de congraçamento, ou palestras, e sua postura sempre muito voltada para os holofotes, e para conseguir, custe o que custar, espaço na midia, dizem por si mesmas.
Além disso, demonstra uma certa desfaçatez, ao afirmar que pode conviver socialmente com quem quer que seja, especialmente se, como parece ter admitido, parte das pessoas com quem convive serem detentoras de foro privilegiado, o que significa que não irão serão julgados por sua pessoa.
Porque a máxima de que "diga-me com quem andas e te direi que és" está sempre presente na cabeça das pessoas de bem. E normalmente aquele que convive e se relaciona bem com bandidos da pior espécie, por mais que todo mundo, até o bandido tenha seu lado bom, positivo, humano, só consegue ter um bom convívio se fechar os olhos para aquelas atitudes que são socialmente condenáveis.
Em um juiz e para um juiz, tal atitude é condenável sem discussões, já que ainda usando o dito popular, à mulher de César não basta ser honesta. Tem que parecer...
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Mas dizia que as declarações de Moro logo foram destacadas, sem que se assinalasse que também para ele, o Caixa 2 é crime. E que deve ser punido, como tal. Apenas que ele emitiu uma opinião de que, em sua visão, há alguns crimes mais prejudiciais que outros. E, para o juiz, o recurso ilícito que alimenta o enriquecimento pessoal é menos prejudicial que o que alimenta a compra de mandatos e votos.
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Pois bem, o problema é que o comportamento do juiz de Curitiba, além de toda a crítica já feita a sua pessoa, nos parágrafos acima, é curioso, no sentido de que todo o afã que ele demonstra em punir (até perseguir, alguém diria) Lula, Dona Marisa, os petistas, e os empresários seus amigos, ele não demonstra em relação à esposa de Eduardo Cunha, que continua livre, leve e solta, para citar apenas um caso de tratamento desigual no rigor.
O tratamento que ele dispensou a Fernando Hentique, em depoimento como testemunha de defesa de Lula, é completamente diferente daquele autoritário, arbitrário, desrespeitoso que confere a Lula e a seus advogados, por exemplo. Comportamento que em certas audiências chega às raias da exasperação, fruto do fracasso e, quem sabe, de uma certa incapacidade de lidar com esse fracasso. Fenômeno que afeta aos deuses, ou a quem se considera situado nesse patamar.
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Mas, a declaração de Moro cai muito mal, especialmente quando nao colocada na íntegra (que de certa forma deveria servir para relativizá-la), dado que há um movimento curioso em nossa sociedade na direção de, mais uma vez, botar panos quentes nos mal feitos, sugerindo que há dois tipos de caixa 2, o do bem e o do mal.
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Lidera tal movimento o ex-presidente FHC, para espanto de tantos quanto ainda acreditam que o príncipe seja realmente uma pessoa justa e honesta, além daquele ser que ocupa posição, não por acaso por indicação do próprio FHC, na Corte Suprema do país. E que, não apenas pela capa, mas pelo que é, pelo que fala e por tudo que representa tem, insistentemente, procurado provar ser o corvo mor do Supremo.
Em outras circunstâncias, momentos e até países, gilmar seria considerado a encarnação do mal, a asa negra da magistratura.
Pois é, principalmente gilmar que tem feito uma verdadeira ginástica para separar o caixa dois do bem, do caixa dois do mal, quem sabe, por interesses inconfessáveis, impublicáveis e até pessoais.
Mas, deixemos isso prá lá.
gilmar é considerado no próprio Supremo um "outsider", alguém inadequado, ao que parece por comentários que são feitos na midia. No mínimo, um estranho no ninho.
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Daí a razão de eu me lembrar do russo Raskólnikov, e das memoráveis páginas em que ele está planejando seu crime, já que a eliminação de uma pessoa velha, sovina, ruim, despida de todo e qualquer predicado mais benevolente, com caráter criticável, com o de sua inquilina seria uma grande atitude de saneamento. Seria equivalente a matar uma pulga. Um ser vivo que inspira apenas repulsa e sem qualquer pessoa para defendê-la.
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Claro há um crime na horizonte. Vai ser cometido um crime. Mas, socialmente capaz de acarretar tantos benefícios que perderia sua carga delituosa. O que poderia servir para dispensar a tal atitude uma espécie de perdão, ou punição branda.
Bem diferente da máxima do "dura lex, sed lex", pouco respeitada nos dias de hoje até por magistrados e políticos de expressão, ao que parece.
E aqui uma questão talvez menor, mas importante: ao juiz não cabe emitir esse tipo de opinião, dos crimes que podem ou não, serem punidos. Dos que são mais ou menos prejudiciais. Desde que sejam crimes, todos são iguais na forma de serem tratados. E para outras considerações, a própria lei já traz as atenuantes e/ou os agravantes, não sendo adequado que o juiz traga elementos novos de entendimento ao arrepio da lei e segundo suas convicções de momento.
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Não há caixa dois do bem. Há apenas um crime de caixa dois.
O dinheiro depositado em dado momento na Suíça, pode amanhã favorecer um novo mandato, ou nova eleição, contribuindo da mesma forma que o outro, para o atentado à democracia.
Além disso, ambos dão crimes igualmente medonhos, da pior espécie, seja por obtenção de financiamentos de empresas que ganharam concorrências fraudadas, seja por recursos obtidos como recompensa por favores prestados pelo servidor responsável pelo interesse do público, e que traiu tal compromisso.
Crime é crime.
E para mostrar a gravidade do crime sob suas duas facetas, basta lembrar que esse recurso desviado, não registrado e contabilizado, que pode ter sido utilizado para bancar os pagamentos dos marqueteiros das campanhas milionárias de venda de imagens e ilusões, podem ter deixado de se destinarem a hospitais, condenando milhares de pacientes à morte, ou deixado de irem para as ações de saneamento básico, condenando à zica, à microcefalia, à falta de estudos, à morte em vida de milhares, até milhões de brasileiros.
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Para Raskólnikov, por mais que o crime pudesse ser justificável, restou ainda a punição de sua própria consciência. Afinal, tratava-se de um livro, um romance.
Para os criminosos de PT , PSDB, PMDB e tantos outros Ps que infestam nossa política e seus podres poderes, a dúvida é se há algum tipo de consciência a se manifestar.

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