sexta-feira, 21 de junho de 2013

De novo as manifestações e alguns temores

Continuam as manifestações nas ruas, e continuo procurando entender o que está por trás de tantas e tão difusas demandas.
Por esse motivo, tenho deixado de publicar meus palpites. Afinal, o movimento em curso exige que seja esse movimento das ruas, o foco de meus pitacos. Ao menos, essa é minha opinião. Por outro lado, é difícil emitir opinião quando estamos atônitos, e assim como eu, vários analistas e pessoas comuns até, que estão tentando ler, interpretar e entender o que está se passando.
Ou para dizer uma expressão famosa, para saber ouvir e extrair a mensagem que nos chega da voz rouca das ruas.
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Para começo de conversa, não sou Petista, e minhas simpatias, ao contrário são muito mais para o PSOL. Aliás, nos primeiros posts de meu blog, andei publicando e comentando o programa (documento maior e guia da visão de mundo, das estratégias e das ações) do PSOL.
E é bom lembrar que o PSOL, embora saído da costela do PT, foi criado por não haver concordância com a mudança de rumos que o PT no poder, resolveu adotar, até para se tornar mais palátavel, ou mais aceitável ou digerível ao 'establishment'. Bem, o resultado, todos sabem:  o PT foi engolido pelas elites, a quem tentava ludibriar ou com quem achou por bem se compor.
Mas, nosso assunto aqui é outro.
É inegável que, desde Sarney, nos idos de 1985, há uma preocupação em se tentar melhorar as condições de vida de uma parcela importante da população brasileira, que vivia abaixo da linha de miséria. Ou vegetava, mal e porcamente. Ou parcamente.
Desde Sarney e a merenda escolar, para incentivar uma grande parcela de crianças e adolescentes a irem e frequentarem as escolas, ou o programa do ticket do leite, para combate à subnutrição infantil, já existem recursos da sociedade, carreados para bancar uma melhoria, via gastos de assistencialismo, na condição de vida dos menos afortunados.
Corrupção? Sim. Sempre houve. E sempre se ouviu falar que os recursos eram malbaratados, e não chegavam aos verdadeiros destinatários: à sala de aula.
Sempre se ouviu falar de empresários e prefeitos, cobrando absurdos e se locupletando por terem vencido as  licitações de forneciemtno da merenda.
Se a Polícia Federal ou outra não investigou, ou em o fazendo não houve apresentação de denúncia. Ou se a Justiça não puniu a esses aproveitadores, são outros quinhentos, que apenas mantêm os quinhentos antigos da famosa impunidade brasileira.
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No governo FHC, por mais que medidas de cunho liberalizantes tenham sido adotadas, algumas em cumprimento às imposições feitas pelo FMI e pelos interesses do capital financeiro internacional, outras para poder privilegiar alguns grupos empresariais amigos, é inegável que foram criados e implementados programas de assistência, que reputo importantes e de grande valor.
Tais programas, eram focados em grupos específicos e de pouca amplitude de ação, ao menos no que tange aos beneficiários. Ou dito de outra forma, já que o jargão da área eu não domino. Era um assistencialismo importante, mas que tinha um público limitado que podia se candidatar e se enquadrar para aproveitar dos benefícios.
Se estiver errado em minha opinião, gostaria - e até publicaria, a correção do que estou dizendo, caso algum comentário viesse trazer mais subsídios para dar suporte a uma discussão mais séria.
Pelo que li e entendi, o que Lula fez foi aumentar o escopo e o público alvo, tornando o programa de bolsas menos focado e limitado e mais amplo e irrestrito. Focando um público alvo maior. E, claro, unificando os programas em um principal o Bolsa Família.
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Pois bem, acho que esse enfoque mais amplo e generalista do Lula, que gasta mais de recursos e, portanto, exige mais arrecadação para o governo poder financiá-lo ou, no mínimo,  menos recursos arrecadados destinados a outras finalidades, é isso que tem feito muita gente tida como da classe média de bem (bem nascida, bem educada, bem postada na vida, culta, rica e tradicional, além da praga maior: conservadora!) ser contra o PT e Lula.
Para esses, esses programas (que na origem nem do Lula ou do PT são!) limitam que o governo tenha mais recursos disponíveis para asfaltar as ruas da cidade onde desfilam seus reluzentes carros, alguns com motoristas. Ou que o governo tenha mais recursos para mais obras viárias, que desafoguem o trânsito e permitam que o caminho de casa para o trabalho e a volta, possam ser feitos sem ter de enfrentar os congestionamentos do centro e suas sequelas: ter que ficar subindo os vidros dos carros de forma a evitar os milhares de "vagabundos, pivetes, pedintes".
Esse pessoal é que saca e brande o discurso de que " é melhor ensinar a pescar, que dar o peixe", mesmo sem perceber que estamos ou estávamos criando uma geração de famélicos, incapazes sequer de erguerem o braço para lançar o anzol e sustentar a vara de pesca. E que, em alguns casos, prejudicados pela subnutrição, nem mesmo entendiam o significado de terem que lançar a vara ao rio.
Triste sociedade, que chega a esse ponto, a que chegou o Brasil.
E não me venham dizer que isso é fruto da corrupção. Ou só dela.
É muito mais fruto de uma política que sempre privilegiou os interesses de uma minoria, de uma elite mesquinha, anacrônica, privilegiada e de seus bajuladores, os da classe média que se ufanam e regozijam de atender aos suseranos do andar de cima.
