De forma simplificada, quando um governo decide fazer um gasto, a primeira condição para a realização dessa despesa é a de que ela tenha sido prevista no orçamento do ano, aprovado pela LOA - Lei do Orçamento Anual, no ano anterior. Para que isso tivesse acontecido, deveria ter sido indicada no documento orçamentário, a existência de receita suficiente para financiamento da despesa.
Bem, aprovado o orçamento e já no ano em que a despesa será realizada o governo decide que é o momento de sua execução. Digamos, a construção de uma escola.
Algum responsável no governo decide então o gasto e, depois de feitos os procedimentos de edital, abertura de licitação ou concorrência, abertura do pacote apresentado pelas firmas e decisão da vencedora, tendo em vista o preço da proposta o gestor tem a responsabilidade de determinar o empenho do valor orçado.
A isso, dá-se o nome de despesa empenhada.
Passados algum tempo, de acordo com o cronograma da obra, a empreiteira conclui a escola e a entrega para o órgão contratante. Esse irá verificar as condições da obra e comparar o que está sendo entregue com a proposta e a exigência do contrato.
Feitas medições, verificada a qualidade, etc. o governo emite um certificado que a obra foi concluída e entregue atendendo aos requisitos e atesta que a obra pode ser liquidada.
Essa é a denominada etapa da liquidação e a despesa é chamada de liquidada.
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Essa liquidação nada tem a ver com a realização do pagamento, conforme normalmente nos expressamos. Ou seja: para o senso comum e operações bancárias, por exemplo, liquidar é o ato de pagar a dívida. Entregar dinheiro ao credor, para não ter mais qualquer responsabilidade frente a ele.
Mas, para o governo a despesa liquidada é diferente do ato de pagamento, que ocorre em outra etapa posterior.
Quando feito o pagamento, a despesa diz-se paga. E isso se dá por intermédio de crédito em conta, ou pagamento em cheque, etc.
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Há assim, três tipos de despesas, cujos valores não são, obrigatoriamente, idênticos. Pode um ente governamental, um estado da federação, ter uma despesa empenhada em um período de 20 bilhões, já que contratou obras que estão sendo realizadas, em andamento. No mesmo período, pode ter despesa liquidada de apenas 15 bilhões e pagas de valor inferior a 10 bilhões.
Ou seja, o governo pode estar acumulando dívida junto ao fornecedor da obra ou serviço, que deveria receber mas vai ficar na fila aguardando até o caixa do governo ter condições de pagar.
Traduzindo para o popular, é o famoso "devo não nego, pago quando puder."
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Pois bem, é essa situação que coloca fornecedores, empreiteiros, e servidores públicos, na situação involuntária de credores do governo que José Roberto Afonso, na entrevista concedida à Folha de São Paulo, na edição impressa de terça passada, dia 28, cita como a sua maior preocupação em relação à questão da crise financeira de Estados e Municípios.
Antes, uma observação, José Roberto, óbvio, não tem qualquer culpa nos erros da apresentação resumida e apressada que fiz aqui no início do pitaco. E o exemplo que ele cita na entrevista, embora semelhante, não é exatamente o que citei, embora os números citados sejam aproximadamente os do governo do Estado do Rio, para o primeiro quadrimestre do ano em curso.
Conforme o professor José Roberto Afonso, esse financiamento que estados e municípios estão fazendo às custas de fornecedores e servidores é a maior dívida que vem sendo acumulada por esses entes subnacionais.
Pior, essa situação pode levar à falência de empresas do setor privado que arriscaram-se a atender à demanda do governo, o que determinaria um agravamento das condições de desemprego no país, com a dispensa de seus empregados.
Ou na falência da prestação de serviços públicos essenciais, em função dos movimentos dos servidores, por força de movimentos justos de reivindicação, ou mesmo por falta de condições de trabalho.
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Estabelecido que o professor, que por óbvio não achei sensato copiar ou transcrever todo o texto, e que qualquer erro deve ser imputado exclusivamente a minha pessoa, devo fazer aqui, um comentário.
Atrasar repasse de contratos de convênio, cumpridos pelos bancos públicos, para o governo federal é considerado pedalada, pelo novo critério de julgamento do TCU (apenas agora, e para o governo Dilma).
Mas, atrasar o pagamento de despesas liquidadas, ou empenhadas, é tão somente um atraso, equivalente a um crédito junto ao credor que sequer foi consultado. Essa que é, em minha opinião, uma situação igual ou pior por envolver o setor privado, das ditas pedaladas, ninguém condena.
E, segundo José Roberto Afonso, a maioria dos estados e municípios estão adotando, hoje, essa prática em nosso país.
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Sou obrigado a fazer outro comentário, em paralelo. Bem vindo ao clube dos que consideram que o impeachment de Dilma é mero golpe, Elio Gaspari.
