quinta-feira, 18 de novembro de 2021

O que dá para rir, dá para chorar? E pau que dá em Chico, dá em Francisco? Reflexões sobre a desoneração da folha

Em 1969, o grupo musical Originais do Samba, ao qual pertencia o inesquecível Mussum, fazia sucesso com uma música de autoria de Billy Blanco,  “Canto Chorado”, cuja primeira estrofe dizia:

O que dá pra rir, dá pra chorar

Questão só de tempo e de medida

Problema de hora e de lugar

Mas tudo são coisas da vida...

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Aqui faço um parênteses para mais uma vez render homenagens à Marília Mendonça, nesses tempos da perda lamentável e precoce da  talentosa rainha da sofrência, em acidente aéreo.

É que mais à frente, a mesma Canto Chorado, tem um verso que nos fala e até tenta definir esse sentimento tão nacional, a sofrência:

Só mesmo a palavra sofrência

Em dicionário não tem

Mistura de dor, paciência

Que riso que é pranto também.

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Mas o pitaco não é sobre sofrência ou música, mas de como uma mesma situação permite abordagens tão contraditórias, a depender da visão ou interesse do analista do fato.

Refiro-me, especificamente à política de desoneração da folha de pagamentos adotada pelo governo Dilma, em 2011, destinado a permitir a 4 setores intensivos em mão de obra (call center, TI, confecções e calçados) a redução do custo de manutenção do emprego formal.

Deixando de pagar a contribuição previdenciária sobre a folha, substituída por um percentual sobre o faturamento bruto das empresas, o governo visava a manutenção do nível de emprego, a adoção de planos de demissão e melhorar a competitividade das beneficiárias.

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De 4, a medida se expandiu para 12 setores em 2012 e para 56 setores em 2014, consequência das pautas bomba tramadas pelos golpistas do Congresso, à frente Eduardo Gomes e o moleque Aécio Neves.

Naquele 2014, Dilma anunciou que a desoneração passaria a ser permanente para todos os setores que se aproveitavam do benefício, cuja contrapartida eram a criação de déficits crescentes para o INSS, rombo que era transferido ao Tesouro, agravando a situação das contas públicas.

Em 2015, em meio ao desespero e ao retorno ao receituário liberal,  Dilma tentou retroceder, reduzindo o percentual da contribuição sobre a receita bruta, medida que serviu apenas para solapar de vez qualquer apoio junto aos setores empresariais.

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 A reação dos meios de comunicação às medidas foram sempre controversas.

A revista Carta Capital, por exemplo, em edição recente, de 2 de setembro de 2021, traz a matéria com a seguinte chamada: “Herança da era Dilma, prorrogação da desoneração divide opiniões”.

Logo abaixo, ao chamar a atenção para o ressurgimento da proposta de se tentar conceder o mesmo alívio aos empresários até 2026, assinala que políticos e pesquisadores divergem sobre os impactos.

Citando estudo do IPEA de 2018 cobrindo o período de 2012 a 2015, revela a ausência de efeitos da desoneração na geração de empregos.

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Outro estudo citado, realizado pelo governo em 2020, indicou impacto previdenciário de 28,8 bilhões no mesmo período do governo Dilma.

A própria Central Única dos Trabalhadores, criticou  a medida, por não gerar novas vagas e permitir aos empresários utilizarem os valores economizados para aumentarem seus lucros.

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Em pleno período dos avanços da operação Lava Jato (a Vaza Jato), do escândalo do petrolão e do aprofundamento da crise econômica que jogou o país em ao menos 3 anos de séria recessão, a reação crítica dos grandes veículos de imprensa, orquestrada em um samba de uma nota só, talvez fosse justificável.

Afinal, os empresários beneficiados não honraram o prometido e demitiram (alegam que as demissões teriam sido maiores). O rombo herdado do governo Dilma foi avaliado no equivalente a meio programa Bolsa Família e a própria presidenta fez um ‘mea culpa’ arrependida de ter acreditado que reduzir impostos levaria a novos investimentos.

Segundo Dilma, “Eu diminuí. Eu me arrependo disso. No lugar de investir, eles aumentaram a margem de lucro”....

(Aqui importa lembrar as lições de Keynes: o empresário investe se tiver expectativa de demanda, e situação econômica estável.)

