quarta-feira, 26 de abril de 2017

Reforma trabalhista e o que a teoria econômica diz sobre poder de negociação entre patrões e empregados

Em minha opinião, quando se fala em negociação entre duas ou mais partes, é comum que se estabeleça o pressuposto de que ambos os lados ou partes da contenda tenham, minimamente,  algum tipo de força ou poder que possa exercer em relação ao lado contrário.
Não fosse assim, não seria necessária a negociação, nem deveríamos nos referir à decisão definida como sendo fruto de um acordo que encaro sempre como uma solução de compromisso, também referida como um consenso. Ou seja, uma decisão em que todas as partes resolvem ceder ou admitem perder algo, para obter alguma vantagem. 
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Dentro dessa visão é que, quando se trata de questões vinculadas, por exemplo, à negociação salarial, é comum que os teóricos e analistas que tratam do tema reconheçam que, embora existam diferenças institucionais e sócio-culturais entre os distintos países, ainda assim, é possível estabelecer-se algumas formas mais gerais de tipo de negociações, e até mesmos alguns elementos ou forças que permitam se tentar formular algo como uma teoria geral da determinação dos salários. 
Olivier Blanchard, o celebrado economista, autor de vários e importantes manuais de Macroeconomia, por exemplo, cita a existência de um tipo de determinação de salários que se dá pela negociação coletiva entre empregadores e empregados, que pode se dar entre um sindicato ou um grupo de sindicatos, e uma empresa ou grupo de empresas. E um outro tipo de negociação, individual. 
Reconhece ainda um terceiro mecanismo de determinação de salários, que ele chama de pegar ou largar, que ocorre em situações em que não há qualquer possibilidade de negociação entre o patrão e seu empregado. 
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Nesse caso, o patrão fixa o salário e ou o trabalhador aceita o valor e passa a trabalhar, ou não será empregado. 
Classifico, acho que sem qualquer dúvida ou crítica de qualquer pessoa, como também o faz Blanchard, que tal situação não pode ser classificada como um exemplo de negociação. 
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Nos outros dois casos, de negociação, coletiva ou individual, alguns fatores ajudam a definir o tamanho do poder de negociação de que é dotada cada parte da discussão. 
Em primeiro lugar, em geral, cita-se a qualificação que se exige do trabalhador para o exercício de suas tarefas, sua especialização, o domínio do conhecimento de como a tarefa deve ser feita e das condições em que ela é realizada no interior da empresa. 
Nesse caso, também influencia a questão externa à empresa, do ambiente do mercado de trabalho, já que como se supõe, um período de crise econõmica e índices de desemprego elevados, faz com que a substituição desse trabalhador mais experiente, no qual a empresa já pode ter, inclusive investido recursos em treinamentos e qualificação, possa ser realizada de maneira mais fácil.
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Dessa forma, a ninguém escapa o fato de que o poder de negociação não é necessariamente o mesmo, podendo flutuar de acordo com a a fase do ciclo que a conjuntura econômica esteja atravessando. 
Por exemplo, em momentos de auge cíclico, país em crescimento e alto nível de emprego, o poder de negociação do trabalhador se eleva. 
Mas, um fato é constante: sempre, em maior ou menor intensidade, as partes envolvidas detêm algum poder de negociação. E conseguem arrancar, ora menos, ora mais vantagens do acordo de compromisso firmado. 
Salvo a questão do empregado cuja natureza do trabalho não lhe exigindo nada, pode ser tratado como os milhares de trabalhadores atendentes em cadeias de fast-food, como o McDonald's, exemplo citado por Blanchard, ou como os balconistas de lanchonetes dos centros das cidades grandes de nosso país, para ficar apenas em alguns exemplos. 
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Entretanto, ao apresentar em seu livro de Macroeconomia as consequências da determinação dos salários e dos preços, e encaminhar sua apresentação para o modelo conhecido como a síntese neoclássica, o modelo de Oferta Agregada - Demanda Agregada e a apresentação do que ele chama de nível de equilíbrio da renda ou produto de equilíbrio, alguns elementos que vão sendo introduzidos, acabam atraindo nossa atenção e nos impedindo de perceber como, na verdade, a negociação salarial é pouco ou quase nada uma situação em que as partes ostentam poder de negociação aproximadas. 
Sempre o poder de negociação praticamente se concentra todo na mão do empresário que, é bom lembrarmos, por ser dono de propriedades, sejam os bens de produção ou capital físico, seja a terra, psde, se assim o desejar, aproveitar ele mesmo para trabalhar e produzir em suas posses, já que como homem, também ele tem a capacidade de trabalhar. 
Logo, não depende de ninguém para obter sua sobrevivência. 
Por outro lado, o trabalhador, aquele que é completamente desprovido de qualquer outra propriedade exceto sua capacidade de trabalhar, não pode produzir, nem sobreviver, porque não  há como plantar alimentos, ou produzir roupas e outros bens que lhe asseguram a vida, sem terras para plantar ou máquinas. ***
Ou seja, o trabalhador até para trabalhar e produzir seu sustento depende da aprovação, de um ato de vontade, ou piedade, do dono das propriedades. Que se utiliza de tal poder para negociar tal cessão de propriedades de forma sempre a se beneficiar mais e até explorar o despossuído. 
