Vivemos um período de injustificadas
urgências, que nos obriga a restringir questões relevantes, discursos,
conteúdos.
Por isso e para poupar
tempo, inicio cumprimentando os pais, companheiros, familiares e amigos dos
formandos, que merecem o reconhecimento por tudo que viveram e se sacrificaram,
para dar alento e suporte aos formandos, ajudando-os a concretizar o sonho de
estarem aqui, hoje. Parabéns.
A razão de eu estar sendo
homenageado essa noite, honra que muito me orgulha, não é só por alguma
qualquer qualidade que possam ter descoberto em mim ou em minhas aulas.
Porque junto do convite
veio uma intimação para que eu fizesse um discurso. Elaborasse uma mensagem contendo
palavras com algum significado.
Lembrei-me de Ziraldo, o
autor de histórias em quadrinhos, e de uma entrevista em que o cartunista de
Caratinga, afirmava que, já mais velho, percebeu a importância da palavra.
Talvez mais importante que o traço, a imagem pronta, definida.
Referindo-se a um diálogo
com Carlos Drumond de Andrade, Ziraldo atribuía ao poeta a lembrança de que
palavra é a soma de lavra - o veio, a mina, o ouro- e pá, o instrumento para
alcançar a riqueza, o conteúdo. Ou seja, a forma e o meio para obter a riqueza
maior: o conhecimento.
Trilham o bom caminho os
que clamam, no deserto de ideias, por palavras, significados e mensagens com
conteúdos.
Razão para relembrar a célebre
alegoria da caverna de Platão e suas imagens, virtuais ou imaginárias,
carregadas de conteúdos ideológicos em contraposição ao mundo real.
Em resumo: o relato do
grupo de homens em uma caverna, acorrentados de forma a que não pudessem se
locomover, mudar de posição ou sequer virar a cabeça. Condenados a encararem um
paredão. Na caverna, além deles, uma fogueira ardente e a presença de seus
vigias.
Ao grupo era permitido
ver apenas os reflexos, as imagens dos movimentos dos guardas, ou de objetos, pessoas
e animais no exterior da gruta.
Sem noção do que viam e
sem compreenderem aquelas imagens, os presos desenvolveram não só uma visão mas
toda uma explicação do mundo, uma teoria de sua história e até regras de comportamento.
Até que um deles escapou
das correntes e da caverna e, adaptando sua vista ao exterior, não pode evitar
o choque causado pela consciência da diferença entre o ambiente fora da caverna
e tudo que sempre concebera. Surpreso, decidiu voltar para contar aos amigos sua
descoberta, da diferença entre o real e o imaginário.
Na ânsia de transmitir sua
estranheza, sua experiência que negava as verdades estabelecidas, as crenças do
grupo, não surpreende que o final da alegoria seja a descrição da reação de ira
crescente dos outros presos, primeiro como negação, depois pela
identificação do outro como louco,
culminando com sua morte.
O que revela como a imagem
pode ser enganosa, como a palavra pode
sevir para manipular a realidade, e me leva a refletir acerca desse desejo de
condenarmos à morte ou indiferença o que nos é desconhecido. Estranho.
Diferente.
Reflexão que me faz
recordar uma entrevista de Amir Klink, o navegador solitário dos mares do
mundo, e sua referência a uma frase do general grego Ptolomeu. Frase que depois
teve a interpretação de seu significado ampliada, e que foi celebrizada por
Fernando Pessoa: “Navegar é preciso, viver não é preciso”.
Porque se navegar exige o
domínio de conhecimentos técnicos definidos, precisos, seguros, que não dêem
margem a erros e enganos, viver é, em contrapartida, justamente o contrário.
Viver é se emocionar, tomar decisões, se
decepcionar. Viver é sonhar... Dado que vivemos do presente para o futuro, que nada
mais é que o próximo presente e o outro, o outro mais, e que desconhecemos o
futuro, como dizia o economista Keynes, vivemos e tomamos decisões sob
incerteza. O que nos remete, como o veleiro de Klink, a todo um mundo
maravilhoso e dramático de experiências novas, novas imagens e nova concepão do
que é a realidade.
Viver é dar asas à
imaginação. Criar mundos. Ou se dispor a cavalgar, como um barco frágil, o dorso das ondas.
Também de Klink é a lição
de que não devemos procurar saídas para fugir de problemas. Os problemas
devemos encará-los e abraçá-los. Fazer deles nossos aliados.
Não adotar o
comportamento de Neymar e seu cai-cai,
destinado a chamar a atenção para suas dificuldades, rolando e se contorcendo no
papel de vítima, postura que é a um só tempo derrotada e derrotista frente às
quedas e pancadas.
Como já previsto na
música, a solução está em cair, levantar, sacudir a poeira e dar a volta por
cima. Quem sabe, comemorando um gol e a vitória.
No Brasil, país pleno de injustiças
e privilégios, diferenças e desrespeito; de imagens manipuladas, desligadas do real,
como cumprir o dever primordial do cientista social: de buscar resolver nossos
graves problemas, pela transformação de nossa sociedade?
Em meio a crises, em que
problemas individuais e financeiros se acumulam a problemas sociais, qual o
comportamento adotar? Individualista como Neymar ou do tipo coletivo, do time
entrosado em busca de um objetivo comum?
Para vocês formandos, apenas
uma advertência, quem sabe recomendação: evitem adotar o comportamento dos
prisioneiros da caverna. Lembrem-se que a realidade, mesmo que dura e trágica,
é sempre muito melhor que a criação de fantasias, que a veneração de mitos,
fardados ou não; cultos e letrados ou não. E que o interesse comum é sempre
potencialmente mais rico que a defesa de interesses corporativos.
À moda de Darcy Ribeiro,
lembrem-se que há apenas dois lados em disputa: o lado dos indignos e dos
indignados.
Lembrem-se que a construção
de um país não passa pela liberação do porte de armas, pelo autoritarismo, por
desrespeito e perseguição ao diferente,
mas pela participação, em igualdade de condições, de todos nós.
Que tudo o que queremos
está sempre do outro lado do medo. E que a construção de um país melhor para
todos nós depende, sobretudo de nós mesmos. E de nossos esforços.
Que vocês possam ser os
construtores desse mundo novo.
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