sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Ainda a repercussão da queda da Selic

Continua repercutindo, bastante como era de se esperar, a decisão do COPOM de derrubar a taxa de juro em 0,5%, trazendo seu valor de 12,5% para 12% ao ano.
Para os analistas do mercado, cujos salários, bônus e remunerações e benefícios dependem do aumento dos lucros dos bancos, a decisão da Autoridade Monetária foi a pior possível, especialmente por ser indício de que o Planalto e o Ministério da Fazenda resolveram voltar a intervir nas decisões, em tese, apenas afetas ao Banco Central.
Entende-se o desespero desses analistas: grande parte do estoque da dívida pública mobiliária (representada por títulos públicos) de mais de 1,3 trilhão de reais, sobre a qual são pagos os juros da Selic, está em posse do sistema financeiro,  bancos à frente.
Logo, qualquer variação das taxas de juros tem imediato impacto sobre a rentabilidade das instituições financeiras e, como consequência, das remunerações e prêmios dos magos das finanças.
Magos que, como o excelente documentário Inside Job já comentado aqui deixa escancarado à nossa vista, não são os prestidigitadores por quem tentam se fazer passar. No fundo, é a turma que dá conselhos e orientações de aplicações e investimentos, capta clientes para as instituições cobrando caro pelo aumento dos incautos a quem ludibriaram, enquanto suas instituições eticamente jogam contra as posições que elas mesmas andaram recomendando.
Mas, no caso específico dos títulos públicos, a principal questão é essa é a papelada que paga juros, assegura a correção proveniente das perdas inflacionárias, acaso existentes, e tem risco zero, para todos os efeitos.
Inclusive no cômputo do índice de Basiléia, que determina o nível de capital (dinheiro próprio) que o dono ou controlador do banco tem que por no negócio para suportar os ativos que possui, avaliados por seu grau de risco, o risco dos títulos públicos é o mesmo que o da moeda corrente: zero.
Isso justifica, em parte, o porque dos bancos terem preferência pela realização de operações de crédito em que estão emprestando não para o armazém da esquina ou a grande empresa industrial, mas para o próprio governo.
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Dito isso, se a remuneração do título cai, a rentabilidade do banqueiro diminui, já que a receita de títulos cai. E o analista perde prêmios.
Fica claro, então, que as opiniões dos tais analistas nada tem a ver com a preocupação com a inflação e seu controle. Ou até podem ter, em escala muito pequena. O que os incomoda e os fazem chiar nas redes de tvs noturnas, como são exemplo os comentaristas globais é a possibilidade de perda de seus ganhos.
Por isso, a queixa de que o BC perdeu autonomia. E, passou a ser manipulado pelo governo.
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Importante deixar claro: a questão passa a ser então: quem manipula o BC?
Afinal essa "agência" pública de regulação do mercado financeiro deve servir a quem? Ao mercado? Ao governo de plantão? À sociedade?
Toda a discussão e os argumentos tentam disfarçar exatamente isso: Quem controla o Banco Central? Em relação a quem ou a que o BC deve ser independente? Em relação a quem ou a que deve ter autonomia?
Se se argumenta que deve ser independente dos setores que deve controlar e fiscalizar (sistema financeiro), isso significa que deve ser totalmente atrelado aos outros setores ou agentes?
Essa pergunta, mal colocada, esconde a questão fundamental em minha opinião, vinculada à discussão da Independência ou não da Autoridade Monetária. Porque a Autoridade só existe por ser parte do Estado e inserida no órgão que o gere, ou seja o governo.
E, se for verdade ao menos parcialmente, o fato de que são os interesses da sociedade que devem ser atendidos pelo BC, dado que estamos em uma democracia e nesse regime o governo é que tem o mandato para agir em nome de todos, ou da maioria, então o BC não pode ser apartado do governo.
Acho que é simples, a idéia. Mas o problema é, claramente mais sério, já que precisa de se discutir se, de fato, o Estado é essa representação da sociedade (ou o locus de resolução das contradições das classes sociais, sempre em defesa da mais forte economicamente). Mas isso deve ser tema de outra postagem.
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Quanto à questão da autonomia, já que não pode ser independente para não se tornar um poder à parte, é verdade que ela deve existir e, deve funcionar, em minha opinião, em relação ao governo de plantão.
