quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Entrevista com o capitão na Band, apenas revela o lobo em pele de cordeiro. E não dá para brincar com o autoritarismo que ele é o primeiro a fomentar.

Assisti ontem à noite, no Jornal da Band, à entrevista concedida pelo candidato à presidência que recebeu maior número dos votos válidos.
A primeira impressão que tive foi a de uma velha fábula, de um lobo em pele de cordeiro.
Explico: durante seu mandato e, especialmente nos últimos meses que antecederam à eleição, os discursos do deputado foram sempre discursos que poderiam ser classificados como duros.
Tratando de temas como a segurança pública, divulgou, entre outras ideias a da possibilidade de a população ter acesso a porte de armas - E DELAS FAZER USO. Em relação à questão de crimes cometidos por menores, sempre manifestou-se favoravelmente à redução da maioridade penal, para todo tipo tipo de crime. Em relação à atuação da polícia militar, sempre defendeu, se não o uso da força e da truculência, uma postura de complacência em relação ao comportamento policial. Algo do tipo: no caso de qualquer confronto, se houver mortes de bandidos, não será adotado nenhum procedimento de investigação da ação desenvolvida pelo militar.
Tendo ciência da quantidade de laudos de confrontação forjados pelos soldados da Polícia Militar, com vários casos de alteração de cena de crime e até armação de situações de troca de tiros que as câmaras cada vez mais disseminadas pelos vários cantos das cidades indicam não terem ocorrido,  a adoção de uma postura benevolente em relação ao policial é, no mínimo, um convite ao abuso.
Especialmente porque as câmaras insistem em flagrar situações de pura e simples agressão, cuja consequência é muitas vezes o assassinato puro e simples de quem, muitas vezes, era inocente, não reagiu, estava desarmado. O que faz com que o argumento de que a ação policial foi no exercício de seu direito de legítima defesa, ou de outrem, seja uma falácia. Um engodo.
***
A respeito da violência gratuita de policiais, ainda no jornal da manhã hoje, na Globo, tivemos mais uma prova da truculência e arbitrariedade de policiais que agrediram uma mulher, suspeita de ter cometido algum delito.
Não satisfeitos, os policiais ainda arrastaram a mulher para a viatura, para conduzi-la detida. Filmada a ação bárbara, o comando da Polícia divulgou que irá investigar se houve alguma abuso, o que levou os próprios apresentadores do jornal a, estarrecidos, comentarem que bastaria ver as imagens.
***
Bem, não é necessário dar muita asa à imaginação para entender como essa violência policial alimenta o poder autoritário do guarda da esquina, a que me referi ontem. Quando não serve de estímulo para a formação de milícias. E o que são esses bandos?
Grupos de pessoas armadas, com origem nas forças que deveriam lutar contra o crime e proteger o cidadão. Mas que, frente ao poder que percebem possuir, transformam-se em seu oposto, achacando cidadãos de bem, ameaçando-os e cometendo vários tipos de atrocidades.
***
Nem vou mencionar aqui, o fato de que essas gangues armadas se prestam a qualquer tipo de ação, sob o manto da proteção que lhes é assegurada, em nossos dias, por seus colegas de farda.
O caso Marielle Franco, ainda não resolvido é um exemplo desse absurdo cometido por forças que, se não contam com a cumplicidade, contam com a complacência ou omissão de toda a força policial.
***
Aliás, não é verdadeira a afirmação última, acima. Primeiro, por  que não contam com apoio de todo o contingente da nossa gloriosa força policial. e,  segundo,  porque o apoio não vem apenas da polícia.
Lamentavelmente, o apoio é de toda nossa sociedade, cada vez mais sedenta de sangue e vingança.
Senão, como explicar que um candidato, ex-juiz de direito e o mais votado no primeiro turno do Rio, participe de ato público ao lado de elementos que mostravam, orgulhosos terem destruído um bem público, uma placa de rua, justamente aquela que homenageava a vereadora morta covardemente.
