segunda-feira, 27 de abril de 2020

Desgoverno e fábrica de crises: o que esperar mais do final - melancólico - de Bolsonaro?


Acho muito curioso e até me esforço para tentar entender o tipo de lógica  subjacente ao comportamento das pessoas que se mostram totalmente favoráveis ao liberalismo econômico, à liberdade individual de empreender, produzir e buscar ganhar os recursos necessários a sua vida. Liimitadas tais liberdades ao exercício de atividades consideradas legais, ou que não firam a liberdade de outros.
Minha estranheza vem especialmente em relação àqueles que, se abraçam essa postura no tocante ao domínio econômico, mostram-se completamtente avessos ao exercício dos mesmos direitos e liberdades individuais  no que se refere a outras esferas do comportamento humano.
Exemplo disso é a questão do aborto, criminalizado desde sempre, como se o corpo da mulher não fosse propriedade exclusiva dela, sobre a qual não poderiam prevalecer as regras definidas por sua proprietária.
Penso que, talvez, a contradição entre a não aceitação de uma filosofia liberal, individualista, como norma de conduta na questão dos costumes, ao contrário da aceitação do mesmo viés individual no campo econômico poderia ser explicado por questões de fundo religioso.
No entanto, partindo do princípio fundamental de que também o religioso é uma questão de opção individual, duvido que fosse possível que a decisão maior, relativa à forma de expressão da religiosidade não se impusesse a qualquer ação ou decisão decorrente dos preceitos secundários (em termos de relevância), cuja validade seria inquestionável apenas para os seguidores e iniciados.
Ou seja: como ninguém é obrigado a ter uma religião específica, nem sequer a ter uma religião, não seria coerente que os princípios daquela crença pudessem se impor a todos.
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Faço essas reflexões, quem sabe bizantinas, a propósito do discurso, completamente desconexo, com que Jair Bolsonaro tentou por em pratos limpos, ou esclarecer cabalmente,  a saída de seu governo do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Aquele ex-juiz que, na feliz manifestação de Reinaldo Azevedo saiu de onde esteve sempre ausente.
No patético discurso em que tentou desconstruir a imagem de heroi nacional de Moro, o presidente fez referência à nomeação de Ilona Szabó para cargo por indicação do ministro, deixando claro sua incompatibilidade com as bandeiras de seu governo, entre as quais a questão do aborto.
A mim, soou como se Bolsonaro tentasse passar a mensagem, aos seus eleitores, em geral, e evangélicos em particular, de que Moo não seria contrário à legalização do aborto, assim como a armamento da população, e tantas outras bandeiras que em defesa da causa dos milicianos.
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Essas questão do aborto mexeu comigo, primeiro por que era um assunto que não tinha qualquer vínculuo com o que estava em discussão.
Em segundo lugar, despertou mais uma vez minha perplexidade. Afinal, pela fala do presidente, ficamos todos sabendo que ele respeita e até adota comportamentos de rompante na defesa da liberdade individual de ir e vir; em favor de que as pessoas tenham liberdade para se exercitarem na praia, ainda que em flagrante desrespeito a normas de convívio social baixadas com o objetivo de preservação da vida e da saúde dos outros cidadãos; enquanto no âmbito econômico, tenham plena liberdade para agirem como bem entenderem.
Refletindo, cheguei à conclusão de que a questão é toda uma só: DINHEIRO.
O que envolve dinheiro e as formas de obtê-lo ou gastá-lo, não devem ser objeto de intervenção ou regulação. Ideias e comportamentos que não envolverem diretamente ao maldito senhor, podem e devem ser tutelados pelo Estado ou pelos governantes de ocasião.
O que não deixa de ter sua graça, considerando-se que a própria Bíblia se incumbe de nos alertar que ninguém deve servir a dois senhores.
Mas, como também afirmava o filósofo e economista francês  Serge Latouche, em seu Análise Econômica e Materialismo Histórico, o dinheiro está para a superação de nossas fases de desenvolvimento da personalidade, como o excremento.
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Para personalidades deformadas ou mau formadas, como a do ocupante da presidência, não é de se admirar que o que envolve dinheiro seja tolerado sem restrições.
Como são exemplo a discussão da reabertura dos cassinos, ou da prática dos crimes ambientais, ou ainda a política explícita pró-armamento, ou qualquer outra que fira direitos consagrados como incentivo à invasão de reservas indígenas com garimpos e outras tantas.
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E enquanto o Brasil se vê às voltas com a  ressaca provocada pela quarentena, e pasmo com a quantidade de crises que os ocupantes do poder - Bolsonaro e seus três filhoes - , conseguem produzir, vão passando despercebidos outras medidas de governo, mais sérias e mais preocupantes, em especial em relação à manutenção de um ambiente minimamente preservado, para assegurar o futuro de nossos filhos.
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Afinal, sem que fosse dado o devido alarde, seja por todas as atenções estarem focadas na evolução da pandemia, seja por força das crises infinitas do poder, o sinistro e condenado Ricardo Salles, que ocupa a pasta do Meio Ambiente apenas com a finalidade de destruir o que resta ainda de nosso patrimônio natural, assinou despacho concedendo anistira para desmatadores de uma das regiões mais devastadas de nosso meio ambiente: a Mata Atlântica.
Seu despacho encontra amparo em parecer emitido pela Advocacia Geral da União, desse desgoverno que está infelicitando o país, mas o despacho tem força vinculante, o que além de beneficiar a retomada das atividades de exploração econômica da área invadida até 2008, sem que seus responsáveis tivessem que promover sua regeneração, vai permitir que todas as multas aplicadas em todo o período de destruição da Mata, possam ser anuladas.
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Por trás da decisão da AGU, a poderosa CNA, que agora se congratula e comemora, mesmo que a Área de Preservação Ambiental continue sendo objeto de cobiça, de agressões, inclusive com desmate de matas ciliares e espécies de árvores importantes para a preservação de mananciais.
