segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O câncer de Lula e o câncer

Há muito tempo tenho convivido com o câncer, seja por meio de experiências pessoais, por meio de parentes, de amigos, de conhecidos, vizinhos e até mesmo de inimigos. Sim, porque afinal, se há uma coisa que ninguém pode negar a essa doença é o fato de ela ser democrática. Por demais democrática.
Ataca a quem a gente gosta, admira. Ataca a quem a gente tem todo o tipo de restrições; a quem a gente conhece muito intimamente e a quem a gente nunca sequer sonhou em conhecer.
O câncer é de todas, talvez a doença mais democrática que circula por nossa sociedade.
Inclusive do ponto de vista de questões raciais, políticas, socias e de renda.
Dos ricos, de um Steve Jobs, ao mais mísero dos seres. Homens, mulheres, pessoas situadas entre ambos os sexos, na miríade de novas opções sexuais existentes.
Médicos, engenheiros, advogados, aposentados, vagabundos, políticos, democratas, ditadores. Todos.
E, justiça seja feita, se há uma coisa que aqui no Brasil não pode ser questionada é o fato de que, a grande maioria das pessoas vitimadas pela doença fazem seu tratamento (caríssimo) utilizando os recursos da saúde pública.
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Sim, mesmo aqueles mais ricos ou em condições melhores de vida, acabam fazendo seus tratamentos, de quimio ou radioterapia, na rede de hospitais públicos, ou quando não em hospitais públicos, com recursos do INSS, utilizando um direito que é de todos nós, brasileiros.
Ora, tão caro é o tratamento, que não seria lógico que qualquer pessoa deixasse de utilizar o direito que, como contribuinte do Instituto de previdência todos temos.
E, convenhamos, seria um absurdo querer cobrar de qualquer pessoa, apenas por ostentar uma posição social e econômica mais privilegiada que abrisse mão de usar de seu direito.
Além de não ter nenhuma lógica, esse  tipo de mentalidade, capaz de criticar a quem usasse os recursos públicos para se tratar, por ter condições de bancar o financiamento por conta própria revela, em minha opinião, uma indigência mental, muito maior que a indigência material que parece estar por trás da cobrança.
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Tipo assim, parafraseando a meus filhos: a pessoa, revoltada por não ter recursos suficientes para bancar o tratamento que bem entendesse, teria que se submeter a algumas horas de espera e mau tratamento nas filas dos hospitais públicos. Então, na hora em que alguém mais poderoso ou rico ou socialmente mais proeminente tivesse que se tratar, seria justo que também sofresse tudo que os menos privilegiados sofrem, pelo menos em tese.
Nota-se então que o problema não é relativo à doença ou seu tratamento, mas na verdade ao problema de desigualdade e injustiça da distribuição de renda.
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Aqui nesse ponto é que devemos tocar no assunto que dá o título a essa postagem: a doença de Lula. Logo ele, que tanto fez e, talvez, tenha sido o presidente da República que mais fez, se não o único até aqui, para melhorar o perfil de distribuição de renda.
E isso, reconhecido pela ONU e por vários outros organismos internacionais e até mesmo órgãos de imprensa, inclusive os que poderiam ser classificados como de posição ideológica antagônica à de Lula.
Pois bem: Lula foi diagnosticado com um câncer na laringe, parece ainda em estágio inicial de desenvolvimento.
Dizem os que são da área que, nessa fase, as chances de recuperação são enormes. Inclusive sem sequelas, dado que sem a necessidade de intervenção cirúrgica.
Ou seja, apenas algumas sessões de quimioterapia, ou radioterapia, serão suficientes para que o tumor seja eliminado.
Como todos que já fizeram esse tipo de tratamento, ou estão fazendo sabem, o problema maior não é o tumor em si. Mas, as consequências, os famosos efeitos colaterais.
A reação do organismo aos medicamentos que, tão fortes e poderosos, acabam podendo afetar ao paciente de forma a debilitá-lo. Por esse motivo, a necessidade de o paciente estar otimista. Confiante. Bem disposto e sentindo-se forte para vencer a luta pela vida. E derrotar o mal.
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Lula sempre pareceu ser esse homem otimista, e essa sua característiva vai, felizmente ajudá-lo. E, no que depender da torcida, da corrente de orações e da fé e boas mensagens mentais enviadas pela população, tenho certeza que terá uma recuperação surpreendente.
E, não vai haver, nem poderia, qualquer crítica ao fato de que ele vai bancar o seu tratamento pelo INSS, como todo mundo da classe média o faz, mesmo e inclusive quando seu mal foi diagnosticado seja por um médico de convênio privado, seja por um médico particular.
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Quanto a que ele devesse procurar o SUS ou rede pública de hospitais para as sessões, honestamente, não vejo nada de mais problemático em relação a isso.
Como já falei ao início, o SUS e a rede pública têm sido, grande parte das vezes, os hospitais a que a população, inclusive a mais abastada tem recorrido para fazer a utilização da bomba de cobalto ou o uso do coquetel de drogas. Cujo custo, diga-se de passagem, também o governo acaba bancando.
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Então, tratamento no SUS ou na rede pública seria semelhante ao tratamento das vítimas, politraumatizadas, etc. de acidentes em geral, e automobilísticos em especial.
Ao menos aqui em Belo Horizonte, há uma unanimidade de que o melhor tratamento nesses casos é o prestado pelo Hospital João XXIII, de caráter público.
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Mas, não sou favorável a que Lula fosse parar em um hospital público para seu tratamento, por alguns motivos que listo: a) pareceria demagogia e isso lhe seria cobrado pelos de oposição; b) ele, como qualquer pessoa de condição social maior teria tratamento diferenciado, o que iria provocar, corretamente, maiores críticas ainda; c) por último, mas talvez a mais importante razão, como ex-Presidente da República, teria de ter, e teria o tratamento mais diferenciado possível, como em todo mundo civilizado e em todos os países do mundo costuma acontecer.
Nesse caso, como ex-presidente, teria uma atenção que, se merecida e inquestionável, ninguém ignora que iria provocar tamanho alvoroço entre demais pacientes, enfermeiros, médicos e assistentes, que acabaria trazendo mais transtornos para o atendimento às camadas menos privilegiadas, essas infelizmente com acesso apenas aos SUS e seus vários percalços.
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Ou seja: querer Lula no SUS, como alguns emails que me foram enviados pregam, não é nem uma boa piada. Como disse Gilberto Dimenstein na Folha, não é nem uma questão desumana.
Em minha opinião, quem entra nessa campanha e compra essa idéia é vítima de indigência mental.
E revela que há piores cânceres e tumores que os que nos têm levado ou colocado em sobressalto os amigos, os parentes, os conhecidos e vizinhos.
É o chamado câncer moral, que se revela nessa hora. Câncer que corrói a sociedade e, curioso, exatamente oriundo dos que se pretendem vestais: donos da ética, da razão e da boa convivênvia social. Letrados alguns, de famílias de bem outros.
No fundo, arrogantes e autoritários. Verdadeiros tumores bem mais difíceis de se extirpar.
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Boa sorte presidente Lula. E boa e rápida recuperação.

Um comentário:

Anônimo disse...

Paulo, estou com você. A compaixão é virtude humana, sua falta não é só indigência mental, é canalhice. Também estou orando a Deus para que o Presidente Lula se recupere do mal da melhor forma e o mais rápido possível.
Postado por Torres.