Acho muito curioso e até me esforço para tentar entender o
tipo de lógica subjacente ao
comportamento das pessoas que se mostram totalmente favoráveis ao liberalismo
econômico, à liberdade individual de empreender, produzir e buscar ganhar os
recursos necessários a sua vida. Liimitadas tais liberdades ao exercício de atividades
consideradas legais, ou que não firam a liberdade de outros.
Minha estranheza vem especialmente em relação àqueles que, se
abraçam essa postura no tocante ao domínio econômico, mostram-se completamtente
avessos ao exercício dos mesmos direitos e liberdades individuais no que se refere a outras esferas do comportamento
humano.
Exemplo disso é a questão do aborto, criminalizado desde
sempre, como se o corpo da mulher não fosse propriedade exclusiva dela, sobre a
qual não poderiam prevalecer as regras definidas por sua proprietária.
Penso que, talvez, a contradição entre a não aceitação de
uma filosofia liberal, individualista, como norma de conduta na questão dos
costumes, ao contrário da aceitação do mesmo viés individual no campo econômico
poderia ser explicado por questões de fundo religioso.
No entanto, partindo do princípio fundamental de que também
o religioso é uma questão de opção individual, duvido que fosse possível que a
decisão maior, relativa à forma de expressão da religiosidade não se impusesse
a qualquer ação ou decisão decorrente dos preceitos secundários (em termos de
relevância), cuja validade seria inquestionável apenas para os seguidores e iniciados.
Ou seja: como ninguém é obrigado a ter uma religião específica,
nem sequer a ter uma religião, não seria coerente que os princípios daquela crença
pudessem se impor a todos.
***
Faço essas reflexões, quem sabe bizantinas, a propósito do discurso,
completamente desconexo, com que Jair Bolsonaro tentou por em pratos limpos, ou
esclarecer cabalmente, a saída de seu governo
do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Aquele ex-juiz que, na
feliz manifestação de Reinaldo Azevedo saiu de onde esteve sempre ausente.
No patético discurso em que tentou desconstruir a imagem de
heroi nacional de Moro, o presidente fez referência à nomeação de Ilona Szabó
para cargo por indicação do ministro, deixando claro sua incompatibilidade com
as bandeiras de seu governo, entre as quais a questão do aborto.
A mim, soou como se Bolsonaro tentasse passar a mensagem, aos
seus eleitores, em geral, e evangélicos em particular, de que Moo não seria
contrário à legalização do aborto, assim como a armamento da população, e tantas
outras bandeiras que em defesa da causa dos milicianos.
***
Essas questão do aborto mexeu comigo, primeiro por que era
um assunto que não tinha qualquer vínculuo com o que estava em discussão.
Em segundo lugar, despertou mais uma vez minha perplexidade.
Afinal, pela fala do presidente, ficamos todos sabendo que ele respeita e até
adota comportamentos de rompante na defesa da liberdade individual de ir e vir;
em favor de que as pessoas tenham liberdade para se exercitarem na praia, ainda
que em flagrante desrespeito a normas de convívio social baixadas com o objetivo
de preservação da vida e da saúde dos outros cidadãos; enquanto no âmbito
econômico, tenham plena liberdade para agirem como bem entenderem.
Refletindo, cheguei à conclusão de que a questão é toda uma
só: DINHEIRO.
O que envolve dinheiro e as formas de obtê-lo ou gastá-lo,
não devem ser objeto de intervenção ou regulação. Ideias e comportamentos que
não envolverem diretamente ao maldito senhor, podem e devem ser tutelados pelo
Estado ou pelos governantes de ocasião.
O que não deixa de ter sua graça, considerando-se que a
própria Bíblia se incumbe de nos alertar que ninguém deve servir a dois
senhores.
Mas, como também afirmava o filósofo e economista francês Serge Latouche, em seu Análise Econômica e Materialismo
Histórico, o dinheiro está para a superação de nossas fases de desenvolvimento
da personalidade, como o excremento.
***
Para personalidades deformadas ou mau formadas, como a do ocupante
da presidência, não é de se admirar que o que envolve dinheiro seja tolerado
sem restrições.
Como são exemplo a discussão da reabertura dos cassinos, ou da
prática dos crimes ambientais, ou ainda a política explícita pró-armamento, ou
qualquer outra que fira direitos consagrados como incentivo à invasão de reservas
indígenas com garimpos e outras tantas.
***
E enquanto o Brasil se vê às voltas com a ressaca provocada pela quarentena, e pasmo com
a quantidade de crises que os ocupantes do poder - Bolsonaro e seus três filhoes
- , conseguem produzir, vão passando despercebidos outras medidas de governo,
mais sérias e mais preocupantes, em especial em relação à manutenção de um
ambiente minimamente preservado, para assegurar o futuro de nossos filhos.
