Tudo pronto para a votação no dia de ontem do projeto que estende as regras da terceirização na Câmara, aumentando a precarização das relações de trabalho no país, o presidente daquela Casa legislativa, Eduardo Cunha, percebendo que o projeto corria o risco de ser derrotado resolveu suspender a votação do projeto.
Pelo que os jornais informam, a sugestão para o adiamento da votação foi do deputado Paulinho, presidente do Solidariedade, e dirigente da Força Sindical, que apóia a mudança, em razão da percepção de nova postura adotada pelo PSDB, até então, também favorável ao projeto.
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Deve-se observar que a nova posição do PSDB, que o coloca no mesmo lado que o PT, por exemplo, é decorrência da repercussão negativa alcançada pelo projeto, e permitiu que ontem apenas fosse votada a proibição para que empresas estatais e de economia mista fossem submetidas ás regras que se deseja implantar.
De resto, o episódio traz-me à recordação meu saudoso chefe na Superintendência de Estatísticas e Informações da Seplan de Minas Gerais, Raul Paixão e sua recomendação logo que cheguei àquele órgão para trabalhar em sua equipe de análise de conjuntura.
Dizia o mestre Raul: a análise de política econômica você sempre faz identificando primeiro quem se beneficia e quem perde com a decisão tomada.
A partir daí, fica mais fácil entender os efeitos das medidas.
No caso presente, ao contrário do recomendado, começo identificando quem é favorável à medida e quem está contra.
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Favorável está o presidente da Câmara, esse impoluto Eduardo Cunha, por acaso investigado pela operação Lava Jato, relacionado à Petrobras. Afinal, como os jornais estampam hoje, o projeto poderia ser derrotado e, por isso, não foi à votação.
Fosse o PT que fizesse tal manobra, a imprensa provavelmente reagiria com adjetivos de cores e tons mais fortes, bradando contra a vergonhosa manipulação no plenário.
Também ao lado da medida está este deputado da Força Sindical, Paulinho, um político e líder trabalhista que, seguindo a filosofia de Luiz Antônio Medeiros, do sindicalismo de resultados, sempre esteve do lado dos ..... patrões.
Contra o projeto, agora, incluem-se até deputados do PSDB, a oposição derrotada e recalcada, e agora abertamente trabalhando para a instabilidade institucional do país.
Solicitando o veto de Dilma ao projeto, encontra-se o ex-presidente Lula, para quem o projeto nega toda a história de luta e defesa dos interesses dos trabalhadores pelo seu partido. Também contra estão a CUT, e milhares de trabalhadores, que já paralisaram várias capitais e trouxeram prejuízos ao trânsito em ruas e estradas.
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Mas, o que é o tal projeto de terceirização, conforme me questiona o sempre interessado aluno e amigo Wesley?
Começo por afirmar que a terceirização, também conhecida pelo termo em inglês de outsourcing, significa um processo de redução de custos por parte das empresas, no Brasil já existente, para a contratação de trabalhadores para atividades meio.
Justifica-se, algumas vezes, não apenas pela redução de custos, mas pela distinta e específica atividade desempenhada, o que permite até mesmo ganhos de escala e menos dificuldades de gestão da força de trabalho por parte da empresa, que poderia perder o foco de sua atividade principal.
Explico: um banco que tem uma força de trabalho dedicada a atendimento e fornecimento de serviços financeiros ao público, provavelmente teria uma série de problemas se tivesse de contratar para integrar seus quadros, vigilantes armados.
Também seria problemática a gestão de trabalhadores dedicados a funções de faxina, limpeza e conservação.
Admite-se, assim, que esses serviços, auxiliares ao bom desempenho da atividade principal da empresa fosse feita por meio da terceirização. Isso significa, a contratação de uma empresa especializada e com equipe treinada, na área de vigilância, transporte de valores ou faxina e conservação.
Falo do ponto de vista de tais empresas, especializadas, terem condições de darem ao seu trabalhador mais condições de qualificação, atendimento psico-profissional, etc. E aqui, honestamente, penso especialmente na questão de como lidar, treinar, ensinar, e orientar que tipo de comportamento deve ser adotado por trabalhadores que, por força de suas atividades, trabalham armados.
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Mas seria, em minha opinião, claramente um absurdo, se o banco pudesse contratar empresas terceirizadas para atendimento de caixa, ou balcão, ou mesmo para análise de crédito para a concessão de créditos, ou mesmo para atividades ligadas à mesa de operações.
O importante é assinalar que, em todas as circunstâncias, o banco ou a empresa estaria tendo o benefício adicional da redução de custos, já que não teria que pagar os encargos sociais que incidem sobre a folha de pagamentos, segundo os empresários, elevando seus custos de mão de obra.
A princípio, tais encargos passariam a ser responsabilidade das empresas contratadas, especializadas.