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Acho que são esses programas, esse assistencialismo tão criticado e que tornou o Brasil referência mundial no combate à pobreza e na luta pela sua redução, apontada por órgãos tão insuspeitos quanto a ONU, que correm risco, na esteira de um movimento que vai às ruas e tem interesses e objetivos, além de dispersos, difusos.
Explico: todos esses programas, independente do governo foram acusados de darem margem à corrupção. Ao invés de se preocupar em cobrar maior transparência e maior controle da sociedade sobre os recursos que por eles circulam, muitos falam abertamente na eliminação dos programas. A velha ideia da música de Gonzagão: dar a um homem algum benefício, quanto ele tem condição para obtê-lo,  ou lhe mata de vergonha ou torna-se a sua perdição".
Quando a massa que tem o mérito de ter rompido a inércia e passividade vai às ruas, o que é muito positivo, e clama contra a corrupção, o que ninguém discute que é mais positivo ainda, essa postura pode, na prática caminhar na direção mais simples. Sendo impossível acabar com o problema do olho, arranca-o fora.
Ou: já que esses programas são espaços privilegiados para a corrupção se instalar, acabemos com eles como forma de acabarmos com a corrupção.
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Por esse tipo de raciocínio é que temo o que pode resultar do movimento, o que me impede de abertamente falar dele, positivamente ou não.
Tenho medo de que as reivindicações, justas, corretas, se percam e tragam frutrações. Ou pior, sejam, mais lá adiante, fruto de manipulação e... dêem origem à instauração de um pensamente de cunho conservador, muito distante dos interesses reais do povo. O povão e não os que acessam redes sociais e por meio delas, convocam flash mobs ou hapenings.
Temo que o que é um movimento que de ver ser encarado como a coisa mais positiva e séria no panorama político e social de  nosso país, nos anos recentes, se transforme apenas numa grande catarse, ou um evento festivo, como qualquer micareta.
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E temo que, já que grande parte da juventude foi criada, educada e forjada num ambiente de completa alienação política, e pior, aprendendo todo o tempo e cultivando a cultura e tradição de culpar os políticos e a política por tudo, esse movimento possa descambar para o seu contrário: a tentativa de se anular os canais de manifestação política da sociedade organizada. O que poderia levar a uma espécie de apelo pela implantação de uma democracia direta (via internet e redes sociais), sujeita a manipulações e que não é nada mais que outra face de manifestação fascistóide. Ou ainda, por não ter rumos e objetivos específicos a seguir, caminhar para um caos, uma desordem, que seria o ambiente mais propício para que, do nada e de repente, alguém se lembrasse de chamar os homens responsáveis pela lei, a ordem e a segurança para tomar conta da situação.
O que reviveria, mesmo sem ser essa a intenção, golpes militares, o último dos quais, de tão fresca e triste memória.
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Mas não tenho recebido emails de conhecidos e amigos até, pedindo que o Brasil se endireite (com o duplo sentido que tomar o rumo da direita possa acarretar). Alguns até dizendo que na época da ditadura militar o país não tinha (sic!) corrupção e era melhor..???
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Tenho discutido com alunos e até meus filhos e parece que sou contrário ao movimento. Ledo engano. Sou favorável, embora não possa deixar de manifestar que ele produza um retrocesso e não avanços sociais, tão necesários em nosso país.
Mas sou favorável às manifestações. Sempre.
Sou contra a vinda da Copa. Sempre fui. Sou contra os gastos. Contra os estádios elefantes brancos. Contra cedermos tanto à FIFA, que não é nenhum primor de órgão sério e honesto. Sou contra a corrupção, especialmente a que eleva o preço das obras da Copa a valores astronômicos, mas que todos já sabíamos que era o resultado final.
Para saber ou antecipar isso, bastava ver todo o apoio que a infeliz apresentação do nome do país como sede do evento, teve junto a empresários, construtores, empreiteiros e... políticos. Além da mídia, claro.
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Sou contra  a impunidade, lembrando que no caso da corrupção, deve ser punido o corrupto, mas com penas muito maiores o corruptor.
Sou favorável a uma mudança, ou reforma de todas as nossas leis e códigos. Sou favorável a uma reforma política e tributária, justa e séria. Ou até, porque não, à convocação de uma nova Constituinte, agora com caráter exclusivo, para poder passarmos o país a limpo.
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Mas, antes de mais nada, sou favorável à continuidade de toda e qualquer proposta, política ou ação, destinada a redução das desigualdades de nosso país.  De todo o tipo: de oportunidades, de emprego, de renda e remuneração. De acesso aos bens públicos, de qualidade.
E sou adepto da frase de Churchill, para quem a democracia representativa é uma merda, mas ainda a melhor forma de representação da vontade popular.
É isso.
E por isso, mantenho-me atento e acompanhando a evolução dos acontecimentos.
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Mas, bem vinda a ruptura da inércia e imobilismo.
Parabens a todos que sonham em construir um país melhor. E que lutam para realizar os sonhos e tornar sua concretização em algo possível. 

