quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Ana Júlia e a inveja de pais que não conseguiram transmitir aos filhos seus princípios; e um pouco de questões econômicas

Chegamos ao fim do ano. Nas ruas, as árvores já começam a receber cordões e fios de pequenas lâmpadas, preparando a cidade para a chegada do Natal. Nas lojas e shoppings,  enfeites natalinos e cartazes anunciando várias promoções já ganham espaços de forma definitiva. Em algumas, já desde o mês de outubro. O que está escasso é freguês. 
E, embora as insistentes lembranças da chegada do final do ano, pouco ou muito pouco avançam as investigações da Lava Jato, como consequência das delações que Odebrecht e OAS se comprometeram fazer. 
Não por culpa do juiz Moro, ou dos intrépidos procuradores de Curitiba, incansáveis em seu trabalho. Nem culpa dos panelaços ou das manifestações que ocupam as ruas e praças das capitais, exigindo, agora e sempre, um combate sem tréguas à corrupção!!!
Ah! Você que lê esse pitaco, não ouve o ruído ensurdecedor das ruas? Os panelaços nas janelas?
Não vê as manchetes de jornais escancarando os novos nomes dos políticos denunciados de sempre? 
A explicação é que, agora, as investigações chegam aos caciques do PSDB, o partido das vestais. E, por respeito às honradas virgens, a imprensa prefere adotar um silencio obsequioso.
O que é completamente justo.
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Melhor é destratar a menina Ana Júlia, a estudante do ensino médio paranaense,  que ganhou manchetes e atenções de jornais e fez por merecer postagens e mais postagens nas redes sociais depois de ter comparecido, e calado a Assembleia Legislativa daquele estado.
Embora brilhante a apresentação da menina de 16 anos, alguns passaram a criticar, não o seu discurso articulado, mas o fato de ela ser filha de um petista. 
Aliás, nem sei se as críticas são pelo fato de ela ter pai, ou de o pai dela ter conseguido, mesmo que parte das pessoas não goste ou não concorde, passar para ela seus valores, seus princípios, sua maneira de ver a vida.
Daí que parece-me que a maioria das pessoas que criticam e querem desconstruir a imagem da menina alegando que ela tinha já um discurso decorado, redigido pelo seu pai, no fundo têm é alguma inveja ou não conseguem conviver com o fato de que seus filhos, por mais que tivessem ouvido um discurso por toda a vida, seja em que direção tenha sido, não terem conseguido absorver ou chegar nem aos pés da capacidade de se posicionar da estudante paranaense. 
Que aliás, embora muito coerente, todo o tempo, não fez nenhum discurso retumbante. Até pelo contrário, fez um discurso bem adequado a quem tem a idade de 16 anos, com direito a toda a insegurança de quem, nessa idade, falava para um grupo de deputados, no plenário da Assembleia, em nome de um grupo de alunos como ela, que ocuparam uma escola: a escola dela.
Por isso, a pergunta inicial, feita por ela: de quem é a escola?
Porque se a escola é dela, é nossa, é dos estudantes, é pública, não está sendo invadida. Ao menos, nunca soube de que o ato de o dono estar em sua propriedade seria equivalente a promover invasão, ou invadir.
Ana Júlia, inclusive, mostrou-se insegura, ao início de sua fala. E mostrou-se nervosa, trêmula, quase não conseguindo fazer suas palavras serem audíveis. 
Mas, levou avante seu discurso, e ganhou força quando desafiada e ameaçada de ter a palavra cortada, apenas porque falou o óbvio: as ocupações dos prédios escolares, é tão somente para alertar à sociedade de como a condução da política educacional, por parte do usurpador temer, vai na contramão de tudo que a sociedade dita democrática necessita.
Afinal, a reforma educacional do ensino médio passada a fórceps, por Medida Provisória, como lembrou a estudante, é necessária, mas está conduzida com um viés autoritário que não é admissível. 
E a ela assiste razão, não há como negar, já que os que mais poderiam discutir e sugerir em termos de mudanças, os professores não foram ouvidos.
No fundo, a reforma é apenas um mecanismo para tentar eliminar de currículos as matérias capazes de despertarem a consciência crítica da população. E, despertando sua consciência, desenvolver no povo, um sentido de cidadania. 
Além da reforma a luta é também contra a PEC renumerada agora, no Senado, para PEC 55: a do famigerado teto de gastos públicos, por 20 anos. 
Medida que vários setores sérios da sociedade, e inclusive manifestações de organismos internacionais, já rotularam de desastrosa, devido o corte de gastos na área de educação, saúde e benefícios sociais que a medida traz embutida.