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Depois irão dizer que não há corrupção nesse governo!
Na verdade, nem precisa que a corrupçãó se manifeste de forma aberta e desavergonhada. Basta para isso que medidas de interesse óbvio para setores empresariais possam ser adotadas, reforçando a capacidade de geração de dinheiro e poder, para esses grupos no presente, e que no futuro, estejamos atentos ao financiamento de campanhas de bandidos como Salles, que no lugar de estar no Ministério, deveria estar atrás das grades.
Fazendo companhia, na prisão ao dono do laranjal, que ocupa o Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, ou ao Queiroz, amigo do peito, ou ao comandante do gabinete do ódio, agora também suspeito de comandar o esquema de “fakes news”, ou ainda a Flávio, o responsável pela rachadinha. 
Parece que, das grades, escapam apenas Eduardo, o bananinha que teria o risco de se tornar mero lanche na cadeia ou o 04, esse raro exemplar de garanhão, em condomínios da Barra da Tijuca.
Mas, devo me penitenciar, e deixar claro para os poucos amigos leitores, que o meu desejo de verem presos o próprio Marcelo Álvaro Antônio, ou Carluxo e Flávio, ou ainda Guedes por suas propaladas falcatruas em gestão de fundos de pensão, não passa de manifestação de vontade, ou delírio meu.
Isso porque nenhum deles foi condenado. A rigor, nem foram investigados e, a julgar pela nova direção da PF e do ministério da Justiça, nem serão.
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Quanto à saída do grupo ministerial de Mandetta, primeiro, e depois de Moro, não há muito a comentar. Tudo já foi dito, antes que eu tivesse tempo para dar meus pitacos.
Mandetta, que saiu como heroi ,era um deputado do grupo do baixo clero, ocupando não apenas gabinete mas até mesmo a posição de amigo e conselheiro de Bolsonaro. Ambos insignificantes.
Oportunista e inteligente, algo de que Bolsonaro já provou que não pode ser acusado, percebeu, quando da chegada da pandemia que sua responsabilidade de médico não poderia ser colocada em segundo plano. Para ficar bem com os colegas e interesses que sempre representou, tinha que continuar mantendo a postura de médico preocupado com sua reputação. Por isso, e por prudência, optou por seguir o que a OMS recomendava, como o isolamento social, por exemplo.
Nem mesmo no caso de remédios, embarcou em indicação de curas milagrosas, como seu chefe, que não tem nenhum perfil a zelar.
Foi defenestrado por isso mesmo. E não saiu atirando, já que o assunto em discussão era não apenas restrito, mas de futuro imprevisível.
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Mas não custa lembrar que, enquanto deputado pelo despudorado DEM, foi um dos que participaram do golpe parlamentar (ou pra lamentar) que culminou com o afastamento da presidenta Dilma.
Depois, votou contra a continuidade do programa Mais Médicos e deu outras demonstrações de que a saúde da população era apenas uma capa, tênue e frágil, para seus interesses menores.
Saiu engrandecido, menos por seu papel,  e mais por não pertencer mais a um governo que tenta desconstruir, para se impor.
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Quanto a Moro, todos que já leram esses pitacos sabem bem meu pensamento a seu respeito. Para mim, juiz que rompeu os limites da legalidade de seus atos, a impessoalidade, a própria justiça, a que manipulou sem escrúpulos, é tão criminoso quanto outros a que condenou, ou expôs em público.
Exposições, às vezes, por meio de vazamentos ilegais, como o da conversa da presidenta Dilma, findo o prazo legal de realização das gravações.
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Em todos os momentos em que seu comportamento foi o de mero delinquente, ou bandido de toga, ele não se fez de rogado, e reconheceu o erro, e se escusou!!!
Mas o ilícito já estava cometido e suas consequências surtindo efeito.
Como não sou de defender bandido, nunca o vi como paladino da moralidade nem da luta anticorrupçãó. Isso não me deixa esquecer que, para ele, não houve problema com o caixa 2 da campanha de Onyx, que de resto reconheceu o erro e se desculpou.
Depois, quando da questão do laranjal de seu colega do Turismo, nada fez para que a apuração pudesse fluir de forma a não dar a impressão de que dependendo do lado do criminoso, não havia problema algum.
Em passagens outras, agiu sempre na defesa de seu chefe, advogando a seu favor, ou se omitindo, seja nas tentativas de interferência na Polícia Federal, seja na questão de atos contraários à Constituição, ao Estado de Direito e à democracia.
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Quando flagrado nas gravações da Vaza Jato, optou por não reconhecer a forma como as gravações vieram à luz. Dessa forma, se omitiu e, mais uma vez, não comentou das acusações que lhe eram atribuídas, ainda que elas não tivessem força de acusações formais.
Se naquela ocasião, deixou clao que gravações sem consentimento não eram material apto a servir de prova, agora, como na ocasião dos julgamentos de Lula, não se fez de rogado, e expõe, faz vazar gravações semelhantes àquelas que criticava.
Ou seja: o que vale para fortalecer seu lado e sua versão, não tem validade para ser usada contra ele.
Assim fica fácil. E ainda sai como paladino e candidato potencial para infelicitar o país em 2022.
Aliás, só não consegue ser pior que o chefe de quem agora se separa, traindo.
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Queira Deus que a Globo pare de insistir em cosntruir sua fama e imagem de bom moço. E que a sociedade brasileira, já vacinada, não sucumba aos encantos do marreco.
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Para mim, já sai tarde de onde não deveria ter estado.
E o que estamos assistindo é a discussão entre comparsas, do mesmo tipo de outras discussões acaloradas e até acareações de que a nossa história judicial tem tantos exemplos.
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Resta agora, que o presidente, já desnudado por seu ex-ajudante, seja também investigado, deposto e preso pelos crimes que cometeu, em tese. E leve consigo os numerais que atendem pela alcunha de seus filhos.


