Um idoso que urinava na rua é falsamente acusado de pedofilia por uma mulher ligada ao tráfico. Indignada a população reage, promove um linchamento e mata o homem.
Para a delegada, “esse tipo de crime
de pedofilia, de estupro, a comunidade .... não tolera. Naquela comunidade não
seria diferente. Então, foi morto de maneira cruel”.
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Outro homem, de 52 anos, foi
morto a tiros e pedradas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, sob a mesma
acusação de pedofilia feita por uma vizinha. O
Apesar de negar as acusações, o
homem foi chamado a um encontro, onde 2 mulheres e 5 homens o aguardavam. Os
homens o agrediram e um disparou um tiro em sua cabeça.
Testemunha afirma que as mulheres
gritavam: “Tem que matar. Pedófilo tem que morrer.”
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De há muito sabe-se que se a Polícia
prender um homem acusado de estupro em uma cela apinhada com outros homens, ele
será justiçado e não permanecerá vivo por muito tempo.
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No Rio, na comunidade de Itaúna, que
integra o complexo do Salgueiro, um sargento é morto durante um patrulhamento.
Operação feita pelos soldados do
BOPE, para identificar e prender os responsáveis pelo assassinato de seu
colega, além de procurar retirar outros policiais que estavam no interior da
comunidade, resulta em 8 corpos encontrados em área de mangue, pela população.
Um nono corpo foi encontrado
depois.
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Investigações revelam que foram
disparados mais de 1500 tiros.
Apesar disso, o atual governador
do Rio, que assumiu o cargo em razão do impeachment daquele outro, que comemorava
com pulinhos de alegria o fuzilamento de bandidos, afirmou que “Coisa boa não estavam
fazendo.”
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Em atitude típica de ‘chumbo
trocado’, outro policial militar, Jamilton Machado de Assis foi morto nessa
terça feira, dia 30 de novembro, baleado na cabeça, dentro de uma viatura que
fazia patrulha na Zona Norte do Rio de Janeiro. Pai de família, dois filhos gêmeos.
A polícia faz buscas na região.
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No estado de Goiás, a Polícia está
à procura de um caseiro, acusado de matar a mulher grávida, a enteada de menos
de 2 anos e um fazendeiro vizinho.
Não satisfeito, tentou estuprar a
mulher do fazendeiro, que se salvou apenas por se fingir de morta.
Os motivos dos crimes ainda são
desconhecidos.
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Mas, independente da espécie do
crime, o que eu gostaria de tratar era da banalização da vida.
Ou pior, no caso da série de
crimes de feminicídio que vêm ocorrendo em sequência, de como alguns indivíduos
se acham dotados de um direito de propriedade sobre a moral, o comportamento, a
vida de outras pessoas.
Donos que acreditam ser, acham-se
no direito de disporem de sua propriedade como bem quiserem, como alguém que chuta
um móvel, ou um objeto que estava em seu caminho. Como alguém que tem o sagrado
direito de punir o autor de ato com que não concordaram.
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Punir, inclusive com a morte. Apenas
por que, ao manterem algum tipo de relacionamento conjugal ou romance, oficial
ou não, passam a se considerar donos, como se a aceitação pelo outro fosse,
necessariamente o sinal de submissão plena.
De anulação da personalidade e
desejos da companheira.
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Em outros casos, a transferência
pela sociedade das atividades ligadas à sua segurança a uma instituição adequadamente preparada, qualificada, treinada e até armada para exercer as funções
de controle da ordem e bem estar, do policiamento, da investigação de atos
definidos como criminosos e atentatórios aos direitos e aos princípios morais e
bons costumes, parece dotar a Instituição, no caso a Polícia, do direito de decidir
como agir, e o que fazer, uma vez cumprido, com êxito, seu dever.
Parece-me que os policiais se
arvoram, em algumas ocasiões, não apenas de guardiões da segurança e da lei, em
proprietários da vida pública e da própria sociedade.
A partir desse sentimento de
propriedade ou posse, não aceitam aquilo que não corresponde aos valores por
eles defendidos.
Qualquer transgressão transforma-se
em uma afronta, que merece castigo pesado e imediato.
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Dessa forma, a sociedade, desigual
por natureza e nada pacífica ou cordial, vai internalizando as lições que
aprende com aqueles que deveriam existir justamente apra impedir que procedam
baseada na força e na barbárie.
A população aprende e passa a
achar que está autorizada a agir de maneira agressiva e violenta, contra aquilo
que não lhe agrada ou provoca sofrimento.
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O resultado é a cada vez maior
banalização da vida, contra a qual acho ter chegado a hora de nos insurgirmos.
Antes que a lei de Talião e a
vingança pura e simples se transforme em norma de convívio social.
De minha parte, eu não dei a
ninguém autorização para matar em meu nome ou em minha defesa. De minha parte,
não concordo em respeitar os direitos humanos para humanos direitos, até por não
ter dado mandado a ninguém para definir por mim o que é ser direito.