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Mas, voltemos à questão da fixação de salários por meio de uma negociação que, para Blanchard e a corrente de pensamento a que ele se filia, se dá entre trabalhadores que visam a obtenção de um salário real, ou seja, a negociação se dá com o trabalhador objetivando obter bens em quantidade para garantir sua vida, e não uma soma monetária qualquer. Essa soma ele obterá pela simples multiplicação dos produtos que lhe importam de fato, por seus preços no mercado. 
Ou em economês, o que importa ao trabalhador não é o salário em grana que recebe, mas o poder de compra dessa grana, aquilo que, concretamente pode ser fruto da transformação dessa grana em bens. 
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Assim, pode-se dizer que as quantidades de bens, que são o que importa aos trabalhadores, podem ser calculadas, pela divisão do salário em moeda pelos preços dos bens da cesta básica de consumo do trabalhador. 
No entanto, como são fixados tais preços? Pela teoria,  esses dependem sempre de uma decisão inquestionável e discricionária do empresário, que é quem conhece seus custos de produção, os quais soma para acrescentar ao valor assim obtido, uma margem de lucros que ele determina e que objetiva conquistar.
Percebe-se assim que se fosse verdade que os trabalhadores quando negociam salários pensam apenas naquilo em que podem transformá-los, eles estariam abrindo mão de seu poder para os empresários, já que nada impediria aos patrões, depois de acertado um valor de pagamento em moeda, de eleverem seus preços.
Por essa razão, Keynes nunca admitiu que fossem os salários, sob a forma de bens, que os trabalhadores negociassem, como era proposto pela escola clássica. Justamente por não terem como controlar o que aconteceria com os preços. 
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Mas voltemos ao tema da negociação de salários e da determinação de salários e preços, que conduzem ao conceito de taxa natural de desmprego, uma taxa que deveria existir de desemprego para assegurar que a economia não entraria em crise, alcançando seu equilíbrio. 
Nesse ponto, é preciso reconhecer um avanço da ideia exposta em relação à ficção da escola clássica, que não admitia, por suas hipóteses, que houvesse qualquer desemprego involuntário. Ou só estariam desempregados aqueles que, por qualquer motivo, não quisessem mesmo trabalhar. 
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Dito isso, Blanchard avança para a apresentação do modelo já citado de Oferta Agregada/Demanda Agregada, que não exporei para não cansar ao amigo que me lê, mas que permite ao economista extrair duas conclusões que valem a pena mencionar. 
A primeira que diz que, caso algum fator como o aumento do seguro desemprego (que quando se eleva provoca aumento do poder de negociação do trabalhador e, em consequência eleva o salário real) viesse a ter lugar, isso levaria a aumento do salário para qualquer que fosse a taxa de desemprego. Mas, a economia iria se mover na direção de um aumento da elevação da taxa de desemprego necessário para seu equilíbrio, ou de sua taxa natural de desemprego, já que: "uma taxa de desemprego maior é necessária para trazer o salário real DE VOLTA PARA O QUE AS EMPRESAS ESTEJAM DISPOSTAS A PAGAR".
E prossegue para concluir: é esse movimento que levou alguns economistas a chamarem o desemprego de mecanismo de disciplina. 
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Apenas para reforçar, como a empresa é quem decide se vai ou não demitir o trabalhador, verifica-se que, por esse raciocínio, não há qualquer situação em que o trabalhador possa minimamente ter algum poder de barganha, nesse caso. 
Aqui, ele se submete ao poder da empresa, tanto quanto se fosse um funcionário do McDonald's.
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Por outro lado, prossegue nosso autor, caso as empresas deliberem aumentar suas margens de lucro, um "nível de desemprego maior É NECESSÁRIO para FAZER OS FUNCIONÁRIOS ACEITAREM ESSE SALÁRIO REAL (que um aumento de preços representaria), MENOR, levando a um aumento da taxa natural de desemprego 
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Mais uma vez, aqui, mesmo quando as empresas é que estão desejando obter ganhos maiores, para poder conseguir tal objetivo, sem reações dos empregados, elas provocam demissões e o desemprego se eleva. 
Em outras palavras, em teoria, se os trabalhadores querem obter maiores ganhos, eles perdem, por serem demitidos para não reclamarem de seus salários. 
Se é a empresa, ela demite, para que os trabalhadores não sejam um obstáculo à realização de suas vontades. 
E depois vêm dizer que há negociação e que há acordos no mercado. Onde, por hipótese, ambos os lados, patrões e empregados estão barganhando preços. 
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Bem, todo esse pitaco, para lamentar que ainda tem gente que defende a reforma trabalhista, como se ela fosse algo que pudesse ajudar a reforçar a posição de negociação do trabalhador. 
Que os empresários comemorem esse resultado, vá lá. 
Mas que quem não é empresário acredite que o acordado pode ser melhor sobre o que a legislação prevê, que é apresentado como a principal conquista da reforma que o Congresso está votando, é coisa que não dá para entender. 
Ou que exige que alguém possa dissertar a respeito, para mostrar o erro que tal falácia apresenta. 
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Com leis o trabalhador já é explorado, como o demonstram as milhares de ações trabalhistas nos tribunais do país, sem elas então.... 
Só nos resta ver a desgraça que esse ser assemelhado ao demo, que ocupa o Planalto por força de um golpe e de seu mau caratismo poderá provocar... 
É isso.

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