Após o golpe de 2016, o governo conseguiu reduzir o benefício para apenas 17 setores e o atual presidente vetou uma proposta de prorrogação da desoneração para todos eles aprovada no Legislativo.

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No entanto, sob intensa pressão dos empresários e da aproximação do ano eleitoral de 2022; sob pressão dos representantes eleitos pelo povo, também de olho nas futuras eleições, e sob a desculpa da elevação do desemprego em função da pandemia, o governo mudou sua opinião e seu discurso.

Aprovada na Câmara, a medida da prorrogação, ao menos até 2023, deve ir ao Senado com a promessa de ser aprovada em rito sumário e, então irá à sanção do presidente, que já se comprometeu em não alterar a medida.

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Guedes, o ministro fanfarrão, que parece levitar e vê tudo de cima, talvez sob a influência de uma atmosfera mais rarefeita e rósea, ou sob algum tipo de droga vinculada ao poder, já deu seu 'de acordo'.

Concorda com a prorrogação da desoneração, como concorda com a promessa de seu chefe de conceder reajuste aos servidores públicos. 

Aqui, a ideia é dar uma esperança fake, para que os funcionários (principalmente no legislativo e no judiciário) pressionem os parlamentares para que aprovem a PEC do calote. 

Mas, enquanto vê a economia brasileira crescendo mais que média da economia mundial nesse 2021 e prevê crescimento em V, maior que a média para 2022, Guedes nos informa também em evento promovido pelo Banco Itaú que: 

 "O teto de gastos é apenas um símbolo, uma bandeira de austeridade. Não podemos ser dogmáticos a respeito dele. A prova é que fôssemos respeitar o teto, teria sido uma tragédia econômica e sanitária mais agravada (em 2020)."

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Vivendo e aprendendo, ou talvez tenhamos que saudar o pensador e teórico brilhante, que está trazendo inovações ao pensamento liberal que diz professar. 

Em meio a tanto disparate, e em relação à prorrogação, a imprensa, mesmo que de forma acanhada e desconfiada em relação aos impactos da prorrogação sobre a situação fiscal do país, apenas informa. Evita criticar. Talvez até ria.

O que dá para rir, dá para chorar. Ou dois pesos, duas medidas.

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Mas, já de há muito, sabe-se que pau que dá em Chico (se Chico for negro, pobre, favelado),  não vai dar em Francisco (branco, de classe média, morador em zonas de maior padrão aquisitivo nas nossas cidades).

Quer testar, pergunte à Polícia. Ou veja os mapas da violência em nosso pais. Em especial, consulte mortes em confrontos policiais.

Um comentário:

Anônimo disse...

Penso que desde sempre o Brasil vive estrangulado por uma elite sacana e perversa, que Jessé de Souza chama, apropriadamente, de "Elite do Atraso". E ninguém poderia representa-la melhor do que o atual DESgoverno.
O mea culpa de Dilma é importante, afinal reconhecer os próprios erros é sinal de grandeza, pelo menos em minha opinião. Mas penso que ela foi ingênua ou manipulada, mas principalmente mal assessorada na decisão. Empresário que aumentar suas margens de lucro a qualquer custo, mesmo que seja com a morte da galinha de ouro. O fato é que o neoliberalismo vem ganhando terreno e sepultando os sonhos de alguma melhora na condição de vida da população em geral.
Rasgou o teto de gastos (que tanto defenderam) quando foi do seu interesse político! A DEforma trabalhista de termer, o obscuro, prometia gerar 2 milhões de novos empregos.
Enquanto a população vai perdendo seus parcos direitos, os empresários vão enchendo os cofres. O dólar, a inflação e o nível de desemprego favorece a esta elite: exportação de commodities em dólar, a inflação que permite majorar os preços mais rapidamente e com justificativa e por fim o desemprego em massa, que favorece redução de salários (a velha lei da oferta e procura).
Esta mesma elite ao constatar a perda de popularidade do atual presidente em nível nacional e a perda de legitimidade em nível internacional (vide o comportamento da criatura nos últimos eventos), busca agora uma outra criatura bregamente chamada de terceira via. Até agora todos apontados desta forma apoiaram o genocida de plantão. A mídia já está em campanha para elegê-lo, por hora ainda não tem nome. Mas o suplício dos menos favorecidos e desta classe média decadente continuará...
Fernando Moreira