Não concordo com a realização de
chacinas, como forma de lavar a honra de quem quer que seja, muito menos de Instituições
preparadas para prender criminosos e PERMITIR A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA.
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Estejam ou não fazendo boa coisa,
conforme a ótica do governador do Rio, eram seres humanos, falhos e criminosos.
E se cometeram crimes, que a pena da lei lhes caia sobre a cabeça de forma
pesada.
Mas, dentro da LEI.
Até como forma de evitar que as
pessoas passem a refletir se o comportamento justiceiro teria sido o mesmo, se
o tiro que matou um policial de serviço fosse dado em condomínio de brancos ricos.
Ou por colegas fora do plantão policial. Ou por milicianos.
***
Nosso arcabouço jurídico, legal,
não prevê a pena de morte.
Felizmente o tal excludente de
ilicitude é apenas ato destinado a suprir a falha de caráter de quem defende tal
proposta.
Pessoa nenhuma pode se arvorar em
dono de quem quer que seja ou da vida (a sobrevivência fora do útero) de outro
ser humano, como forma de punição por comportamento hediondo.
***
Para encerrar, trato da questão
da normalização da morte em nossa sociedade, em tempos em que, graças à vacinação
e medidas de restrição e distanciamento, vamos abrindo as cidades para as
atividades normais da vida humana. Incluída a diversão necessária e os grandes
encontros festivos.
Afinal, ninguém é de ferro. Não
podemos ficar isolados e trancados em casa. Somos seres sociais. Gregários.
E o número de mortes já caiu
drasticamente, o que mostra que a pandemia já foi vencida.
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Mas apenas ontem foram 114 óbitos.
A média ainda é equivalente aos efeitos trágicos de um grande acidente aéreo.
Mas, nos acostumamos, tristemente,
à morte diária de apenas 200 seres humanos. Parentes, maridos/esposas, filhos/filhas,
pais ou mães, gente como a gente.
Até atleticanos prontos para
soltar o grito de Campeão que trazemos na garganta há 50 anos.
A prudência e a experiência de
77-78 nos faz deixar para tratar do Galo em um próximo pitaco.
Um comentário:
Hannah Arendt disse que "abdicar de pensar também é crime." Seu texto trata, com propriedade, deste tema. Fatos do dia-a-dia com os quais nos acostumamos e por mais absurdos que sejam não geram a indignação e a revolta que merecem. A frequência com que a violência ocorre em nossa sociedade (em especial contra negros, homossexuais, pobres e mulheres) deixa-a entorpecida.
A Lei de Weber-Fechner, conhecida no âmbito do marketing por Limiar Absoluto, propõe que há um ponto na intensidade de um estímulo que quando atingido, este estímulo é percebido e assim o indivíduo reage a ele; por isso cada vez mais a comunicação de marketing precisa dessenvolver estímulos mais intensos ("só hoje, desconto de 70%"; "oferta válida para os 10 primeiros compradores"; na compra disso, leve gratuitamente aquilo; etc.). Mas quando muitas organizações desenvolvem ao mesmo tempo estímulos similares, chega-se ao ponto de saturação, onde tudo faz parte daquilo que é esperado, desta forma o desconto de 70% deixa de ser atraente. E somente outro estímulo, com intensidade maior, poderá ser percebido.
Talvez por isso a injustiça e a violência passem desapercebidas e de certa forma até saudada por parte de nossa sociedade.
Aliás o provérbio "quem não deve, não teme" simboliza muito bem, pelo menos para mim, a reação do atual governador do Rio de Janeiro, de parte expressiva de nossa sociedade, capitaneados pelo atual presidente. O provérbio incorpora o conceito fascista do tal "cidadão de bem".
Em 1.972 o então presidente norte-americado, richard nixon (o popular dick trapaça) renunciou em função de comandar operações ilegais contra a oposição. Em 1985, ronald reagan autorizou um atentado em Beirute contra o Aiatolá Fadlallah. Necessário observar que em 1981 reagan havia assinado a Ordem Executiva 12.333 que proibia a CIA de cometer assassinatos. No atentado morreram 80 pessoas, centenas ficaram feridas (a maioria mulheres e crianças, o Aiatolá saiu ileso); reagan financiou o terrorismo na Nicarágua, etc. Tudo descoberto e divulgado e não aconteceu nada com ele, cumpriu integramente o seu mandato e ainda fez o seu sucessor... estes dois fatos ilustram algo terrível: aqueles que de alguma forma protestam contra a injustiça (atualmente) passam a ser considerados como traidores e rapidamente rotulados de esquerdistas, esquerdopatas, etc.
O sistema de educação (que incorpora outras dimensões, como jornalismo, igrejas, mídias, etc.) vigente em nosso país contribui para criminalizar o pensamento, a visão crítica e assim o senso de cidadania.
E não creio em mudanças neste cenário dantesco... Resta-nos fazer o papel da "água mole em pedra dura".
Fernando Moreira
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