Prezados Formandos,
diz a lenda que o melhor discurso
deveria começar com uma frase de saudação aos formandos, seguida de uma segunda
frase, desejando-lhes felicidades e sucesso em sua futura carreira, acompanhada
de um sonoro boa noite.
É fácil presumir que esse
discurso seria forte candidato ao mais aplaudido da noite.
Pura lenda. Especialmente em se
tratando de discurso de um paraninfo em uma colação de grau. Afinal, está lá no
dicionário: paraninfo é a pessoa homenageada por sua atuação junto a um grupo
de formandos. E, completa o Aurélio, que
em geral retribui a homenagem proferindo discurso.
Mas não pode ficar impune a
escolha de um professor como paraninfo. Até para mostrar a todos aqueles que
apoiaram e permitiram aos formandos concluírem com êxito mais essa etapa de sua
jornada, a carga de sacrifícios e sofrimentos a que tiveram de se submeter,
noite após noite. Refiro-me aos pais, namorados, companheiros, filhos e amigos
a quem presto minhas homenagens castigando-os com uma última aula.
Mas, longe de falar em números,
estatísticas, equações e fórmulas, gráficos e teorias, o discurso hoje é mais
prosaico. Prometo que diferente dos discursos dos sábios gregos, os sophos e de
sua tentativa de transmitir a sophia, ou sabedoria.
Afinal, para esses sofistas, que
cobravam pela venda de seus serviços, o método preferível de exposição de seus
conhecimentos era o discurso longo, com que impunham mais facilmente suas
ideias, já que se tornava difícil para os ouvintes perceberem todos os detalhes
e pormenores da transmissão do conhecimento.
Assim, enganavam e manipulavam os
auditórios, tornando-se alvos de pesadas críticas e censura tanto de Sócrates
quanto de Platão e Aristóteles. Platão em especial, em seu diálogo Protágoras,
faz uso da figura de Sócrates para criticar o discurso longo, fazendo o personagem
afirmar ser um homem esquecido e capaz de esquecer o discurso quando demorado.
Tal qual se fosse surdo.
Na mesma peça Protágoras, é feita
uma recomendação aos jovens para terem cuidado com as lições transmitidas pelos
sofistas, “ aqueles que levam a ciência de cidade em cidade, vendendo-a a
retalho, elogiam sempre ao interessado tudo quanto vendem, mas talvez, ....
desconheçam o que é que desses artigos que vendem é bom ou mau para a alma...”
Dos gregos para os árabes, e a
história de um ancião que sempre estava sentado próximo a um poço na entrada de
um povoado. Diz a fábula que ao passarem por ali dois jovens fizeram ao velho a
mesma pergunta, querendo informações sobre os habitantes do povoado. A ambos o
ancião perguntou como eram os habitantes da cidade de onde vinham. Ao primeiro, que respondeu que os homens eram
egoístas e maus, e que se sentia feliz de ter deixado a cidade, o velho
respondeu que assim também eram os habitantes de seu povoado. Ao segundo, que
considerava seus antigos vizinhos bons, generosos, hospitaleiros e
trabalhadores o velho respondeu que assim também eram os habitantes do povoado.
A um homem que assistia a cena e perguntou
a razão de o velho dar duas respostas tão diferentes, o velho explicou que cada pessoa carrega o universo
em seu coração. As pessoas refletem o que existem em si mesmas. Encontram
sempre o que esperam encontrar.
Existem várias histórias como essa da tradição
árabe, ou como a preocupação de Platão se a transmissão de conteúdo era boa ou
má para a alma, todas podendo ser resumidas na frase do famoso escritor russo,
Leon Tolstoi, para quem: “É
no coração do homem que reside o princípio e o fim de todas as coisas."
Aliás, confesso que, de Tolstoi, autor de Guerra e Paz e Anna Karenina, eu
nada conhecia. Até que procurando ideias para a elaboração desse discurso, fui
descobrir no santo Google, as frases e pensamentos do autor de "Se queres
ser universal, começa por pintar a tua aldeia."
Pensamento coerente com outro que afirma que “Não existe grandeza onde não
há simplicidade, bondade e verdade.", também de sua autoria. Ou a
constatação de que “A razão não me ensinou nada. Tudo o que eu sei foi-me dado
pelo coração."
Meus afilhados,
Em uma área das Ciências Sociais
em que interesses são tão flagrantemente capazes de interferirem e guiarem
nossas opiniões e ações, lembrem-se sempre de se guiarem e agirem de acordo com
a voz que vem de seu interior. De acordo com a essência que lhes foi
transmitida por seus pais, por seus familiares e seus amigos, e, além disso,
por seu aprendizado próprio.
Para concluir, dois últimos
pensamentos de Tolstoi: um voltado para a vida em sociedade e o respeito
ao outro, que afirma “Para que os homens
possam viver a vida comum sem oprimir-se mutuamente, não necessitam das
instituições sustentadas pela força, mas sim de um estado moral dos homens, no
qual, por convicção interior, e não por força, procedam com os outros como
querem que os outros procedam com eles"
O último, que é uma importante reflexão sobre o preconceito, as diferenças
entre os homens e o respeito a essas diferenças, que diz: “Um dos preconceitos
mais conhecidos e mais espalhados consiste em crer que cada homem possui como
sua propriedade certas qualidades definidas, que há homens bons ou maus,
inteligentes ou estúpidos, enérgicos ou apáticos, e assim por diante. Os homens
não são feitos assim. Podemos dizer que determinado homem se mostra mais
frequentemente bom do que mau, mais frequentemente inteligente do que estúpido,
mais frequentemente enérgico do que apático, ou inversamente; mas seria falso
afirmar de um homem que é bom ou inteligente, e de outro que é mau ou estúpido.
No entanto, é assim que os julgamos. Pois isso é falso. Os homens parecem-se
com os rios: todos são feitos dos mesmos elementos, mas ora são estreitos, ora
rápidos, ora largos, ora plácidos, claros ou frios, turvos ou tépidos."
Felicidades e que o seu coração possa lhes guiar em sua carreira.
Boa Noite.
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