***
Afinal, sem que fosse dado o devido alarde, seja por todas
as atenções estarem focadas na evolução da pandemia, seja por força das crises
infinitas do poder, o sinistro e condenado Ricardo Salles, que ocupa a pasta do
Meio Ambiente apenas com a finalidade de destruir o que resta ainda de nosso
patrimônio natural, assinou despacho concedendo anistira para desmatadores de
uma das regiões mais devastadas de nosso meio ambiente: a Mata Atlântica.
Seu despacho encontra amparo em parecer emitido pela Advocacia
Geral da União, desse desgoverno que está infelicitando o país, mas o despacho
tem força vinculante, o que além de beneficiar a retomada das atividades de
exploração econômica da área invadida até 2008, sem que seus responsáveis
tivessem que promover sua regeneração, vai permitir que todas as multas
aplicadas em todo o período de destruição da Mata, possam ser anuladas.
***
Por trás da decisão da AGU, a poderosa CNA, que agora se
congratula e comemora, mesmo que a Área de Preservação Ambiental continue sendo
objeto de cobiça, de agressões, inclusive com desmate de matas ciliares e espécies
de árvores importantes para a preservação de mananciais.
***
Depois irão dizer que não há corrupção nesse governo!
Na verdade, nem precisa que a corrupçãó se manifeste de forma
aberta e desavergonhada. Basta para isso que medidas de interesse óbvio para setores
empresariais possam ser adotadas, reforçando a capacidade de geração de dinheiro
e poder, para esses grupos no presente, e que no futuro, estejamos atentos ao
financiamento de campanhas de bandidos como Salles, que no lugar de estar no
Ministério, deveria estar atrás das grades.
Fazendo companhia, na prisão ao dono do laranjal, que ocupa
o Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, ou ao Queiroz, amigo do peito, ou ao
comandante do gabinete do ódio, agora também suspeito de comandar o esquema de “fakes
news”, ou ainda a Flávio, o responsável pela rachadinha.
Parece que, das grades, escapam apenas Eduardo, o bananinha
que teria o risco de se tornar mero lanche na cadeia ou o 04, esse raro
exemplar de garanhão, em condomínios da Barra da Tijuca.
Mas, devo me penitenciar, e deixar claro para os poucos
amigos leitores, que o meu desejo de verem presos o próprio Marcelo Álvaro
Antônio, ou Carluxo e Flávio, ou ainda Guedes por suas propaladas falcatruas em
gestão de fundos de pensão, não passa de manifestação de vontade, ou delírio
meu.
Isso porque nenhum deles foi condenado. A rigor, nem foram
investigados e, a julgar pela nova direção da PF e do ministério da Justiça,
nem serão.
***
Quanto à saída do grupo ministerial de Mandetta, primeiro, e
depois de Moro, não há muito a comentar. Tudo já foi dito, antes que eu tivesse
tempo para dar meus pitacos.
Mandetta, que saiu como heroi ,era um deputado do grupo do
baixo clero, ocupando não apenas gabinete mas até mesmo a posição de amigo e
conselheiro de Bolsonaro. Ambos insignificantes.
Oportunista e inteligente, algo de que Bolsonaro já provou
que não pode ser acusado, percebeu, quando da chegada da pandemia que sua
responsabilidade de médico não poderia ser colocada em segundo plano. Para
ficar bem com os colegas e interesses que sempre representou, tinha que
continuar mantendo a postura de médico preocupado com sua reputação. Por isso, e
por prudência, optou por seguir o que a OMS recomendava, como o isolamento
social, por exemplo.
Nem mesmo no caso de remédios, embarcou em indicação de
curas milagrosas, como seu chefe, que não tem nenhum perfil a zelar.
Foi defenestrado por isso mesmo. E não saiu atirando, já que
o assunto em discussão era não apenas restrito, mas de futuro imprevisível.
***
Mas não custa lembrar que, enquanto deputado pelo despudorado
DEM, foi um dos que participaram do golpe parlamentar (ou pra lamentar) que culminou
com o afastamento da presidenta Dilma.
Depois, votou contra a continuidade do programa Mais Médicos
e deu outras demonstrações de que a saúde da população era apenas uma capa,
tênue e frágil, para seus interesses menores.
Saiu engrandecido, menos por seu papel, e mais por não pertencer mais a um governo
que tenta desconstruir, para se impor.
***
Quanto a Moro, todos que já leram esses pitacos sabem bem meu
pensamento a seu respeito. Para mim, juiz que rompeu os limites da legalidade
de seus atos, a impessoalidade, a própria justiça, a que manipulou sem
escrúpulos, é tão criminoso quanto outros a que condenou, ou expôs em público.
Exposições, às vezes, por meio de vazamentos ilegais, como o
da conversa da presidenta Dilma, findo o prazo legal de realização das
gravações.