E que bom vê-lo reconhecer, depois da auditoria do Senado indicar que não houve as tais pedaladas, ou que delas Dilma não participou, que golpe não é apenas não cumprir preceitos constitucionais. Mas que golpe é, também, o uso de ardil, de argumentos artificiais, para obtenção de benefício em proveito próprio de forma desonesta, como o rolo compressor da onda conservadora que varre o país está pondo em marcha.
Dilma não é santa, nem seu governo merecia tanta defesa, não fosse ela acusada de algo que é apenas uma desculpa, meia boca e que não cola, para obter seu afastamento, justificado até e indevidamente, por sua péssima gestão.
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Mas, voltemos ao governo temer, e sua proposta de não negociar com qualquer município, nos moldes da negociação feita com estados. E à total falta de compromisso do governo em resolver de forma negociada, e encarando de frente o problema em sua dimensão total e real, de que atinge a todas as esferas de governo.
Segundo o professor Afonso, a responsabilidade maior da situação quase falimentar de estados e municípios é do governo federal que agora se exime. E independente de ter em seu comentário o viés do economista do PSDB, que ele tem e que não empana seu brilho, foi o governo federal que incentivou e deu avais e condições que levaram o grau de endividamento desses entes ao patamar de risco em que se encontram agora.
Segundo o professor, agora a fatura está custando ao governo 50 bilhões. Se houver falência e a necessidade de intervenção nesses entes, por parte do governo federal, a conta ficará muito mais salgada.
Mas, o governo age como se não tivesse nada a ver com o imbróglio.
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Outra crítica importante do professor é em relação à proposta, citada, anunciada, aplaudida, mas ainda nao detalhada, nem mesmo apresentada formalmente, por meio de qualquer documento, do congelamento das despesas da União, que deverão se elevar nos próximos dez anos, ou vinte, apenas pelo valor da correção monetária, aplicada ao gasto do ano anterior.
Segundo Afonso, a ideia é boa, mas não especifica de que despesa está se tratando. A despesa congelada será a empenhada? Ou a paga?
E, como mostramos no início do pitaco, há diferenças de bilhões entre umas e outras.
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Pior, segundo o analista, o governo está tomando como parâmetro para dar início ao procedimento, um ano em que não apenas o gasto está atipicamente elevado, mas ainda em aberto.
Ou seja: Dilma percebeu, antes de seu afastamento, que deveria encaminhar ao Congresso uma alteração da meta orçamentária de superávit, completamente fantasioso, para um déficit de 96 bilhões de reais.
Ao tratar dessa alteração, temer e sua equipe aproveitaram para ganhar folga ou gordura e, sob a alegação de que a CPMF prevista e não aprovada não permitia que o rombo se limitasse a 96 bilhões, começou a elevar gastos em maior proporção que os 32 bilhões previstos para o imposto e que não seriam realizados.
Para obter e comprar apoio para aprovar o golpe, o usurpador mandou para o Congresso, sob aplausos das bancadas anãs (em termos morais), da mídia oportunista e aproveitadora, do mercado financeiro e seus acólitos, um déficit de 170 bilhões.
Mas, como nota o professor Afonso, esse gasto, se necessário pode ainda ser elevado (com aplausos talvez da sociedade?) o que seria uma temeridade, e faria as despesas ficarem mais altas.
Sobre esse patamar mais elevado é que a ideia do congelamento iria prevalecer.
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Mas, Afonso mostra ainda outro problema: as despesas crescem, junto à inflação. Mas as receitas iriam crescer apenas se o produto crescesse. E, na recessão que estamos enfrentando, era mais provável que as receitas declinassem ainda mais. E a despesa autorizada a crescer pela inflação, iria levar a uma geração de déficit primário para o próximo ano, e aumento da dívida pública.
Afonso mostra, de forma discreta, que isso dá mais ganhos àqueles que ganham aplicando seus capitais em títulos públicos, e nos juros escorchantes que ganham.
Talvez por isso, os mercados financeiros tivessem aprovado a medida. Mas o professor deixa antever que essa aplicação de capital é também que está por trás de decisões de investimento financeiro e não produtivo, feito por empresários que atuam na área produtiva.
Ou seja, com dívida elevada e juros altos, todos ganham, bastando para isso que tenham capital.
E o país que se lasque.
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Mas, para voltar a ter superávit primário, capaz de ajudar a pagar os juros e reduzir o grau de endividamento, não apenas os juros teriam que apresentar uma tendência declinante, o que parece ainda longe do horizonte das autoridades do BC.
A receita teria que crescer acima da inflação, o que significa que o PIB teria que crescer, hoje, a mais de 9%, ou seja, crescimento de economia chinesa, nos bons tempos.
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E é essa a situação que temer quer vender como culpa do governo anterior, e que ele está ciosamente, e cheio de mesóclises pronto a equacionar.
Haja mesóclise.
É isso.
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