Mas, a queda da Selic decidida anteontem estaria vinculada à uma castração da autonomia da Autoridade Monetária.
Claro que não. O que há é que, recém-chegado de uma reunião com outros presidentes de Bancos Centrais do mundo, e obtendo informações e indícios da crise recessiva que se aproxima nos países centrais ou mais desenvolvidos do sistema, o Ministro Presidente do Banco, Alexandre Tombini deve ter sim, sido influenciado, propondo a redução adotada.
Aliás, como todos os membros do COPOM são pessoas normais, que estão inseridas no ambiente econômico e social, estão todo o tempo sendo influenciados pelo ambiente e fatos e notícias que ele gera.
Podem ter autonomia do Palácio do Planalto, mas dificilmente terão autonomia em relação a questões cruciais que estão surgindo no horizonte e que afeta nossa economia, como a eles próprios e os seus interesses, ou os interesses que representam.
Não levar em conta essa situação, é querer diretores do BC autistas. Ou pior, semelhantes à avestruz, cabeça enterrada na areia.
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As notícias que vêem de fora, são suficientes para deixar a todos preocupados, e é essa a realidade que foi levada em conta na queda da Selic.
Mas, voltemos às reações.
Como já mencionamos aqui, enquanto todo o programa do Bolsa Família, que tanta crítica recebeu em especial das elites, com forte apelo junto à classe média, gastou 13 bilhões, o pagamento de juros aos banqueiros levou 226 bilhões de reais.
Ora, o gasto público que todos querem ver reduzido deveria afetar o gasto maior ou o menos significativo?
E, enquanto o gasto mais reduzido representa permitir que as classes menos favorecidas tenham condições de vida menos indignas, e aumento do consumo, que alimenta e estimula nossa produção e nosso nível de emprego e até os lucros dos empresários do setor produtor de riquezas, o que se perde com a queda dos juros?
Apenas uma menor rentabilidade dos bancos. Ou por estarem tão carregados de títulos, a queda de sua remuneração poderia causar algum problema de maior amplitude, diríamos sistêmico?
Claro que não é essa a situação que o país e seu sistema financeiro está experimentando. Então, que caia a taxa de juros.
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Só para terminar: e a possibilidade de explosão da inflação?
Também não é esse monstro que os defensores dos interesses financeiros pintam para chantagearem o governo, via o temor que causam junto à população.
Porque, a própria queda dos juros, representando menos pagamento de juros acarreta menor gasto público e menor déficit nominal. Com isso, e mais a manutenção da política de geração de superávit primário, o pagamento dos juros será feito, permitindo menor colocação de títulos para cobrir as necessidades de financiamento expressas por juros maiores que a dita economia para pagar esses mesmos juros.
Com isso, reduz o quociente da Dívida Mobiliária sobre o PIB. E o governo poderia atender aos que cobram e desejam redução de gastos.
De mais a mais, com consumo estimulado, temor de muitos, há a geração de investimentos e expande-se a capacidade produtiva do país. Pode haver alguns setores que terão que trabalhar quase a plena capacidade, por um tempo. Afinal, o duplo caráter do investimento, no início como demanda e depois como ponto favorável ao lado da produção e da oferta, não pode ser esquecido.
Mas estruturalmente a economia estará mais forte. E o povo, com mais emprego e renda, seguramente mais feliz.
Ao contrário dos analistas de mercado, coitados!

Um comentário:

Anônimo disse...

bastante coerente, mas vale ressaltar que os fundos institucionais, ou seja, aqueles com volume vultuoso de dólares estão sujeitos à discriminação por parte de suas politicas de investimentos no que diz respeito às alocações de recursos em países com grau de investimento inferiores a nota A (que infelizmente são determinadas pelas agencias de classificação mais parciais do mundo), mas que ainda assim conseguem influenciar na ação dos investidores. Outro ponto fundamental é que, apesar de sermos um mercado especulativo e visto por muitos como de curto prazo, as atuais medidas de tributação de capital especulativo podem "reprimir" parte do volume de dólares que podem entrar no país - soma-se a isso o fato da aversão ao risco que em momentos como este deixa nossa economia menos atrativa para capitais especulativos.