sexta-feira, 11 de maio de 2012

A propósito da política industrial brasileira

Tive acesso, por esses dias, às idéias publicadas pelo Prof. Frederico G. Jayme do CEDEPLAR, a respeito de questões afetas ao tema de política industrial brasileira, mais especificamente tratando de analisar a existência de restrições externas ao crescimento brasileiro.
Conforme o autor do ensaio, publicado em revista sob patrocínio da CEPAL (a comissão que tem a missão de promover estudos e propor soluções para as questões econômicas da América Latina), a idéia central do texto é a de procurar examinar as vinculações que podem ser feitas entre três linhas de pesquisa econômica relacionadas às questões do desenvolvimento, relacionando-as para identificar, a partir da confrontação com dados da realidade brasileira, a existência de importantes restrições que justificam o porque da existência de entraves ou limites que sempre se manifestam toda vez que tem início um processo de crescimento industrial em nosso país.
***
Se não cometo qualquer equívoco de interpretação capaz até mesmo de distorcer a idéia original do autor, pelo qual já peço antecipadamente desculpas, as três correntes em que o texto se funda são: a visão do desenvolvimento em países não situados no centro do capitalismo mundial, a tese do chamado desenvolvimento periférico da CEPAL, com ênfase nos trabalhos de competitividade endógena do brilhante economista Fernando Fajnzylber; a tese Kaldoriana da importância da demanda como força necessária para estimular o processo de crescimento econômico, em particular, o crescimento da renda, de forma a que o processo de crescimento possa afetar as elasticidades renda do país, tanto do ponto de vista de suas exportações quanto de suas importações; e, por fim, a questão neoschumpeteriana da necessidade de criação de um Sistema Nacional de Inovações capaz de estimular o desenvolvimento de Ciência e Tecnologia e deslanchar programas de Pesquisa e Desenvolvimento em nossa sociedade.
***
Buscando decompor as idéias e teses, para facilitar a compreensão a todos: a idéia básica da Cepal, de que exportando produtos primários sem beneficiamento e sem qualquer processo de transformação ou com processos mínimos e muito dependentes da utilização de mão de obra, e importando produtos industrializados, mais sofisticados, mais intensivos no uso de bens de capital e com mais valor agregado, e portanto mais caros, os países da periferia estariam sempre com problemas estruturais em sua balança de comércio exterior, sempre endividados e com déficits em sua conta de transações correntes. Com o passar do tempo, esses déficits criariam dívidas impagáveis, que retirariam a independência e autonomia dos países menos desenvolvidos.
Pior: como produtos primários - minérios, produtos agrícolas como a soja, trigo, milho, café, açúcar e algodão, para citar alguns, podiam ser produzidos sem muita sofisticação, por qualquer país que tivesse condições físicas para tanto, esses produtos teriam sempre muitos países concorrendo e preços aviltados por essa concorrência. Além disso, como lembrava Kalecki, produtos primários e alguns de pouco qual de transformação, têm seus preços formados pelo mercado, tendo em vista que apresentam restrições de oferta: em geral, se a demanda por eles se reduz muito, eles não podem reduzir a exploração abaixo de um limite mínimo. Se a demanda expande muito, a oferta se defronta com limites físicos, naturais. Assim, esses produtos podem estar com preços muito elevados em situação de elevação da demanda internacional, e sofrerem reveses importantes, quando a demanda sofrer uma inflexão.
Tese, aliás, já observada e exposta por economistas como Hilferding, para quem os produtores de insumos e matérias primas naturais que servissem de insumos para outros produtos, teriam sua demanda ampliada de forma potencializada quando da verificação de um auge cíclico na economia mundial, ocasião em que seus preços e lucros subiriam mais que os do setor produtor de bens industrializados. Situação que se inverteria quando da fase de declínio cíclico.
***
Ora, a consequência é que quando começávamos a crescer, no passado, por expandir nossas exportações de produtos primários, ou quando começamos a ter resultados espetaculares recentemente por força da elevação das vendas de minério de ferro e soja, acompanhadas pela elevação de preços desses produtos, a entrada de muitos capitais permitia uma retomada do processo de crescimento, que iria implicar naturalmente, para sua efetivação, na necessidade de importação de bens de capital, insumos básicos (no passado) e bens de alto conteúdo tecnológico incorporado (no presente).