***
Em todos os momentos em que seu comportamento foi o de mero
delinquente, ou bandido de toga, ele não se fez de rogado, e reconheceu o erro,
e se escusou!!!
Mas o ilícito já estava cometido e suas consequências
surtindo efeito.
Como não sou de defender bandido, nunca o vi como paladino
da moralidade nem da luta anticorrupçãó. Isso não me deixa esquecer que, para
ele, não houve problema com o caixa 2 da campanha de Onyx, que de resto reconheceu
o erro e se desculpou.
Depois, quando da questão do laranjal de seu colega do Turismo,
nada fez para que a apuração pudesse fluir de forma a não dar a impressão de
que dependendo do lado do criminoso, não havia problema algum.
Em passagens outras, agiu sempre na defesa de seu chefe, advogando
a seu favor, ou se omitindo, seja nas tentativas de interferência na Polícia Federal,
seja na questão de atos contraários à Constituição, ao Estado de Direito e à
democracia.
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Quando flagrado nas gravações da Vaza Jato, optou por não
reconhecer a forma como as gravações vieram à luz. Dessa forma, se omitiu e,
mais uma vez, não comentou das acusações que lhe eram atribuídas, ainda que elas
não tivessem força de acusações formais.
Se naquela ocasião, deixou clao que gravações sem
consentimento não eram material apto a servir de prova, agora, como na ocasião
dos julgamentos de Lula, não se fez de rogado, e expõe, faz vazar gravações semelhantes
àquelas que criticava.
Ou seja: o que vale para fortalecer seu lado e sua versão,
não tem validade para ser usada contra ele.
Assim fica fácil. E ainda sai como paladino e candidato
potencial para infelicitar o país em 2022.
Aliás, só não consegue ser pior que o chefe de quem agora se
separa, traindo.
***
Queira Deus que a Globo pare de insistir em cosntruir sua
fama e imagem de bom moço. E que a sociedade brasileira, já vacinada, não sucumba
aos encantos do marreco.
***
Para mim, já sai tarde de onde não deveria ter estado.
E o que estamos assistindo é a discussão entre comparsas, do
mesmo tipo de outras discussões acaloradas e até acareações de que a nossa
história judicial tem tantos exemplos.
***
Resta agora, que o presidente, já desnudado por seu ex-ajudante,
seja também investigado, deposto e preso pelos crimes que cometeu, em tese. E
leve consigo os numerais que atendem pela alcunha de seus filhos.
3 comentários:
Moro conseguiu expor duas reputações ao mesmo tempo. Primeiro a de seu ex-chefe ao deixar evidenciado o seu caráter autoritário, intervencionista e passional. Características estas incompatíveis para com um chefe de Estado. Segundo a si mesmo, afinal demonstrou pactuar das posturas do ex-chefe por um bom tempo, deixando evidente seu egocentrismo (ao chamar uma entrevista coletiva); oportunismo (alardear que não podia manchar a própria biografia... como se já não estivesse) e ainda covardia (abandona o barco que está afundando em crises de toda ordem).
Digo que as reputações dos atores foram afetadas porque muita gente ainda acreditada na reputação de ambos e pelo menos uma parte delas ficaram, no mínimo, com "a pulga atrás da orelha".
Até porque o pronunciamento de Moro vem suscitando diversas análises, que por sua vez vem desnudando-o, mas perante o senso comum, talvez ainda desfrute da imagem de paladino... o que é lamentável. jair tem vocação impar para a auto-combustão... levando o país a reboque. A pergunta ainda permanece: até quando a sociedade civil permitirá???
Fernando Moreira
A cada dia que passa a imagem do presidente derrete frente a todo o país.
O único apoio restante são os seus seguidores fiéis, que o consideram como o verdadeiro Messias.
Esses são cegos e incapazes de imputar a ele culpa ou má intenção nos seus atos, mesmo que seja pego em flagrante, vão jurar de pé junto que isso faz parte de uma conspiração do PT ou de comunistas para incriminá-lo.
Acredito ser apenas uma questão de tempo, para que o sua "brincadeira de presidente" acabe.
Quem ainda o mantém no cargo são os empresários que bancaram sua campanha e acreditam no Paulo Guedes.
Moro e Guedes são os pilares de seu governo..
Um pilar já caiu, o outro se mostra abalado e murcho a cada dia que passa..
Inclusive, faço aqui no meu questionamento e pedido para um próximo pitaco..
Como o senhor vê uma possível recuperação econômica do país, pós pandemia, com um ministro que defende o liberalismo econômico e vai contra a intervenção do estado na economia.
Matheus Guimarães
Na boa, a pessoa que se diz liberal na economia e conservador nos costumes, tem que ser chamado de conservador e pronto, nada mais e nada menos. Referente ao aborto na minha opinião teria que ter um plebiscito a cada 5 anos em que apenas mulheres poderiam votar para legalização do aborto ou não.
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