3 comentários:

Anônimo disse...

Moro conseguiu expor duas reputações ao mesmo tempo. Primeiro a de seu ex-chefe ao deixar evidenciado o seu caráter autoritário, intervencionista e passional. Características estas incompatíveis para com um chefe de Estado. Segundo a si mesmo, afinal demonstrou pactuar das posturas do ex-chefe por um bom tempo, deixando evidente seu egocentrismo (ao chamar uma entrevista coletiva); oportunismo (alardear que não podia manchar a própria biografia... como se já não estivesse) e ainda covardia (abandona o barco que está afundando em crises de toda ordem).
Digo que as reputações dos atores foram afetadas porque muita gente ainda acreditada na reputação de ambos e pelo menos uma parte delas ficaram, no mínimo, com "a pulga atrás da orelha".
Até porque o pronunciamento de Moro vem suscitando diversas análises, que por sua vez vem desnudando-o, mas perante o senso comum, talvez ainda desfrute da imagem de paladino... o que é lamentável. jair tem vocação impar para a auto-combustão... levando o país a reboque. A pergunta ainda permanece: até quando a sociedade civil permitirá???

Fernando Moreira

Unknown disse...

A cada dia que passa a imagem do presidente derrete frente a todo o país.
O único apoio restante são os seus seguidores fiéis, que o consideram como o verdadeiro Messias.
Esses são cegos e incapazes de imputar a ele culpa ou má intenção nos seus atos, mesmo que seja pego em flagrante, vão jurar de pé junto que isso faz parte de uma conspiração do PT ou de comunistas para incriminá-lo.
Acredito ser apenas uma questão de tempo, para que o sua "brincadeira de presidente" acabe.
Quem ainda o mantém no cargo são os empresários que bancaram sua campanha e acreditam no Paulo Guedes.
Moro e Guedes são os pilares de seu governo..
Um pilar já caiu, o outro se mostra abalado e murcho a cada dia que passa..
Inclusive, faço aqui no meu questionamento e pedido para um próximo pitaco..
Como o senhor vê uma possível recuperação econômica do país, pós pandemia, com um ministro que defende o liberalismo econômico e vai contra a intervenção do estado na economia.

Matheus Guimarães

Nilton Henrique disse...

Na boa, a pessoa que se diz liberal na economia e conservador nos costumes, tem que ser chamado de conservador e pronto, nada mais e nada menos. Referente ao aborto na minha opinião teria que ter um plebiscito a cada 5 anos em que apenas mulheres poderiam votar para legalização do aborto ou não.