Ou seja: os bens que importamos sempre tiveram a característica de, por serem sofisticados, terem poucos produtores mundiais, capazes de incorporarem ao longo do tempo mais e mais inovações, mesmo que as apenas incrementais, que justificariam a elevação constante de seu preço. Além disso, por serem poucos produtores, exerceriam seu poder de oligopólio, fixando preços mais elevados.
Resultado: enquanto a demanda internacional estivesse aquecida, estávamos com preços de produtos exportáveis em condições favoráveis e capazes de bancar as importações dos produtos mais caros, necessários a nosso desenvolvimento.
Mas... havendo reversão cíclica, como agora estamos vivenciando, com  a China reduzindo seu crescimento e sua demanda de produtos como minérios e alimentos, e outros clientes derretendo, como os países da eurozona, encontraríamos dificuldades para exportar (e os preços baixos agravariam a receita de exportações) o que nos levaria à realização de déficits, endividamento e paralisação do crescimento.
***
Aqui, entrando com a visão Kaldoriana e de Thirlwall, ligadas à questão das elasticidades renda, surgiria outro problema: o crescimento da renda experimentada na fase de crescimento, implicava na mudança do padrão de bens a serem adquiridos, inclusive na categoria de consumo. Com isso, os produtos importados, já mais caros por sua condição, iriam se tornar cada vez mais caros pela exigência de produtos mais sofisticados.
***
Aí é que entra a CEPAL e Prebisch, apontando a deterioração de nossos preços de intercâmbio, ou seja, o fato de sempre e cada vez mais, termos que vender mais e mais, para podermos comprar o mesmo ou menos que antes, como um grande problema enfrentado pela América Latina, e tudo sob a doutrina do livre comércio e das vantagens comparativas estáticas, de tão longa tradição e respeito.
Ou seja: país que nasceu para vender produtos agrícolas, país celeiro do mundo, não deveria se preocupar em vender a não ser... batatas... Como dizia o Bruxo do Cosme Velho: ao vencedor, as batatas!!!
***
Ou Fajnzylber, que observando as economias industrializadas da América, como México, Brasil, Argentina, concluia que nossa industrialização foi de um tipo que manteve nossa dependência, uma vez que não desenvolvemos um núcleo endógeno de competitividade. Não desenvolvemos a produção de bens de capital ou bens de produção, privilegiando os produtos intensivos em mão de obra,  produtos tradicionais e com a capacidade limitada de incorporar progresso tecnológico.
Mais recentemente, mesmo iniciando a produção de máquinas e equipamentos, continuava a questão de não termos condições de desenvolver a tecnologia que era o núcleo dos bens. Dessa forma, industrializados e até exportando produtos de pequena sofisticação - e baratos!- para outros países periféricos, continuávamos pagando mais caro por nossas importações de pacotes tecnológicos, ou bens de capital do tipo "turn-key".
***
O que fecha com a questão da demanda de Kaldor, mais no rastro de Kalecki que de Keynes em minha opinião, de que o estímulo à demanda, importante em nosso país para estimular os investimentos e o processo de desenvolvimento, acabaria nos obrigando a elevar nossas importações. Para pagar por essas importações mais caras, e evitar um déficit e a expansão de nosso endividamento, teríamos que passar a investir e produzir em nosso território o que Fajnzylber chamava de núcleo endógeno: bens de sofisticação tecnológica maior, desenvolvidos pelo fruto de competitividade autêntica e não espúria.
Dessa forma, a demanda estimulada por esses bens e pacotes de serviços, deveria estimular a produção tanto para atendermos nossa demanda interna e, ainda, poder alterar nossa pauta de produtos exportáveis, ampliando-a pela incorporação dos produtos intensivos em conhecimento.
Não deixando de exportar os produtos primários, em que temos mesmo eficiências reconhecidas, mudaríamos nossa ênfase para os produtos mais sofisticados em nossas exportações.
Dessa forma, estaríamos como os Estados Unidos, Japão, e já até a própria China, exportando e importando produtos tanto sofisticados quanto tradicionais e primários, sem trazer desequilíbrios estruturais (permanentes) a nossas contas externas.