***
Nem o juiz parece ter se incomodado com a barbárie, nem a população, que ainda votou e elegeu um dos autores do crime contra o bem público.
E olhe que Rodrigo Amorim, o nome do cidadão, foi o deputado eleito com maior número de votos para a Assembleia do Rio.
Sinal dos tempos.
***
Posso ter me empolgado com a questão da licença antecipada para os policiais promoverem "limpezas urbanas", algumas até como solução final.
Especialmente, por ter me lembrado de que já houve antes, no mesmo Rio de Janeiro, uma acusação nunca comprovada, contra uma secretária de Estado, Sandra Cavalcanti, a respeito da exterminação de cidadãos dos estratos mais pobres da população, queimados ou afogados no Rio da Guarda.
Dando sempre o devido desconto, já que pode ter sido apenas um tipo de "fake news" da época, é interessante lembrar que um dos argumentos usados pela defesa da secretaria do governo Lacerda, apenas afirmava que aquilo era armação de comunistas e brizolistas. Com o intuito de incriminá-la.
***
Pois bem, a questão é que, na entrevista à Band, o candidato parece ter optado por amainar um pouco o teor de seu discurso.
Assim, ele afirmou não ter afirmado, em nenhuma ocasião, ser favorável à liberação do porte livre de armas, mas ser favorável a que cada cidadão possa comprar armas livremente, para sua defesa.
Como disse aqui, em pitaco anterior, acho que ter armas no interior de casas de famílias, para quem não está suficientemente qualificado para utilizar-se delas, e mais ainda, na maioria das vezes será pego de surpresa, servirá apenas para armar ainda mais os assaltantes.
***
Em relação aos menores, também atenuou seu discurso, já que quer agora avançar na questão de forma mais lenta. Ou seja, em um primeiro momento, altera-se a idade da maioridade penal para 17 anos, deixando redução ainda maior para um próximo governo.
***
Como a entrevista não foi apenas relativa às propostas ligadas à segurança pública, o candidato continuou discorrendo sobre questões ambientais.
Atendendo a pedidos das próprias comunidades indígenas, desejosas, de poderem explorar e obter rendas da exploração de suas terras, irá rever a questão das demarcações de terras indígenas.
Isso, segundo sua manifestação.
Além disso, irá parar com a fábrica ou indústria de multas aplicadas sobre o pessoal ligado às atividades agrícolas, que insistem em desrespeitar o meio ambiente.
Nesse ponto, deixa muito claro que em questões de meio ambiente e da própria sustentabilidade do agronegócio, do país e até do planeta, não irá dar espaço para esses "xiitas", que se encastelam na defesa de argumentos voltados à preservação futura da vida. Sua opção, manifesta, é pelos negócios e pela defesa dos proprietários rurais, e de seus lucros de prazo mais curto.
***
Mas, se no âmbito do campo, não alterou ou atenuou suas propostas, até citando o apoio da bancada ruralista, último a ser conquistado para sua campanha, deixou clara sua intenção de fundir os dois ministérios, da Agricultura e do Meio Ambiente, sob a batuta dos interesses da classe agrícola e subordinação dos que lutam pela preservação do planeta, em outras questões de cunho econômico,  o candidato parece ter afastado um pouco de seu radicalismo.
***
Assim, afirmou que não irá privatizar a Petrobrás, ao menos no seu "hard core". Não irá privatizar a Eletrobrás, entregando-a à China. Aliás, em relação a esse país, mostrou sua postura nacionalista, ao afirmar que irá impedir a China de se apropriar de nosso país e nossas riquezas. Afinal, segundo ele, a China não está comprando propriedades no país, está comprando todo o país.
***
Por falta de entrevistador mais impertinente, o que teria sido  mais proveitoso, não ficamos sabendo se  a visão do tema pelo candidato seria a mesma se as aquisições de bens públicos e empresas estatais estivessem sendo feitas por capitais americanos, Trump e seus amigos.
***
Em relação à privatizações, como forma de solucionar ou reduzir a dívida pública, não foi questionado. Ou conseguiu passar ao largo da questão, com evasivas.