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Mas, a população que se acha esclarecida, por ler Veja e Época, ou por ter acesso à informação ouvindo o Jornal Nacional, ou seja, a classe média conservadora, reacionária e manipulada, que de nada entende e finge de tudo ter conhecimento, comprou a ideia nefasta de que é necessário cortar os gastos públicos. Para equilibrar as contas fiscais. E para chegar a esse equilíbrio sem ter de aumentar impostos que os ricos não querem pagar. E que a classe média que paga por todos, sem consciência disso, acredita que não podem ser majorados. 
Classe média que, ao não aceitar qualquer alteração no sistema tributário, por miopia, não consegue enxergar que uma reforma tributária, na direção necessária, poderia até resultar em menor ônus recaindo sobre seus ombros. 
Confusa, essa parte da população deixa-se ludibriar e acaba defendendo não os seus interesses, mas os da classe mais favorecida. 
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E não é só. Mal informada ou com informações deturpadas, muitos desses que criticam Ana Júlia e seus motivos, acreditam que o ajuste fiscal prometido pelo governo irá ser feito mesmo que as medidas do desgoverno não tenham a mínima capacidade para fazer elevar as receitas públicas. 
Que, ao que tudo indica, irão continuar declinando, a aprofundando o déficit.
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Mas, voltando ao início desse pitaco, as críticas à Ana Júlia e a possíveis interferências de seu pai, petista, mostram mais o fato de tais pais não serem capazes de elaborarem um discurso positivo, capaz de convencer aos seus próprios filhos quanto à correção de suas ideias e da justiça nelas entranhada, especialmente por seu conteúdo fortemente social. Solidário. Voltado para causas que atingem a todos e a todos beneficiem. E não apenas aos umbigos próprios.
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Independente de tudo, Ana Júlia, doutrinada ou não, conseguiu mostrar capacidade de se indignar e reagir, que não estava no script, combinado. E silenciou aos parlamentares, mostrando que a responsabilidade pela integridade de todos os menores, adolescentes, é de todos nós, E deles, principalmente, já que representantes do Estado.
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Poucos dias depois, convidada para ir ao Senado onde iria poder fazer outra apresentação de suas ideias, foi também criticada apenas por ter estado em companhia da Senadora do seu Estado, o Paraná. 
Como se não fosse mais que uma cortesia, uma obrigação, que qualquer outra pessoa que fosse convidada a fazer uma apresentação no Senado, fosse recebida por TODOS os senadores que representassem seu estado. 
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No entanto, nesse caso, as críticas que foram compartilhadas em redes sociais, mostram não desconhecimento de causa, ou desinformação, mas apenas falta de educação mesmo de quem se acha, muitas vezes, portador de educação de padrões mais elevados. Padrão Socila, das meninas candidatas a misses.
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Deixando de lado a menina, que tanto deveria nos orgulhar, e passando para uma questão que, embora, distinta, tem muito a ver com as preocupações da estudante e de seus colegas, pelo Brasil afora.
Refiro-me novamente à questão do ajuste fiscal. 
Agora, para citar ao colunista da Folha de São Paulo, Vinícius Torres Freire  que, ontem, sem qualquer desfaçatez, abordou a questão da repatriação de recursos mantidos no exterior, de forma ilegal já que característica do crime de evasão de divisas.
A propósito de um novo prazo que o governo pretende abrir para permitir que os dinheiros mantidos ilegalmente possam ser trazidos para o país e serem legalizados, o colunista saiu-se com o que poderia ser classificado simplesmente como verdadeiro escárnio.
Por sua lógica perversa, a medida que conseguiu arrecadar 50 bilhões de reais em sua primeira fase, está funcionando como um imposto sobre fortunas, tão demandado pelos setores da esquerda do país. Afinal, ao contribuir para elevar a arrecadação, de certa forma, estaria obrigando os mais ricos, que são os possuidores principais de tais recursos, a pagar impostos e multas à Receita. 
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Nem acho que vale a pena discutir se a multa é elevada, ou se os impostos são os devidos, ou os que deveriam ter sido recolhidos quando o seu detentor resolveu passar a perna na lei e tirar dinheiro por baixo do pano do país. 
O escárnio está em chamar isso, que os fascínoras chamariam de esquentar dinheiro sujo, de uma espécie de castigo, uma espécie de imposto sobre fortuna.
Melhor seria dar o nome verdadeiro aos bois, e quem sabe mostrar que, esses que agora trazem os recursos foram pela sonegação que protagonizaram, antes, os responsáveis ou parte dos responsáveis pela geração do déficit que o governo apresenta. 