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Mas, claramente, essa redução de custos que é uma vantagem adicional para o caso daqueles trabalhos especializados citados antes, não podem ser considerados vantagens adicionais no caso de terceirização de trabalhadores ligados a atividades fins da empresa.
Nesse caso, de o banco contratar terceirizados para suas atividades financeiras típicas, a única vantagem seria a de redução de custos.
E isso, apenas pela ocorrência de precarização das relações de trabalho. Dito em português mais claro, por força de se rasgar a CLT, velha, caduca, atrasada, desatualizada, protecionista, populista, paternalista, o adjetivo que se queira utilizar, mas inegavelmente, fruto das lutas e conquistas de direitos dos trabalhadores.
Ou seja: o projeto que está em discussão na Câmara, rasga os direitos dos trabalhadores no nosso país. Conquistados com anos de lutas e sacrifícios. Especialmente por estender para atividades fins, a possibilidade de contratação de força de trabalho.
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E o que se pode esperar disso?
No início do mês, reportagem da revista Carta Capital listava algumas das questões que trazem flagrantes prejuízos para os trabalhadores. Entre os prejuízos, uma redução dos salários pagos, em média menores em 24%, embora nos bancos podendo o terceirizado receber apenas 1/3 - isso mesmo, uma terça parte do salário do contratado.
Além disso, os terceirizados não têm assegurado os direitos de seus colegas contratados, como auxílio creche, jornada de 6 horas e participação nos lucros.
Também há unanimidade em que a aprovação da lei estendendo a terceirização provocará desemprego. Não apenas por que o contratado poderá ser dispensado, para contratação de um terceirizado que custará menos, mas porque o próprio contratado, com medo da dispensa poderá abrir mão da reivindicação de melhorias salariais, ou não fazer valer seus direitos que possam estar sendo desrespeitados.
Adicionalmente, os terceirizados trabalham, em geral, mais 3 horas, que os contratados, o que diminui a necessidade de maior número de contratados.
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Um maior número de acidentes e mortes pode ser percebido, em especial, por exemplo, em serviços como de manutenção elétrica, por parte de empresas terceirizadas pelas antigas estatais de energia, depois de seu processo de privatização.
Na Light, na Cemig, eletricistas contratados por terceirizadas sem condições e sem capital não tinham treinamento, nem trabalhavam com equipamentos de maior capacidade de segurança, etc.
Responsabilizar os patrões verdadeiros, os que terceirizam, fica cada vez mais difícil, já que sua responsabilidade pelo terceirizado não é direta. Mas, o mesmo vale para a situação de um consumidor, agredido, até baleado, ou destratado por algum terceirizado. No caso de um banco e seus vigilantes, a quem a pessoa agredida ou seus familiares deverão recorrer? Ou responsabilizar?
Afinal, a empresa contratada, menor e com menos condições de capital e recursos, não apenas não dá o treinamento necessário, a qualificação e o atendimento psicológico que se exige, como também não tem condições de arcar com as consequências de atos de seus empregados.
E as grandes empresas, por não serem as contratantes diretas, também não têm porque assumir quaisquer ônus de situações como essas, que se repetem por todo o país.
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Do ponto de vista das reivindicações trabalhistas, ficam completamente inviabilizadas, já que podem trabalhadores no exercício da mesma função, serem contratados por mais de uma empresa. Logo, os interesses deixam de ser comuns. E os movimentos perdem sua força maior: a unidade.
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Alegam os empresários que a nova lei dará maior proteção jurídica a todos os envolvidos, mesmo que tirando direitos dos trabalhadores.
Mas, é certo que irá reduzir o número de causas trabalhistas que se acumulam junto aos tribunais de nossa Justiça.
Entretanto, ainda pior é a possibilidade que a terceirização acarreta, de aumento da situação de trabalhadores discriminados, quando não trabalhadores escravos, como casos recentes de bolivianos que trabalhavam em condições desumanas para empresas que vendiam seus serviços para uma empresa como a Zara ou outras confecções de igual nível de luxo.
E nem estou mencionando a questão tratada por Miterhof, na Folha, da contratação cada vez mais indiscriminada, mesmo nas funções de chão de fábrica, de peões, sob a forma de PJ (pessoa jurídica), responsabilizando o trabalhador precário contratado dessa forma, pelo pagamento de todos os encargos e contribuições previdenciárias a ele vinculados.
Um crime, para dizer o mínimo.
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Ou seja: a terceirização ou precarização do trabalho, ou flexibilização das leis trabalhistas é mais uma medida que visa o maior lucro, o benefício maior do empresariado, pouco se preocupando com o que pode trazer de consequência para os que, com seu esforço, suor e lágrimas, são os verdadeiros produtores do lucro.
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Nada que não seja a favor do capital, que dá nome ao sistema em que vivemos.
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