quinta-feira, 5 de abril de 2018

Pitacos relativos ao julgamento do Habeas Corpus de Lula

Não há ninguém que possa negar a validade, sempre acatada, da afirmação de Louis Brandeis, juiz da Suprema Corte Americana, para quem "a luz do sol é o melhor detergente", um sinal claro da importância que se atribui à transparência em todas as decisões e atos da vida, com especial destaque às questões que envolvam o interesse público. 
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Por outro lado, é bastante generalizada em nossa sociedade a ideia de que tanto juízes quanto tribunais devem sempre procurar se pautar por um comportamento e uma postura capazes de privilegiar maior recato e discrição. 
E já antecipo que não vejo qualquer contradição entre a necessidade de transparência, da frase acima, com a necessidade de que os magistrados possam ter um momento de recolhimento e reflexão para a formulação de um juízo de consciência isento e imparcial. 
Adotando maior discrição, acredita-se que estarão menos expostos a algum tipo de interferência que possa vir a afetar e alterar seu senso de justiça e juízo de valores, evitando que possam estar expostos a algum tipo de constrangimento ou coação que venham que os interesses em disputa venham a submetê-los, em razão das pressões suscitadas pelas paixões das questões sobre as quais devem se manifestar. 
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No entanto, não é esse tipo de comportamento, mais recatado, o que tem prevalecido seja em relação às questões levadas a debate e decisão no plenário do Supremo Tribunal Federal de nosso país, seja no tocante aos ministros que integram aquela Corte maior. 
E isso, longe de qualquer responsabilização da existência de um canal de televisão ou do fato de as sessões serem televisionadas e passíveis de serem acompanhadas por toda a nossa população.
Nesse sentido, a TV Justiça e o programa Direto do Plenário ao transmitirem as sessões do Colegiado prestam-se ao papel de conferir maior transparência às suas decisões, em minha opinião, em total conformidade com a frase do juiz Brandeis. 
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Antes de prosseguir, é forçoso fazer aqui um parêntesis, para emitir minha opinião de que, sob os holofotes e as câmaras, tanto quanto os senhores deputados e senadores e quaisquer outros políticos, alguns juízes não conseguem evitar que suas vaidades possam se manifestar em toda sua inteireza.
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Mas, o que temos assistido, e com colaboração plena de vários dos ministros, é a transformação das sessões do STF se transformarem em verdadeiros espetáculos, senão em um inquestionável show de horrores. 
O que apenas trás desprestígio à própria Corte. 
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Desprestígio e exposição ao ridículo, capaz de permitir ao sempre agudo senso de ironia do brasileiro, concluir, como se verificou há duas semanas, que o Supremo teria decidido se devia decidir ou não sobre uma questão. E ao decidir que deveria decidir, decidiu, pelo adiantado da hora, não decidir nada...adiando a decisão. 
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Ora, pior ainda que tal ironia, já que a passagem do tempo, nesse caso, tal como a passagem do sol, acabaria fazendo chegar o dia em que a decisão adiada deveria ser tomada, é o fato de que alguns juízes, ao contrário da recomendada transparência, acabam adotando comportamentos impossíveis de serem entendidos, explicados, justificados. 
Pior ainda quando tal comportamento vem daquele que exerce a função de presidente do órgão, responsável por definir a pauta das sessões da Corte. 
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Por que não há como escapar a uma indagação, no caso de ontem, mais uma vez transformado em show de pirotecnia a ponto de se transformar em foco central da atenção de todo tipo de mídia, com direito a entradas de reportagens especiais, até mesmo na rede de programação das emissoras mais arredias a mudanças de sua grade de horários, para citar apenas um exemplo. 
Aliás, para citar outro, não foi apenas a televisão. Também a programação de rádio fez menção à discussão do Supremo em toda a programação da tarde, assim como já os jornais o tinham feito na parte da manhã e os sites e portais de notícias eletrônicas o fizeram durante todo o dia, para não citar as redes sociais. 
E a indagação é uma só e é feita com a resposta já bastante conhecida:  porque a sessão de ontem virou o centro das atenções, senão pelo fato de que julgava-se a possibilidade ou não de prisão de um condenado, por acaso ex-presidente do Brasil e maior figura política viva hoje, em nosso país. 
Para o bem ou para o mal.
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Então todos os olhos dos cidadãos brasileiros, sejam os interesses que os moviam quais fossem, estavam direcionados ao que ocorria no Plenário do STF, colocando em marcha e funcionamento as paixões que o caso desperta. 
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E, novamente uma pergunta de resposta já antecipada,  por que se votava ontem a possibilidade de concessão a Lula da Silva de um habeas corpus, senão em função de que como pano de fundo discutia-se o cumprimento ou não de preceito constitucional, segundo o qual não deverá haver prisão para ninguém ou qualquer resultado de sentença condenatória até trânsito em julgado?
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Importa pois, saber que razões levaram a ministra Cármen Lúcia a não colocar em pauta a discussão de ações anteriores, de declaração de constitucionalidade, em abstrato, da possibilidade de prisão após a decisão condenatória adotada em segunda instância.
Quais as razões movem ou estavam movendo a presidente da Corte?
O desejo de transformar o Supremo em uma espécie de programação de televisão do tipo de um jogo final de Copa do Mundo?
Outros desejos não confessáveis, de atender e merecer melhor tratamento a lhe ser dispensado pela imprensa "golpista", rede Globo na vanguarda?
Apenas a vaidade de poder mostrar seu empoderamento, sua capacidade pessoal de fazer o que bem desejava, respeitando apenas e tão somente, seu próprio ego?
Algum motivo especial de ver, mesmo que por pouco tempo, um ex-presidente submetido ao rigor da cadeia, ou passando pela vicissitude de poder vir a ser preso?
