Não são poucos os movimentos militares destinados à tomada do poder pelas armas, registrados por nossa História.
Entre
tais atos de caráter golpista que visavam subverter a ordem, provocar a queda
do governo ou impedir a posse de governos eleitos, pode ser citada a chamada Revolta dos 18 do Forte ou Revolta do Forte de
Copacabana, primeira de uma série de frustradas tentativas de golpe do que também
é denominado movimento tenentista.
Justificava
a Revolta o desejo do grupo de manifestar sua insatisfação com o resultado das
eleições, além de combater a República Velha e derrubar o governo, para instalar
uma nova forma de governo.
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Não
é necessária, nem merece defesa o regime político, de poder, característico da República Velha, ou República dos Coronéis, ou do café com leite.
As
práticas do regime destinadas a assegurar a permanência da classe representada
pela oligarquia agrária no poder, via rodízio entre as suas distintas facções, eleições
manipuladas, eleições de cabresto, votos seletivos (não reconhecimento do
direito do voto às mulheres, etc.), estão
bem descritas e revelam a falácia de seu caráter democrático.
Examinado por este ângulo, o êxito da tentativa de golpe dos tenentes era mais que
tolerável, desejada pela população de excluídos.
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Mas,
da autobiografia de um de seus heróis, o então capitão Juarez Távora, pode-se
extrair algumas informações que nos permitem formar uma visão mais precisa do
preparo, planejamento, capacidade de organização dos patrocinadores de tal Revolta.
Por
seu relato, a movimentação não estava bem estruturada, com problemas de
comunicação entre os militares, o que o levou a optar por não participar da
marcha iniciada a partir do Forte de Copacabana.
Se
virou um dos líderes do movimento, como admite, não foi por sua participação
ativa na preparação do golpe, mas por estar como comandante do turno da noite, impossibilitado de impedir seus liderados de se insubordinarem, se a memória não
me trai.
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Em
seguida, veio o movimento liderado pelo tenente Luiz Carlos Prestes, mais tarde
transformado no Cavaleiro da Esperança.
Contando
com a participação de Miguel Costa e vários jovens oficiais, entre os quais a
figura de Távora, a Coluna Prestes realizou
uma peregrinação de três anos pelo interior do país, visando denunciar o regime
oligárquico e obter o apoio popular para a aprovação de reformas de cunho
efetivamente democrático.
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Em
1930, a união entre políticos representantes das oligarquias derrotadas na
eleição daquele ano e os tenentes, permitiu a derrubada do governo, a derrocada
da República Velha e a implantação do período de Vargas à frente do Governo.
Interessante
observar que Juarez Távora, comandante das tropas militares de apoio a Getúlio no
Norte do país, passou a ostentar grande prestígio, sendo tratado pelo apelido de Vice-Rei do Norte.
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Encerrada
a II Guerra, os sopros dos ares da vitória das forças aliadas, defensoras da
democracia, levaram à deposição de Getúlio, com quem
Távora havia rompido desde a implantação do Estado Novo, em 37.
Mais tarde, já
general, quando ocupava o comando da Escola Superior de Guerra, e filiado à UDN, Távora torna-se um dos líderes do movimento de ruptura institucional que exigia a renúncia de Vargas, e que culminou com o suicídio
do presidente.
Resolve
então se candidatar à presidência, sendo derrotado por Juscelino Kubitschek que,
eleito, teve sua posse questionada, tornando-se vítima de dois movimentos militares,
de Aragarças e Jacareacanga, que não aceitavam o resultado das urnas.
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Algum
leitor pode estar curioso com o destaque dado aqui a Juarez Távora.
É
que, em minha opinião, o militar e político cearense ilustra muito bem a visão
golpista e de salvador e guardião da Pátria que o general acreditava expressar,
fruto da deformação que o Exército sempre incutiu em seus integrantes, assumindo o papel de tutor de uma população incapaz de decidir os seus destinos.
A
ideia de um povo incapaz de dirigir sua vida exigia a tutela desse povo por uma instância à parte da sociedade e que pairasse sobre ela, papel que, por auto definição, as forças militares se atribuíram com exclusividade.
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Não
à toa, o mesmo Távora e vários de seus colegas de farda, figuras de relevo do tenentismo são os homens por trás do golpe exitoso que, infelizmente para a nação e a
sociedade, vai derrubar o governo de Jango
em 1964, implantando uma ditadura que se estendeu por 21 anos.
