quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Dos Juros e do Debate em relação a sua eficácia no combate à inflação, provocado por Lara Resende

Desde que li, na Gazeta Mercantil em 1984, um artigo que tratava da criação de uma moeda indexada em nosso país, como uma das possíveis propostas de um plano visando combater a inflação no Brasil, passei a ter o maior respeito por seus autores: André Lara Resende e Pérsio Arida.
Não à toa, os dois economistas vieram a assumir, nos anos posteriores, papel de destaque em nosso panorama econômico, tanto na experiência heterodoxa de 1986, do Plano Cruzado, quanto anos mais tarde, no planejamento e implantação do exitoso Plano Real.
Antes, um comentário sobre o Plano Cruzado, cujo fracasso passou a ser objeto de críticas e ironias destiladas por economistas de todos os matizes.
No entanto, foi o Plano Cruzado que trouxe para o centro do debate, se não trouxe nenhum outro benefício extra, o tema da indexação da economia brasileira, via aplicação de tablitas e que tais, além da importante alteração na institucionalidade de nossa política monetária, ao eliminar a conta movimento do Banco do Brasil, que permitia àquela instituição financeira atuar como autêntica autoridade monetária, muitas vezes, em conflito com o Banco Central.
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Em relação ao Plano Real, de 1993/94,  com destaque para a importante fase da criação e implantação da URV, uma autêntica moeda indexada, não é necessário falar, tamanho o êxito obtido no controle dos preços e estabilidade da moeda.
Apenas, para ser justo, assinalo que, de meu ponto de vista, o Plano teve entre seus vários acertos, um que me parece mais significativo. O Plano tratou a inflação como ela deveria ser tratada, longe das discussões estéreis de causalidade da processo inflacionário que dominava o debate nacional, e que apontava como causas ora a emissão monetária, ora a elevação de custos via choques estruturais.
O Plano tratou a inflação como ela deve ser tratada, como um fenômeno que, depois de iniciado, passa a ter várias causas: de custos, de demanda, de excesso de moeda, de choques externos, de conflito distributivo, de inércia, etc.
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Bem, Lara Resende inicia o ano, publicando no Jornal Valor Econômico, dois artigos que têm ocupado mentes e atenções de todos os principais economistas do país e até mesmo daqueles que apenas se acham pertencendo a esse patamar. Independente disso, tem chamado a atenção de todos os estudiosos de questões monetárias e econômicas.
O que valeu ao autor, cuja intenção é, como ele mesmo declarou em seus artigos, a de provocar a ampliação do debate, para ver se da discussão resultante é possível nascer a luz, traduzida em aperfeiçoamento do conhecimento sobre o assunto, as maiores críticas e um patrulhamento típico dos tempos esquisitos que a sociedade brasileira experencia.
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O tema dos artigos é a taxa de juros, e mais especificamente, a importância da definição e utilização da taxa de juros como principal, se não o único instrumento da política monetária, dentro do sistema de metas inflacionárias, adotado nas principais economias desenvolvidas do mundo, e também aqui no Brasil.
A questão central é: porque em todos os principais países desenvolvidos, a taxa de juros nominal tem se mantido próxima de zero ou até negativa, sem que isso tenha contribuído, como o previa a teoria econômica tradicional, para a elevação da inflação?
Porque o "quantitative ease", derramamento de dinheiro abundante no mercado americano após a crise dos mercados de 2008, com a finalidade de estimular a demanda agregada e tirar o país da situação de estagnação não gerou uma elevação da inflação que, ao contrário, permaneceu estável, negando a famosa fórmula da teoria quantitativa da moeda, e sua fórmula que diz que M (quantidade de moeda) multiplicada pelo giro da moeda V, ao ser trocada quando da realização dos gastos ou financiamento de compras (velocidade da moeda) deve, em situação de equilíbrio da economia, equivaler à quantidade de bens e serviços que um país consegue gerar (renda Y) multiplicada pelos preços desses bens produzidos, P.
Ou seja, MV = PY, o que, pelas hipóteses trabalhadas permite concluir, como seu divulgador, Fisher que, dadas as hipóteses, de que V e Y sendo mantidas constantes, a quantidade de moeda é que determina o comportamento dos preços.