Foi mais questionado sobre sua provável equipe de governo, como o presidente do Banco Central, cujo nome seria indicado por seu escudeiro mór, ou seu posto Ipiranga e potencial super-ministro da Fazenda e do Planejamento.
Esse mesmo Paulo Guedes sob investigação, por suspeita de fraudes cometidas em fundos de pensão, conforme consta na Folha de hoje.
***
Bem, se o super ministro não tem um perfil tão distante dos adversários a que o candidato insiste em rotular como corruptos - e pior Canalhas!-, como justificar que esse é o homem que veio para passar o país a limpo?
Ou como Jânio há anos atrás, varrer a corrupção para fora do setor público?
***
A respeito da questão da previdência, o candidato também mostrou postura mais amena. Arrefeceu seu apetite por reforma, que agora pretende lenta e gradual.
Claro, não irá modificar alguns privilégios, como a aposentadoria das forças militares ou de segurança, em razão do grau de periculosidade das atividades que desempenham. Não ficou claro é que tipo de periculosidade enfrentam os componentes do Exército, que não têm a função de policiamento ostensivo, nas ruas.
Tampouco foi questionado ou falou dos privilégios das famílias dos militares.
Mas deixou claro que a aposentadoria não pode sofrer mudanças abruptas. Logo, a idade mínima para aposentadoria, por exemplo, irá ser alterada, não para 65 anos, no caso dos homens, mas para 61, em um primeiro momento.
Tudo para tornar a reforma mais palatável.
***
Pena que o repórter não perguntou que mudança então seria essa, uma vez que, pela regra de aposentadoria aprovada no governo Dilma, conhecida como regra dos 85/95, a idade mínima irá, a cada ano a partir de 2019, aumentar? Já para o próximo ano, a regra se altera para 86/96.
Ora se não é para mudar, porque provocar tumulto no Congresso, com propostas vãs.
***
A verdade é que o candidato parece estar apenas atenuando seu discurso, para capturar eleitores que, por não concordarem com suas posturas autoritárias, a ele não destinaram o voto no primeiro turno.
Porque o quadro que vislumbro é que, se ele não cumprir e fizer vingar as sementes que cultivou em sua trajetória até aqui, irá causar uma decepção muito profunda em seus eleitores, alguns dos quais inegavelmente de perfil anti-democrático e até fascista.
***
E a reação desse pessoal, desiludido, ao constatar que votaram para verem continuar tudo como dantes pode, essa sim, causar problemas e perturbações da ordem.
Capazes de provocarem a anarquia, que é a senha usada pelo general candidato a  vice, para uma intervenção que limite o Estado democrático de Direito.
***
Tudo bem que ele afirmou textualmente que ele é capitão e que seu vice é general. Mas lembrou que ele é o presidente (sic!), passando o carro à frente dos bois. E, como militar, ele sabe que o presidente é o comandante em chefe das Forças Armadas, a quem qualquer que seja o general, estará obrigatoriamente subordinado.
Ainda assim, sua defesa da manutenção do Estado de direito é pouco convincente para quem já declarou que o Congresso deveria ser fechado. Para quem já demonstrou total falta de respeito a quem pensa, age, ou apenas é diferente.
***
A mim, a sensação que fica é apenas a que, se promover um estelionato eleitoral, decepcionando aos seus eleitores, irá provocar uma situação insustentável.
Se fizer tudo que prometeu, da forma que prometeu e que agora tenta suavizar, poderá enfrentar discordâncias e até dificuldades para aprovação dentro da Casa legislativa.
Nesse último caso, não haveria razão alguma que o impedisse de adotar a solução que ele mesmo já advogou: fechar o Congresso.
***
Ou seja, se ficar o bicho come, se correr o bicho pega...
E esse candidato que está aí é só isso mesmo.
O fim do Estado democrático de direito.

Um comentário:

Rodrigo Burato disse...

Complicado.

Pra atender os anseios da base; uma ideia. Pra atender alguns da sociedade; outra ideia. Pra atender aos demais; uma variável. Jogos políticos, conchavos... Só que no caso dele estará em apuros. Como unir uma sociedade tão dividida respeitando a sua base de pensamento? Estamos lascados!