segunda-feira, 18 de março de 2013

Discurso de Formatura - Turma Dez 2012



Prezados Formandos,
diz a lenda que o melhor discurso deveria começar com uma frase de saudação aos formandos, seguida de uma segunda frase, desejando-lhes felicidades e sucesso em sua futura carreira, acompanhada de um sonoro boa noite.
É fácil presumir que esse discurso seria forte candidato ao mais aplaudido da noite.
Pura lenda. Especialmente em se tratando de discurso de um paraninfo em uma colação de grau. Afinal, está lá no dicionário: paraninfo é a pessoa homenageada por sua atuação junto a um grupo de formandos. E, completa o Aurélio,  que em geral retribui a homenagem proferindo discurso.
Mas não pode ficar impune a escolha de um professor como paraninfo. Até para mostrar a todos aqueles que apoiaram e permitiram aos formandos concluírem com êxito mais essa etapa de sua jornada, a carga de sacrifícios e sofrimentos a que tiveram de se submeter, noite após noite. Refiro-me aos pais, namorados, companheiros, filhos e amigos a quem presto minhas homenagens castigando-os com uma última aula.
Mas, longe de falar em números, estatísticas, equações e fórmulas, gráficos e teorias, o discurso hoje é mais prosaico. Prometo que diferente dos discursos dos sábios gregos, os sophos e de sua tentativa de transmitir a sophia, ou sabedoria.
Afinal, para esses sofistas, que cobravam pela venda de seus serviços, o método preferível de exposição de seus conhecimentos era o discurso longo, com que impunham mais facilmente suas ideias, já que se tornava difícil para os ouvintes perceberem todos os detalhes e pormenores da transmissão do conhecimento.
Assim, enganavam e manipulavam os auditórios, tornando-se alvos de pesadas críticas e censura tanto de Sócrates quanto de Platão e Aristóteles. Platão em especial, em seu diálogo Protágoras, faz uso da figura de Sócrates para criticar o discurso longo, fazendo o personagem afirmar ser um homem esquecido e capaz de esquecer o discurso quando demorado. Tal qual se fosse surdo.  
Na mesma peça Protágoras, é feita uma recomendação aos jovens para terem cuidado com as lições transmitidas pelos sofistas, “ aqueles que levam a ciência de cidade em cidade, vendendo-a a retalho, elogiam sempre ao interessado tudo quanto vendem, mas talvez, .... desconheçam o que é que desses artigos que vendem é bom ou mau para a alma...”
Dos gregos para os árabes, e a história de um ancião que sempre estava sentado próximo a um poço na entrada de um povoado. Diz a fábula que ao passarem por ali dois jovens fizeram ao velho a mesma pergunta, querendo informações sobre os habitantes do povoado. A ambos o ancião perguntou como eram os habitantes da cidade de onde vinham.  Ao primeiro, que respondeu que os homens eram egoístas e maus, e que se sentia feliz de ter deixado a cidade, o velho respondeu que assim também eram os habitantes de seu povoado. Ao segundo, que considerava seus antigos vizinhos bons, generosos, hospitaleiros e trabalhadores o velho respondeu que assim também eram os habitantes do povoado.
A um homem que assistia a cena e perguntou a razão de o velho dar duas respostas tão diferentes, o velho explicou que cada pessoa carrega o universo em seu coração. As pessoas refletem o que existem em si mesmas. Encontram sempre o que esperam encontrar.
Existem várias histórias como essa da tradição árabe, ou como a preocupação de Platão se a transmissão de conteúdo era boa ou má para a alma, todas podendo ser resumidas na frase do famoso escritor russo, Leon Tolstoi, para quem: “É no coração do homem que reside o princípio e o fim de todas as coisas."
Aliás, confesso que, de Tolstoi, autor de Guerra e Paz e Anna Karenina, eu nada conhecia. Até que procurando ideias para a elaboração desse discurso, fui descobrir no santo Google, as frases e pensamentos do autor de "Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia."
Pensamento coerente com outro que afirma que “Não existe grandeza onde não há simplicidade, bondade e verdade.", também de sua autoria. Ou a constatação de que “A razão não me ensinou nada. Tudo o que eu sei foi-me dado pelo coração."
Meus afilhados,
Em uma área das Ciências Sociais em que interesses são tão flagrantemente capazes de interferirem e guiarem nossas opiniões e ações, lembrem-se sempre de se guiarem e agirem de acordo com a voz que vem de seu interior. De acordo com a essência que lhes foi transmitida por seus pais, por seus familiares e seus amigos, e, além disso, por seu aprendizado próprio.
Para concluir, dois últimos pensamentos de Tolstoi:  um voltado para a vida em sociedade e o respeito ao outro, que afirma  “Para que os homens possam viver a vida comum sem oprimir-se mutuamente, não necessitam das instituições sustentadas pela força, mas sim de um estado moral dos homens, no qual, por convicção interior, e não por força, procedam com os outros como querem que os outros procedam com eles"
O último, que é uma importante reflexão sobre o preconceito, as diferenças entre os homens e o respeito a essas diferenças, que diz: “Um dos preconceitos mais conhecidos e mais espalhados consiste em crer que cada homem possui como sua propriedade certas qualidades definidas, que há homens bons ou maus, inteligentes ou estúpidos, enérgicos ou apáticos, e assim por diante. Os homens não são feitos assim. Podemos dizer que determinado homem se mostra mais frequentemente bom do que mau, mais frequentemente inteligente do que estúpido, mais frequentemente enérgico do que apático, ou inversamente; mas seria falso afirmar de um homem que é bom ou inteligente, e de outro que é mau ou estúpido. No entanto, é assim que os julgamos. Pois isso é falso. Os homens parecem-se com os rios: todos são feitos dos mesmos elementos, mas ora são estreitos, ora rápidos, ora largos, ora plácidos, claros ou frios, turvos ou tépidos."
Felicidades e que o seu coração possa lhes guiar em sua carreira.
Boa Noite.

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