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Importante destacar que, dadas as hipóteses do modelo, a equação passa a representar nada mais que um truísmo. O que equivale a dizer que, dadas 3 das variáveis, a quarta, qualquer que ela possa ser, terá seu valor determinado automaticamente, supondo-se sempre, o equilíbrio.
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Ainda no dia de hoje, no mesmo Valor Econômico, uma articulista - a joranlista Maria Clara R. M. do Prado, retorna à equação para mostrar, entre outras coisas, que ela  não deixou de funcionar, apenas destacando que o que houve, na experiência americana, foi uma redução brutal do valor de V, não mantido constante, conforme as hipóteses da teoria em sua visão mais tradicional.
Desnecessário dizer que Lara Resende também tratou dessa questão, ao fazer menção à ideia keynesiana da armadilha da liquidez, no caso, representada pela formação de uma poça de liquidez ou dinheiro não utilizado pelas famílias, temerosas em relação à duração do processo deflacionário em curso.
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A questão é interessante também por trazer a oportunidade de se trazer à discussão, ainda mais  uma vez, a curva de Philips, que tem como um de seus pilares a ideia de que, juros baixos estimulam as compras de consumo e os gastos de investimento, expandindo a demanda agregada, e estimulando o crescimento da produção, até que tal crescimento, mantendo níveis de desemprego em queda ou baixos, começe a gerar efeitos inflacionários.
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Bem, não é essa a questão levantada por Lara Resende, que prefere argumentar dentro dos limites teóricos da escola de expectativas racionais, dominada pela importante e recente discussão da questão de existência de uma dominância fiscal, que se relaciona à teoria fiscal do nível de preços.
Por essa ótica, de autores vários, todos devidamente citados por Lara Resende, ao projetar níveis de taxas de juros nominais, que incluem uma parcela de juros reais da economia e uma previsão da inflação pelo Banco Central, a expectativa inflacionária, a autoridade monetária acaba sinalizando aos agentes econômicos, o que se espera seja a inflação futura.
O que explica porque no Brasil, ao contrário do que seria de esperar pelo pensamento conservador, juros altos não são capazes de reduzirem, mas realimentam a inflação.
Lara Resende, em seu artigo, menciona que a elevação de juros exerce sim, efeitos no curto prazo, mas no longo prazo acaba pondo mais lenha na fogueira da elevação de preços.
O que ele aponta como uma das dificuldades das ideias que vêm sendo apresentadas pelos teóricos que expõem esse ponto de vista.
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Devo admitir que toda a discussão feita acima é reducionista  e simplificadora dos textos de Lara Resende ou de Maria Clara, já que meu intuito era apenas apresentar uma síntese do que está sendo objeto de discussões acaloradas.
Confesso que não li os artigos citados por Lara Resende, nem as várias manifestações do pensamento convencional tupiniquim, representados por Samuel Pessoa, Marcos Lisboa, Alexandre Schartzman.
Li algo, a respeito, que contou com a parceria do professor Belluzzo, e hoje, na Folha da excelente Laura Carvalho.
Nos que li, especialmente no texto da professora, destaca-se sempre a importância de se discutir o assunto das taxas de juros e sua eficácia no combate à inflação, sem posições definidas aprioristicamente. Sem que as paixões impeçam a discussão por, antecipadamente, desvalorizar o argumento contrário.
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Não me sentindo suficientemente confortável para entrar em discussão tão elevada, apenas gostaria de apresentar algumas ideias nesse pitaco, algumas das quais coincidentes com as da professora Laura.
A primeira delas, que lembra que os juros, como preço que são dos serviços financeiros ou bancários - o preço do dinheiro, envolvem, como não poderia deixar de ser, interesses especialmente importantes.
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Além disso, e já citei aqui em muitas outras ocasiões, os juros elevados em nosso país, desde o início do Plano Real tiveram, em minha opinião, muito mais em conta a intenção de atrair recursos de capital externo, de forma a dar estabilidade à nossa âncora cambial, que de fato combater a inflação, embora tenham contribuído para reduzir a demanda logo nos primeiros meses de sua implantação.
