Enquanto a Grécia se debate entre permanecer ou não no euro, e a moeda européia se derrete, algumas previsões vão sendo feitas por todo o canto, inundando nossas caixas postais.
Ontem mesmo recebi uma dessas análises, tentando adivinhar o que poderá advir da saída da Grécia da União Européia.
Segundo o autor, a primeira consequência seria uma corrida bancária que não se restringiria apenas à Grécia, alastrando-se por outros países, como a Espanha, Portugal, talvez Itália e até França, em função da perda de confiança na manutenção do euro. Em parte, os depositantes assustados iriam transferir seus recursos para títulos alemães, considerados de menor risco, mesmo com tais títulos não pagando quaisquer juros. Em parte, a corrida seria, como em outras ocasiões, em direção ao dólar, o que levaria a cotação da moeda americana a uma escalada inusual.
Como resultado, para a zona do euro, mas com grandes possibilidades de o movimento se espraiar para China e o resto do mundo, Brasil incluído, o mundo iria experimentar uma recessão tão ou mais profunda que a de 2008, beirando uma depressão de longa duração.
***
Em primeiro lugar, é necessário dizer que a corrida bancária de fato já se manifestou, pelo menos já deu demonstração de que pode mesmo se tornar realidade na Grécia e na Espanha. Também é verdade que no dia de ontem foi percebida uma movimentação grande de compra de títulos públicos do governo alemão, dando razão parcial à análise feita.
Outro fator que pode já ser percebido é a elevação paulatina do dólar, perante o euro e, também frente ao real, fato que fez o Banco Central brasileiro inverter o comportamento que vinha adotando até aqui, abandonando a política de comprador para a posição de vendedor de dólar. Algo como se o dólar devesse variar em um intervalo que não deveria ser menor que R$ 1,80, talvez R$ 1,85 no limite inferior e R$ 2,00 a R$ 2,05 no limite superior.
***
Mas a análise procura criar um cenário para o que aconteceria com a economia brasileira que, segundo o autor, iria se defrontar com uma série de problemas, a começar pela queda de preços de commodities, em função da recessão mundial, China incluída. Com a queda do preço de nossos principais produtos exportáveis, nossa conta de transações correntes iria apresentar um déficit colossal, o que se até o presente não tem sido muito preocupante, graças ao grande influxo de capitais externos, poderia tornar-se uma dor de cabeça a mais. Isso porque, em uma eventual recessão ou depressão, é comum que os agentes adotem posturas mais conservadoras, retendo mais liquidez e evitando os riscos de aplicações em mercados mais sujeitos a crises.
Esse déficit na balança de transações correntes, para não nos obrigar a adotar uma política francamente recessiva de forma a conter o rombo iria obrigar o BC a desovar parcela importante das reservas de aproximdamente R$ 380 bilhões de dólares, acumulada nos últimos anos. O que seria perigoso, tendo em vista a existência de dívidas externas do setor privado, tanto de empresas privadas nacionais quanto das multinacionais com suas matrizes, avaliadas em R$ 300 bilhões de dólares.
Confesso que não fui verificar os números, aceitando-os acriticamente, já que meu interesse maior estava na lógica do raciocínio do autor.
Com essa situação externa, a previsão é que não teríamos como continuar bancando o volume de importações atual, o que poderia impactar custos de insumos e matérias primas da indústria e mesmo o seu nível de produção, gerando queda do nível de emprego e recessão.
Por outro lado, com o dólar raro e necessário, não apenas pela elevação de sua cotação mas também pela necessidade de fechar as contas externas, as importações necessárias chegariam a preços mais elevados, provocando uma inflação de custos.
Teríamos assim o pior dos cenários: recessão e desemprego, crise na balança de pagamentos e dólar supervalorizado, além de queda de exportações e inflação.
***
A recomendação do autor é no sentido de que, quem possa, procure guardar alguma quantia em dólares, em casa, o que só alimenta ainda mais a corrida aos bancos.
***
Bem esse é o pior cenário. E, se há alguma lógica, há também algumas hipóteses que têm possibilidade pequena de ocorrer.
De minha parte, acho que o país está mais preparado, hoje que em 2008, hoje que jamais esteve para atravesssar o agravamento da crise que se prenuncia no horizonte. Entretanto, é sempre bom lembrarmos que, inserido no mundo globalizado, a economia brasileira, como de resto todas as demais do planeta, não passará impune caso a situação européia se deteriore ainda mais.
Seremos afetados, sim, e a intensidade do abalo que sofreremos irá depender de quanto tempo a crise irá se demorar para que se esgotem todos os seus desdobramentos.
***
O que se sabe concretamente é que o governo alemão, o seu banco central, dá demonstrações cada vez mais claras que já pensa em um hipotético plano B, de saída para gerenciamento da situação de crise provocada por uma saída da Grécia do euro. E que tem manifestado que a crise já é gerenciável, ou seja, estar empurrando a crise grega com a barriga, se agrava o problema grego, dá tempo à Alemanha para se preparar para a aproximação do ponto de ruptura. Pior: essa busca de tempo, apenas fortalece o problema grego, ao invés de tentar efetivamente solucioná-lo. Mais uma vez, os mais fracos, sendo sacrificados em prol dos mais poderosos.
E, como Paul Krugman tem se cansado de alertar, a solução da crise grega e, agora da crise do euro, passa muito mais por um comportamento mais flexível do governo alemão em financiar a recuperação grega e, em especial, em elevar e não reduzir, nesse momento de recessão, os gastos públicos.
É isso.