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Ao não pautar a discussão mais ampla, abstrata, dita em tese, da adoção ou não pela Corte responsável pela defesa da Constituição, do cumprimento da Carta que cabe à Corte fazer cumprir, Cármen Lúcia apequenou o Supremo, tornando-o, de forma irresponsável até, ao meu juízo, inepto para o exercício do papel que dele se espera. 
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Para mostrar claramente o circo de horrores e o tamanho minúsculo em que a presidenta da Corte transformou o que era para ser supremo, não foram alguns poucos os ministros que se viram forçados a declarar que a ordem da pauta não era a mais adequada ou a correta a ser adotada.
Praticamente a maioria se viu obrigada a mencionar que as ações anteriores, destinadas a julgarem a constitucionalidade da prisão depois da segunda instância deveriam ser objeto de julgamento e decisão .... ora, vejam só: anteriores ao caso em tela, de menos importância, já que subjetivo.
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Não bastasse pois, o descalabro a  que o Supremo tem sido levado pelo comportamento dos seus ministros, seja em plenário, seja em público, tivemos ontem várias vezes de ver insinuações de que algo de podre havia no reino dos excelsos magistrados... diria até divinos...
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E nem vou perder tempo aqui, enchendo o espaço, para tratar da sede de holofotes de alguns dos ministros, sempre prontos a se fazerem presentes em qualquer evento, solenidade, sempre prontos a se manifestarem tanto em entrevistas para a imprensa, quanto nos tais eventos de que tomam parte. 
Deixando o recato e comportamento que se diz mais adequado a um juiz, em segundo plano. 
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A tal ponto chegamos, de ministros falastrões, que era possível, com maior possibilidade de acerto que os jogos de palpites, saber como votaria cada um dos ministros. Ressalvada sempre um voto, de quem a imprensa afirmava sempre ser difícil prever o voto, por ser arredia à mídia, preferindo se manifestar apenas nos autos: a ministra Rosa Weber. 
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Feitas todas as considerações acima, algumas observações adicionais devem ser mencionadas: a principal delas, a postura e mudança de comportamento de Gilmar Mendes, a quem sempre que tive oportunidade, critiquei. 
Sua postura ontem surpreendeu-me. E não só por ter votado como acho que seria correto proferir o voto. Ou seja: não porque votou como eu gostaria ou estava torcendo. 
E para registro a quem interessar: não me surpreendeu o voto, contrário à minha torcida, do ministro Luis Barroso, já antecipado. Voto que levou algumas pessoas ao curioso comentário de que o ministro, mesmo indicado ao Supremo por governo petista, teria sido altivo a ponto de mudar seu pensamento e se descolar dos compromissos que poderiam justificar sua indicação para a Corte.
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De minha parte, por mais que Gilmar Mendes tenha dado o voto que acredito ser o mais correto, sou forçado a declarar que não tenho qualquer razão para acreditar que não votou como votou, por ter segundas ou terceiras intenções que lhe moviam. Intenções não reveladas e que, creio, deveriam ser objeto de preocupação.
Por outro lado, apesar de não concordar com Barroso, sigo respeitando o juiz e suas opiniões. 
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Para tratar do julgamento de Lula e do Habeas Corpus, ao final negado, devo dizer apenas que o placar de 6 votos a 5 mostra mais que a divisão da Corte. 
Mostra que a manobra da presidente funcionou. 
E que há grande chance de que a possibilidade de prisão do ex-presidente, agora manifesta, na verdade apenas vai ter o efeito de passar  para a sociedade um tipo de satisfação: olha, parece dizer a decisão, nós acatamos o que a sociedade desejava. Decidimos pela prisão de Lula. Acabamos com a impunidade. 
Mas, em outra oportunidade e outro momento, como guardiães da Constituição, decidimos que tal prisão era ilegal, o que nos forçou a votar por sua liberação.
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Não é outra a interpretação possível, de um julgamento em que o voto inicial do relator, Ministro Fachin, começou destacando que acreditava que o correto seria votar primeiro o caso em abstrato, as ADC's. 
Mas que, restringindo-se ao exame puramente técnico das condições de concessão ou não do HC, concluía que não havia justificativas para a sua concessão: ou seja, não havia abuso de autoridade, não havia razões defensáveis para afirmar que o direito do "paciente" poderia ser prejudicado. 
Fachin não votou a questão de fundo. Nem pela prisão de Lula. 
Preferiu, sabiamente, escapar pela tangente. 
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Mesmo comportamento da ministra Rosa, que deixou claro que sua opinião é contrária à prisão após a segunda instância. E foi mais além, já que não era essa a questão pautada, e em respeito à colegialidade da decisão anterior, à chamada jurisprudência da Corte, mesmo que equivocada, votaria contra o HC.
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Para mim, bem feitas as contas, o placar das ADC's e de eventual liberação de Lula, é de 7 a 4. 
O que me deixa satisfeito, não por ser Lula, mas como já postei anteriormente nesse blog, por ser o que a Constituição determina. 
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Fato que foi destacado pelo decano em seu longo voto: a culpa de tantos recursos, tanta demora em se fazer justiça, é da lei e de que é responsável por redigi-las, já que em existindo recursos, é lícito que qualquer cidadão possa deles lançar mão. 
E a defesa da Constituição não pode permitir que o Supremo ou qualquer outra instância, venha a tomar decisões que negam o direito que não é de Lula, mas de qualquer um de nós, cidadãos. 
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Concordo com o decano, de que o Estado de Direito se manifesta é quando a lei é respeitada, e não quando por qualquer razão - até plausível ou correta- as decisões sejam tomadas ao arrepio da Lei. 

Um comentário:

Unknown disse...
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