3 comentários:

Róridan disse...

Paulo, compartilho muito das ideias postas pelo Sakamoto acerca das "manifestações": http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/06/21/e-em-sao-paulo-o-facebook-e-o-twitter-foram-as-ruas-literalmente/
E acrescentaria, sobre a "indignação" de alguns pelo fato do PT supostamente ter tentado participar dos atos: não é que “o PT orientou os militantes a participar”. Militantes do PT é que decidem participar. Da mesma forma que se um grupo de católicos resolver ir à manifestação (pra defender o estatuto do nascituro, por exemplo), não significa que a Igreja Católica convocou adeptos para a manifestação. E se assim não for, e se assim não puder ser, então fica claro que “a manifestação” tem dono, tem quem manipula por trás, tem quem dita o que pode e o que não pode...
O problema é muito mais sério. Há uma orquestração da direita (ou da oposição, como queiram), ecoada pela mídia que todos conhecemos, pra agora direcionarem o rumo das manifestações contra o governo e o PT, isso sim! O país não pode dar certo, e se agarram no que parece ser a última chance.
A Record (e sabemos quem "assina" pela Record) pega carona e solta o balão de ensaio de que a Copa pode ser cancelada. Logo ela, que não obteve direito de transmissão e está levando surra na audiência por conta disso...
O PT tem que vir a público e dizer claramente que apoia sim as manifestações, apoia com vigor, e que elas são nada mais nada menos que mais um passo na revolução pacífica e democrática que este país vive há uma década. Agora a população apresenta nova ordem de reivindicações/sonhos/exigências, e isso só é possível porque pudemos chegar tão bem como chegamos até aqui. Agora o nível é de exigir mais e melhores serviços públicos. Já conquistamos o fim da fome, já conquistamos quase o pleno emprego, conquistamos respeito internacional e auto-estima. Até direitos pros domésticos nós conquistamos, vejam que abusados nós estamos sendo (mas há quem ache isso tudo um absurdo, e “temos que mudar toda essa ordem de coisas!...”). "Onde já se viu um operário e uma guerrilheira quererem acabar com nossa senzala de estimação?!"
Há duas gerações pedíamos democracia e eleições diretas; há uma, pedíamos o impeachment de um presidente. Veja que melhoramos muuuito!
Meu maior medo é isso tudo virar a favor de um salvador da pátria, de um Joaquim Benedito fascista como líder moralista da nação – como se o problema da nação fosse de ordem moral (talvez até seja, da incapacidade das elites compartilharem o poder de fato com a massa ignara, que agora começa a pedir um pouquinho mais...).
Abraços,
Róridan

Unknown disse...

Vou falar pelas palavras dos outros...

Sobre o Tema do Bolsa Família:

http://consulta.almg.gov.br/acompanhe/tv_assembleia/videos/index.html?idVideo=754482&cat=88

Unknown disse...

em tempo, falando pelos outros, manifestações:

1) http://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?lang=en-us

2) http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-anomia-niilista-das-manifestacoes

3) http://www.senado.gov.br/noticias/senadonamidia/noticia.asp?n=846333&t=1

4) http://consulta.almg.gov.br/acompanhe/tv_assembleia/videos/index.html?idVideo=767594&cat=88