***
Para isso, entretanto, dependeríamos de desenvolver um Sistema Nacional de Inovações, que criasse as condições para dar suporte a um processo de desenvolvimento integrado, empresas-escolas-governo, capaz de gerar conhecimento científico e tecnológico, seja por meio de desenvolvimento de pesquisa básica, seja por meio de aplicação prática, cópias, engenharia reversa, o chamados "learning by doing".
E esse Sistema dependeria fundalmente de uma mudança, mais até, uma revolução em educação, questão que, no Brasil, ainda está muito mal resolvida.
Reconhecemos, como professor, que houve a redução do analfabetismo, mas não do analfabetismo funcional. Também se estendeu o ensino, de forma extensiva. A qualidade, entretanto, ainda é, parafraseando Boris Casoy, UMA VERGONHA.
***
Daí, não termos como desenvolver o sistema, nem o núcleo endógeno da competitividade, e ficarmos perigosamente próximos de constatar que, se a China reduzir ainda mais seu crescimento e suas compras, e a Europa não reagir, não bastará culpar aos juros, ao câmbio, nem à legislação trabalhista, nem questões tributárias, por um possível aborto de nosso crescimento.
E o pior, a questão que consideramos exige medidas cujo efeito é de longo prazo, enquanto os problemas que se apresentam são de curto prazo.
***
Se não haverá muito como impedir a reversão cíclica de nos alcançar, tornando desnecessárias a flexibilização da legisltação trabalhista - eufemismo para o corte de direitos sociais e trabalhistas; a reforma tributária - eufemismo para a redução de impostos sobre os mais ricos, jogando a carga tributária nos ombros de uma agora crescente classe média; o controle fiscal das contas públicas, cujo verdadeiro objetivo é a desmobilização do Estado e seu aparato regulador, deixando campo aberto a todo tipo de abusos e exploração realizados por grupos empresarias e pelo poder econômico, ainda assim é importante que façamos algo.
E, por pouco que seja, ainda vale muito a pena reduzir os juros (mesmo que às custas de pequeno sobressalto da inflação, de resto ainda não visível no horizonte), e não deixar que o câmbio ainda agrave mais o estado já ruim da indústria.
***
Assim, as opiniões de analistas que discutiram sob o patrocínio da Tendências Consultoria, do ex-ministro Maílson da Nóbrega (aquele do deixa ficar para ver como é que fica, a famosa e de trágica lembrança política do feijão com arroz dos tempos de Sarney), a política industrial são para serem analisadas como devem ser: apenas manifestação de interesses econômicos que nada têm de públicos ou em benefício público. Pelo contrário, mais vinculados ao capital financeiro e seus parceiros do capital internacional.
Exceto pelo fato de que: proteger pela elevação de impostos a produção de automóveis, ou outros produtos de nenhum grau de sofisticação tecnológica maior não apenas é de pequeno, se algum, resultado prático para nosso país e nossa indústria. Trata-se, curiosamente, de proteger o capital estrangeiro - as grandes montadoras, da concorrência com outros produtores também estrangeiros, o que é no mínimo estranho.
Além de nos indispor junto a parceiros que retaliando podem passar a restringir nosso acesso até mesmo a bens e serviços que poderiam trazer embutido algum tipo de conteúdo que poderíamos aproveitar para tentar apreender. Ou copiar.
É isso.

3 comentários:

Rodrigo Burato disse...

Texto foda! Puta que o pariu!

Frederico Gonzaga disse...

Prezado Paulo,
Belo texto. É isso aí. E vamos continuar debatendo para ver se essa coisa melhora.
Abraços

Rafael Aliprandi de Mendonça disse...

Caro Paulo,
Brilhante texto, aprendi muito.
Muitos vêm clamando por uma reforma no sistema tributário.
Porém, as perspectivas não são animadoras, pois analisando a história tributária nacional, verifica-se que as alterações objetivam uma arrecadação desordenada, deixando as maiores riquezas de fora, prova disto é a não implementação do imposto sobre grandes fortunas, que foi previsto na Constituição da República de 1988, porém, o legislativo não foi capaz de regulamentá-lo.
Assim, vejo que a sua iniciativa é fundamental para que possamos refletir sobre as diretrizes a serem trilhadas pelo Brasil.
Conforme diz Eduardo Bueno "O povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la".