Entre as bandeiras definidas pelos golpistas, incluíam-se: a defesa da sociedade contra a implantação de um suposto regime comunista; a defesa da família, da tradição
católica, da conservação dos costumes; o combate à corrupção, somada à proposta
de implantação de reformas ditas estruturantes, que nada mais eram que medidas de política destinadas a pavimentar o caminho para o desenvolvimento econômico capitalista,
concentrador e excludente.
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Tortura,
morte, autoritarismo, corrupção sem controles, censura à liberdade de expressão
e de imprensa foram os resultados, do ponto de vista político-social, da tomada
de poder, cujos principais artífices incluíam figuras do tenentismo como Castello
Branco, Távora (então ministro da Viação e Obras Públicas), Costa e Silva,
entre outros.
Do
ponto de vista econômico, a maior consequência do período foi a implantação de reformas
afinadas a um movimento de modernização conservadora. E a expansão desmedida do
nível de desigualdades do país.
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Sobre
o golpe de 64, nada melhor que trazer a frase de um de seus eminentes apoiadores,
ao menos no início da implantação da ditadura, Sobral Pinto, em carta enviada
ao primeiro presidente imposto pelo ciclo militar, Castello:
“Sinto-me no dever de comunicar (…) que os argumentos ora
invocados para combater o comunismo foram os mesmos que Mussolini invocou na
Itália em 1922 e que Hitler invocou em 1934 na Alemanha. (…)”
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Experiente e conhecedor das tradições políticas de seu país,
antes de retirar o seu apoio ao golpe e à truculência daí advinda, Sobral foi direto
ao ponto: o caráter fascista da pregação que se dava dentro do Exército,
responsável pela formação de militares com visão deturpada da vida política.
Os militares de então, como os que frequentaram a partir daí as academias de formação
militar, têm uma formação fascista, antidemocrática, autoritária. Prova desse desvio de mentalidade, ainda hoje, é o comportamento do ex-capitão, expulso da tropa por atos de terrorismo, e que tantos males provoca ainda hoje ao país; os Augustos Helenos e os relatos de massacres praticados por tropas sob seu comando no Haiti; os Bragas Nettos e seu comando truculento e ineficaz quando da intervenção militar no Rio de Janeiro, os Mourões, etc.
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Por tudo isso, não há razão para ficar perplexo com a Ordem do
Dia, pela passagem da data FAKE do golpe de 64, assinada pelos comandantes militares.
Golpe que não fossem os males que provocou não deveria ser levado a sério, uma vez que até sua data real, 1 de abril, dedicada ao dia da Mentira, levou seus autores a falsearem sua data, antecipando-a para 31 de março.
Em resumo: golpe fake, por motivações fake, por democratas fake, e com data de mesma e igual natureza.
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Não vou comentar as falácias trazidas no conteúdo da nota já
que a sociedade, em especial suas camadas urbanas que representam parcela de sua chamada classe média, foram induzidas a apoiarem do golpe, vítimas da manipulação por parte de uma mídia interessada e interesseira.
Faço apenas um destaque para trecho que faz referência à celebração
do Bicentenário da Independência, que menciona o lema “Soberania é liberdade”.
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Meu destaque se deve à visão das forças militares, já tratada em pitaco anterior, que relaciona a Amazônia, sua ocupação e exploração econômica, qualquer que seja a forma de sua exploração (predatória ou não), à expressão de nossa soberania.
Essa visão de soberania, se faz acompanhar da noção de uma liberdade do ponto de vista econômico.
Uma liberdade que, fruto do desenvolvimento econômico de curto prazo, não tem sustentabilidade.
Por isso, condena nosso país à degradação, deterioração e miséria a médio e
longo prazos.
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Para concluir, devo comentar o parágrafo da nota que afirma que,
para analisar e compreender um fato (GOLPE) ocorrido há mais de meio século, são
necessárias isenção e honestidade, já que a história não pode ser reescrita nem
vítima de revisionismo.
Pena que, mais uma vez, uma narrativa mentirosa tenta ser construída
e difundida, aproveitando da covardia da sociedade civil que não cobrou que os
militares fossem investigados e punidos, por eventuais crimes da ditadura.
Mas uma hora a sociedade pode aprender a reagir. E nessa hora, essa
visão militar revisionista será lançada ao lixo da história.