De lá para cá, vários estudos mostram que, a inflação comportou-se muito mais em função de variações do câmbio, que de questões fiscais. Vide o governo Lula e o a atuação de Meirelles, como presidente do Banco Central, mantendo taxas de juros muito elevadas, mesmo com a inflação abaixo da meta.
A questão é que dadas as medidas de estímulo à concorrência, que o Real trouxe, e que Ciro Gomes se orgulha de ter sido o principal executor, a queda de barreiras permitiu que tívessemos acesso, tanto as famílias quanto as empresas, a produtos, insumos etc, estrangeiros, mais baratos e de maior qualidade.
Junto à entrada abundante de fluxos de capital atraídos pelos juros mais elevados do planeta, e a redução do valor do dólar e valorização do real, as importações se tornaram ainda mais baratas em termos relativos, o que provocou verdadeira desnacionalização de nossa produção industrial. No mínimo, pela substituição de insumos nacionais por seus concorrentes, o que explica a desindustrialização que nosso país vivenciou.
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Bem, a elevação do valor do dólar, em qualquer circunstância, e principalmente no caso de política de juros voltada para sua redução, iria provocar, em cadeia, saída de capitais, desvalorização do real, aumento dos custos industriais (insumos importados) e, finalmente, inflação mais elevada.
Nada com aumento da demanda, como Laura Carvalho faz referência, e nada com aquilo que as taxas de juros, mesmo na visão convencional da política monetária se mostram importantes para alcançar.
A inflação em nosso país, deveu-se, como lembra a professora, e seu recrudescimento, à correção de preços admininistrados (com atraso e, digamos, volúpia); à elevação da insegurança política e fuga de aplicadores, e até mesmo a choques provenientes de causas naturais (crise hidríca, etc.)
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Mas mão podemos nos esquecer que, é verdade que a dívida pública se amplia, quando os juros são cada vez maiores, dado o fato de que a maior parte dos títulos representativos dessa dívida serem indexados ao valor pago de juros pelo Tesouro.
Aqui, é verdadeira a afirmação de que, para pagar os juros de uma dívida que cresce exponencialmente, os superávits primários necessários tornar-se-iam excessivos e impossíveis de serem gerados.
Assim, juros mais elevados não ajudariam a consecução de um ajuste de contas públicas ou alcance de um equilíbrio fiscal e até fragilizariam as contas públicas.
Com juros altos e demanda em queda, pelos efeitos deletérios dos juros sobre a atividade econômica, e queda consequente da arrecadação, a questão fiscal torna-se mais fundamental. Daí, talvez, a questão da dominância fiscal tornar a redução de juros, em nosso país, a mais adequada política monetária a ser adotada.
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Uma observação adicional, para concluir esse pitaco, já suficientemente e não intencionalmente longo: já de há muito a teoria econômica trata o dinheiro ou moeda, como um dos mais importantes meios de produção a ser utilizado pelas empresas, já que em sua forma líquida e mais abstrata, pode se transformar em qualquer recurso produtivo que seja necessário.
Assim da mesma forma que ao se elevarem os preços de insumos como matérias primas, ou recursos humanos, ao se elevarem os salários, também são impactados os custos de produção das empresas. Considerando-se a formação de preços, baseada nos custos de produção mais uma margem, conclui-se que os preços serão elevados.
O mesmo se dá, se o aumento do custo é aquele relativo ao dinheiro.
Por outro lado, o custo de obtenção de capital de terceiros também é um fator que encarece a estrutura de capital das empresas.
Ou seja, a administração financeira indica-nos que os preços devem reagir na eventualidade de um aumento de juros ou custos financeiros não com queda de preços e da inflação. Mas como elevação da inflação, como a ideia de Lara Resende parece indicar, embora por outras razões e motivos.
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Nesse sentido, juros elevados impactam mais a produção, levando a sua redução ou queda.
Quanto aos seus efeitos no comportamento dos preços, acredito como os autores referenciados - Lara Resende, Belluzzo, Maria Clara e Laura Carvalho,- que a discussão merece ser feita de forma a mais ampla possível.
É isso.
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Os artigos de Lara Resende foram publicados no Valor Econômico de 13 e 27 de janeiro de 2017. O artigo de Maria Clara, é do Valor de hoje, 9 de fevereiro, mesma data do artigo de Laura Carvalho na Folha.

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