quarta-feira, 28 de março de 2018

Que tiro foi esse? Uma análise em busca de seu significado

Até agora foram dois os cadáveres. O primeiro, capaz de provocar comoção até em escala internacional, de Marielle Franco,  vereadora carioca e ativista social, defensora dos direitos humanos, que vinha fazendo denúncias e críticas à atuação da Polícia Militar, dos grupos de milicianos que atuam sob suas vistas, e à intervenção das forças militares no Rio de Janeiro, decretada por temer, como panaceia para os graves problemas de segurança naquela cidade.
O segundo, o de seu motorista, Anderson, morto ao que parece, por estar trabalhando e prestando serviços para  Marielle Franco.
Apesar de discursos indignados, atos de protestos e revolta, busca e divulgação de imagens gravadas por câmeras de segurança, e até um certo destaque dado às mortes por órgãos da imprensa, como a rede Globo, o fato é que até agora, as investigações não conseguiram avançar no sentido de desvendar sejam os motivos da bárbara execução, muito menos os seus autores, o que dirá de seus mandantes.
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Como se não bastassem esses dois corpos, que ficarão insepultos na memória da população até que a Polícia ou as forças de segurança consigam dar uma satisfação à sociedade, parece que o país vive a necessidade de surgimento de mais cadáveres.
Quem sabe, até de um cadáver mais importante, como o de um ex-presidente da República?
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Como as páginas da história de nosso país bonachão e de população ordeira e tolerante não nos deixam esquecer, não foram raras as vezes que a produção de cadáveres foi a forma encontrada para se tentar superar os momentos de crise política e social.
Ao longo do tempo, os registros têm anotado, para ficar nos mais recentes, o cadáver do Major Rubens Vaz, assassinado no célebre atentado da Rua Toneleiros, que alguns acreditam ter tido como alvo o político Carlos Lacerda, e que deflagrou a crise que culminou no suicídio de Getúlio Vargas.
O próprio cadáver de Vargas deve entrar nessa conta, como forma de solucionar a crise, já que como disse o presidente em sua famosa carta testamento, ele optava por deixar a vida para entrar na história.
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A propósito do atentado, apenas uma observação em relação ao alvo de toda a operação: Lacerda não apenas não entregou a arma que portava para ser periciada, como também apareceu engessado, alegando ter sido ferido por um tiro no pé, sendo que nenhuma chapa de raio X, nem qualquer hospital tivesse feito o registro de seu pretenso atendimento.
Mas isso é história e outros conhecem tão bem, ou até melhor que eu desse assunto.
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Embora não computados de forma escancarada, o cadáver de Castelo Branco, cujo jato foi abalroado por um avião de pequeno porte quando sobrevoava o Ceará, talvez também faça parte dessa relação, quando nada pelo inesperado de o piloto, sentado no mesmo lado do ditador militar ter saído incólume do acidente.
Na época, e até depois, dizia-se que Castelo, arrependido, tinha planos para entregar de volta o poder aos civis.
Certo, no entanto, é que sua morte abriu espaço para o recrudescimento da ditadura militar nos idos já longínquos de 1967.
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E também não se computa, mas quem sabe poderia ser incluído no rol de cadáveres famosos, e úteis, os casos quando nada curiosos da morte de Juscelino Kubistscheck, em acidente de carro até hoje questionado; no mesmo período em que João Goulart morria de ataque cardíaco no Uruguai (até hoje há quem afirme que o ex-presidente foi envenenado) e a morte de Carlos Lacerda.
No mesmo período curto de tempo, sobreveio a morte dos três principais líderes civis de nosso país: dois ex-presidentes. A observar: dessa vez Lacerda nada pode ocultar da mídia.
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Não bastasse pois, tantos cadáveres em nossa história, ainda teria que surgir mais um: o de Lula?
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Ainda ontem, comentava que estivéssemos nos Estados Unidos, país que é o sonho de consumo em termos de exemplo de uma grande democracia liberal para a grande maioria dos cidadãos brasileiros, ai daquele que tentasse se aproximar ou pensar em agredir a um ex-presidente da República.
Lá, como se sabe, a Presidência da República é tratada como uma instituição, tratamento que se estende aos seus ocupantes, inclusive aos ex-presidentes.
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Aqui, lembro-me de que o tratamento que nossa falta de educação e de civilidade permitem dispensar é o da agressão, do palavrão, do ataque, da grosseria, do achincalhe, até mesmo nos órgãos da imprensa, que são concessões do Poder público.
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Face à falta de educação notória, e ao espírito amigável do povo brasileiro, essa grande quimera, ou invenção do marketing tupiniquim, de qualidade rasa, lembro-me de já ter tratado aqui, nesse blog, em situações anteriores, de como a seleta plateia de gente de bem e de bom nível cultural e social recebeu e saudou ao cidadão no momento ocupando a cadeira de presidente do país.
Refiro-me ao caso de Dilma nas partidas da seleção brasileira pela Copa das Confederações a que ela tinha a obrigação protocolar de estar presente.
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Sinal de nossa educação cívica e urbanidade foi ouvir as milhares de vozes dos privilegiados que puderam pagar o valor elevadíssimo do ingresso para aqueles jogos; daqueles que tanto se orgulharam de cantar, a uma só voz, e à capela o hino nacional, gritando os palavrões de que conseguiam se lembrar para receber a presidenta.
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Até mesmo eu, ao redigir esse blog, cometo e já cometi outras vezes, a atitude que estou criticando, referindo-me ao usurpador ocupante do Planalto, por temer. Em minúsculas, como foi a forma baixa e traiçoeira que ele usou para tirar a presidenta eleita e permitir que lhe caísse no colo, a presidência. Que ele ocupa ilegitimamente, em minha opinião, razão porque lhe dispenso esse tratamento.
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Mas, já houve outras épocas, mesmo que não tendo admiração expressa pela figura e por seu comportamento político, em que estando em palestra com o presidente Jânio Quadros, não apenas eu, mas toda a turma ouvintes manteve o tratamento de presidente àquele que tinha sido eleito para o cargo, mesmo não tendo respeitado a opinião da ampla maioria do eleitorado e descumprido o mandato recebido.
Isso foi na FGV, São Paulo, no prédio da Av. Nove de Julho, no ano de 1977 ou 78. Tempos em que um mínimo de educação ainda podia ser identificado.
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Pois bem: posso não ter admiração por Fernando Henrique Cardoso, mas merece ser tratado com respeito por todos nós, brasileiros. Mesmo que não necessite disso, já que seu ego é suficiente para dar a ele, toda a atenção e deferência de que é digno.
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Ainda ontem, nesse blog eu comentava das agressões absurdas cometidas contra Lula e sua caravana, pelo sul do país. Uma falta total de respeito, de dignidade, de caráter democrático. Atitude de fascistinhas, aos quais nem se deveria rotular, dado o nível tão torpe e baixo com que tais pessoas se apresentam e se comportam.
Mas, enquanto há vaias, tudo é aceitável. A situação agrava-se quando há barreiras visando impedir o direito que essa turma de vândalos de boutique diz defender: o direito de ir e vir. O direito de manifestar-se livremente.
Coisa que eles só admitem, quando é o direito deles.
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Agrava-se muito a situação, entretanto, quando essa turba de insanos resolve partir para a agressão. Seja atirando objetos, seja atirando ovos.
E antes que me esqueça, para mim valem igualmente, e têm o mesmo desprezo e nojo de minha parte, os que jogam e comemoram ou os idiotas que repercutem as imagens de agressões flagrantes.
Levando em conta essas considerações, tenho de elogiar de público o comportamento de um ex-colega de Banco Central, o Tarcísio, com quem, nas palavras dele, não concordamos em nada, exceto talvez um bom gosto musical.
Tarcísio ontem deixou bastante clara sua opinião de que agressões, seja a Lula ou a qualquer outra pessoa, como as ovações, pedradas, barreiras nas estradas são a mais inequívoca demonstração de nosso baixíssimo nível de civilidade. E merece ser repelido por qualquer um de nós, que mantemos ainda um mínimo de urbanismo, respeito e espírito democrático.
Parabéns, Tarcísio.
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Mas agora a barbárie parece ter tomado conta. E nem foi uma questão de música, mesmo que de qualidade discutível, de Jojo Todynho: Que tiro foi esse?
Foram dois tiros, se não outros mais que não atingiram a lataria dos ônibus.
Tiros disparados pela ignorância e selvageria das pessoas, se é que pode-se chamar de ser humano alguém que se dispõe a cometer tal desatino.
Porque, parece-me, que o quociente de inteligência, o QI, é abaixo do de uma ameba.
Ou alguém em sã consciência acredita mesmo que Lula estaria no interior dos ônibus, e não como até a idade dele indicaria, em algum carro de luxo, mais confortável?
Os tiros nos ônibus não alcançariam o ex-presidente, mas pessoas a ele ligadas, convidados, quem sabe jornalistas, talvez até algum convidado estrangeiro.
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Será que é isso que pretendem os responsáveis pela tentativa de intimidação? Os covardes que se escondem e se protegem pela distância e pela posse das armas? Esses ignorantes que demonstram a todo tempo que não têm argumentos e não sabem, nem podem debater ideias?
Será que se procura é um novo Rubens Vaz?
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Pior: dão munição a Lula para que ele possa desempenhar um dos papeis que todos devemos reconhecer, o ex-presidente sabe exercer como poucos. Dão a Lula a condição de posar de vítima. Que afinal de contas é o que os tiros acabam provocando.
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E só para recordar: um cadáver, qualquer que seja nessa hora, ligado à caravana de Lula trás, além da possibilidade que muitos desejam, de um assanhamento dos militares, também a eleição assegurada de qualquer nome que o PT vier a lançar.
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Enquanto isso...

Bolsonaro dispara no interior do país, mais ligado àquele tipo de capital mais representativo do atraso de nossas elites, o capital agrário.
Que é bom lembrar dos ensinamentos de Caio Prado: é muito eficiente e competitivo, e liberal, e moderno e inovador, nas relações que estabelece com o exterior, local para onde faz escoar sua produção.
Em relação a esses mercados, dá demonstrações inequívocas de estar completamente integrado e atualizado.
Mas, voltado para as relações interiores, aquelas com o meio ambiente, os trabalhadores, o Estado sob suas múltiplas formas, é a representação do atraso mais cabal. Do capital mais predador, e mais incapaz de admitir e reconhecer direitos.
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Pois bem: esse é o público que tem dado, no Centro-Oeste e no interior ou nos grotões das Minas Gerais, a preferência pela plataforma liberal, sofisticada, hodierna e globalizante e globalizadora de que Bolsonaro é um símbolo(?)
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É isso.

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