Mas, essa espécie de colunista vinculado ao mercado obviamente não tem essa visão da questão. Ao contrário, apenas tem a preocupação de alertar para o fato de que esse tipo de dinheiro arrecadado agora, é de uma lavra apenas. E não passa de dinheiro extraordinário, que alivia agora a dívida, mas não vai entrar novamente em outros anos.
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Em tempos de Dilma e Arno Augustin, isso seria considerado minimamente como contabilidade criativa. Agora, não. É tratado como alívio da dívida. E só. 
Mas nem isso pode ser correto. Afinal, medidas como essa do perdão de parte de multas e juros para que criminosos, em tese, tragam seus recursos evadidos do país, pode sim ter vida longa, na medida em que acarretar o que a teoria econômica denomina risco moral. 
Afinal, vale a pena, sempre, cometer o ilícito, já que mais tarde todos seremos perdoados, como o Pai perdoou aos pecadores. 
Simples assim.
E como o governo estará sempre com dificuldades de caixa, a repatriação poderá ser medida adotada mais vezes no futuro.
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Termino comentando a prepotência de quem se acha ungido especial de Deus, e dono da verdade única e absoluta: o economista e, talvez muito apropriadamente colunista da Folha, Alexandre Schwartsman. 
Do economista, cuja figura, em minha opinião é inequívoca demonstração e sinal de arrogância, apenas assinalar que, ao contrário de argumentos, vem se notabilizando por sempre apelar para a tentativa de detratar as seus adversários, ou aqueles que têm pontos de vista e são de escolas de pensamento contrários. 
Mas, tudo bem, já que como disse antes, ele se acha o dono exclusivo da verdade universal. 
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Tal comentário vem a propósito de sua coluna de ontem, em que fazendo o que mais gosta ou consegue, em sua limitação, critica a todos que têm se manifestado contrários às medidas de contenção de gastos, por seu potencial de provocar estagnação.
Diz ele que, ao contrário do que a teoria mais comum mostra, apenas o gasto público não impulsionaria a demanda, como ocorre nos países mais ricos, dada a existência de um trade off, entre o dispêndio público e a taxa de juros. 
Por outro lado, argumenta que um ajuste fiscal bem sucedido, poderia reduzir os juros, estimulando o investimento. Em defesa de sua ideia alega que menores gastos permitem reduzir a inflação, o que permitiria ao Banco Central reduzir a Selic. Além disso, contribuiria para a redução de nosso risco país. E aponta que o risco país caiu apenas pelo anúncio das medidas de contenção dos gastos anunciadas. 
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Mas fazendo uso de seus ataques a, como ele se refere, esse pessoal keynesiano de quermesse, que participa do debate sempre brandindo os mesmos defeitos de má teoria, e aplicando a ele essa mesma adjetivação, parece que o professor pouco ou nada sabe da história do país. 
Por exemplo, não deve ter conhecimento de trabalho de Rogério Furquim Werneck que mostrou a importância para a decisão empresarial de investir em nosso país, da precedência do gasto público em investimento. 
Tampouco deve ter tomado ciência da política de gastos públicos e elevação de crédito e de demanda agregada que Delfim Netto pôs em prática nos idos de 1967, sem gerar inflação, tão somente por ter capacidade ociosa abundante na economia. Justo como agora. 
Demais, diz que apenas o gasto público não impulsionaria a demanda, como se algum de seus opositores, achasse mesmo que apenas o gasto público deveria ser favorecido. 
Não percebe que a elevação de gasto público teria a capacidade de despertar o efeito multiplicador, que levaria a aumento de emprego e renda e, com isso, aumento de gastos de consumo. Isso, sem contar, com a melhoria das expectativas empresariais, que são importante razão para que os empresários se animem a investir.
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Ora, se há motivos, como a queda da inflação para que os juros básicos possam ser reduzidos, como ele aponta, é importante lembrar que os empresários não irão investir apenas por trabalharem com menor custo de capital. 
Como já mostrado por outros professores, e autores com mais projeção que o pretenso semideus, a facilidade de obtenção de recursos no mercado irá levar, primeiro os empresários a reduzirem o custo de sua estrutura atual de capital. Após, irão se preocupar em aplicar seus recursos no mercado financeiro onde, mesmo com rentabilidade menor, têm tranquilidade de que ela é assegurada. 
Ao contrário de tomarem decisões de investir, mesmo sabendo que não irão ter quem queira realizar, no mercado, o valor gasto para a produção das mercadorias. Ou seja, a produção para se expandir depende de um ambiente econômico que seja favorável e não o ambiente recessivo que o país enfrenta no presente quadro.
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