quarta-feira, 27 de maio de 2015

De debates econômicos; A quem interessa (ou quem se beneficia) dos ajustes; Cunha e a reforma política

Debates econômicos travados pelos jornais não costumam ser de interesse de muitas pessoas, mesmo economistas ou aqueles que estão estudando para se tornarem profissionais da área.
Justamente por esse motivo, vou reproduzir aqui, sem pedir a autorização da autora, a coluna em réplica que a professora Leda Paulani, da FEA-USP publicou na edição de ontem, da Folha de São Paulo.
O artigo, intitulado "Alexandre e o país das finanças" é uma resposta a coluna anterior de Alexandre Schwartsman, publicada na mesma Folha em 20 de maio, em que o professor do INSPER e ex-diretor do Banco Central fazia críticas à artigo da professora.
Mas, vamos ao texto que é o que interessa e está, além de muito bem escrito, colocando os pingos nos is e mostrando a verdadeira face e os interesses de Alexandre, e outros como ele, que rezam pela mesma cartilha indigesta do capital financeiro.
Ao texto pois:

OPINIÃO

Alexandre e o país das finanças

Alexandre tem séria dificuldade em compreender o que é substantivo (Leda e o País das Maravilhas, Schwartsman, Folha, 20/5/2015). Vendo adjetivos por toda parte, não distingue o que realmente conta. Tentemos despertá-lo do sono dogmático.
Sugere ele que o que deveria me inquietar é a evolução da dívida pública em relação ao PIB, não seu valor absoluto, pois em cinco anos, de 2010 a 2015, passou ela de 52% para 62% (acréscimo de dez pontos percentuais).
A quem tanto aprecia história, lembro que, entre 1997 e 2002 (intervalo igual de cinco anos), a dívida passou de 31,8% para 50,5% do PIB, acréscimo portanto de quase 20 pontos, sem que se percebesse então qualquer sinal de desespero dos analistas. É exagero falar em terrorismo econômico?
Mais dados: nos 12 meses encerrados em março último, as necessidades de financiamento do setor público bateram os 7,8% do PIB, cerca de R$ 436 bilhões. Desse valor, porém, apenas R$ 39 bilhões (0,7%) devem-se a despesas governamentais acima das receitas. O restante, por assim dizer, a bagatela de R$ 397 bilhões, deve-se ao pagamento de juros da dívida, um "serviço" cujo "preço" (a "taxa de juros") é o governo quem determina. Onde está a gordura?
E não venham dizer ele e seus pares que a estratosférica taxa de juros é necessária para conter a inflação. Concedendo algum crédito à tese de que a taxa de juros é variável incontornável na determinação do comportamento dos preços, o que importa aí é a evolução das expectativas –a qual, independente da direção, pode ser a mesma no nível dos 5% ao ano, dos 8%, dos 12%, dos 15%, ou outro número qualquer.
Por que 13% é pergunta que deve responder o Copom, o mercado que avaliza a taxa e os colunistas que aplaudem tamanha aberração.
Nem venham dizer ele e seus pares que a absurda taxa é necessária para garantir a atratividade dos capitais externos.
Em primeiro lugar porque, faz anos, as taxas nominais nos principais mercados do mundo são extremamente baixas, quando não negativas em termos reais. Em segundo lugar porque esse capital cigano, que não esquenta assento, não ajuda o país, antes o contrário.
Ninguém é contra o governo ajustar suas contas, racionalizar despesas, otimizar recursos etc. O ajuste fiscal, porém, em bases sempre conservadoras, punindo o trabalho e os mais pobres, enquanto eleva despudoradamente a renda mínima do capital, interessa exatamente a quem?
Infelizmente para a maioria esmagadora e esmagada da população, o país de Alexandre e seus pares tem triunfado e tripudiado, minando os esforços, mesmo mínimos, de engendrar uma nação.
Eis por que, entre o país das finanças de Alexandre e as maravilhas de ter um país digno do nome, nunca hesitei um instante em minha vida, um sonho do qual ainda não podemos acordar, sob pena de se perder o sentido substantivo de estudar economia. 

***
Acho esse fecho especialmente feliz. Não apenas por se tratar e fazer referência a um sonho de promover as mudanças sociais capazes de transformarem nossa sociedade em um lugar mais digno de se viver, mais humano, mais solidário. 
Mas por deixar claro o sentido substantivo de todos os que escolheram fazer o curso de economia: o de ser o elemento ou um dos elementos capazes de provocarem as mudanças necessárias. Mesmo que alguns classifiquem tais mudanças de utópicas.

***


Reforma Política

Enquanto isso, Eduardo Cunha vai autoritariamente impondo sua vontade na Câmara, especialmente na votação dessa Reforma Política que vai acabar atendendo apenas aos seus interesses e aos interesses dos grupos que representa.
Daí ter desconsiderado o relatório da Comissão que passou mais de três meses analisando propostas de Reforma, e cujo relator, indicado por ele, deixou de ser completamente subserviente, como interessava ao presidente da Casa.
O resultado foi que Cunha levou direto o texto da reforma para votação na Câmara, já tendo obtido a primeira vitória, vendo a Casa rejeitar as sugestões de PT e PSDB, de alteração do sistema eleitoral. 
Com isso, o modelo distrital misto ou de lista fechada foram derrotados, abrindo espaço para a aprovação do voto apelidado de distritão.
Conforme já comentamos, não há como formar opinião sobre cada sistema, já que a reforma não foi nunca objeto de uma campanha popular de esclarecimento, onde prós e contras foram analisados, ou sequer, apresentados.
Pois bem, particularmente, até acho que o distritão, onde se elege o mais votado, é o melhor. Mas, já se disse que isso interessa de perto à Igreja Evangélica, da qual Cunha faz parte. 
E só a existência desse tipo de interesses já exigia que a discussão fosse mais ampla, e menos a toque de caixa.
Pior é que Cunha quer incluir na Constituição o financiamento de campanhas por empresas, que é a fonte de toda a corrupção que temos assistido há tempos em nosso país.
Mas, vindo de Cunha, nada é impossível. 
E, assim, ele se fortalece cada vez  mais para se transformar no candidato à presidência em 2018, defendendo os interesses mais direitistas e conservadores que se puder imaginar. 

Nenhum comentário: