quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Comportamentos mentalmente perturbados e seu impacto na campanha; questões de religião e sua importância em um Estado laico

Em entrevista concedida ontem no Rio Grande do Sul, o delegado da 1ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre,  responsável pela investigação do caso de agressão sofrido por uma jovem que teve seu corpo marcado por uma suástica revelou o resultado do laudo pericial a que a moça foi submetida.
Segundo o delegado, o laudo permite concluir que os cortes foram resultado de automutilação ou foram consentidos pela suposta vítima.
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Trato do caso nesse pitaco uma vez que, dada a hipotética agressão, a imagem dos cortes divulgados por toda a midia onde se destaca o símbolo de uma suástica, em momento em que grupos extremados no país aproveitam-se da situação política cercada de extrema e inédita intolerância, a imagem acabou sendo imediatamente utilizada pelo candidato Fernando Haddad, em sua propaganda eleitoral. 
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Sem os cuidados que um evento e uma denúncia como a feita pela jovem gaúcha merecem, entre os quais a de se aguardar algum indício mais evidente da investigação, Haddad mencionou o ataque, atrelando sua autoria a grupos apoiadores da candidatura do rival, o tiranete carioca.
A favor de Haddad deve ser dito que ele, como qualquer outra pessoa, não teria condições de supor tratar-se de qualquer forma de "fake news", uma vez que os cortes, embora parecessem superficiais, de fato existiram. 
Além disso, e reforçando os argumentos de sua propaganda, o petista não estava acusando diretamente seu oponente, senão que condenando, como grande parte da população brasileira mais ponderada, o discurso agressivo de seu adversário. Discurso capaz de incentivar ações por parte de seus mais extremados apoiadores que poderiam ser adotadas mesmo que alheias ao conhecimento e/ou aprovação do tiranete. 
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Não foram poucos os que condenaram o discurso, senão de ódio, bastante agressivo do militar da reserva, que incluíam desde a apologia do uso de armas de fogo, até a promessa de exclusão de ilicitude de qualquer ação policial, um eufemismo para a ideia de que a polícia passaria a ter, em um eventual governo seu, autorização para matar impunemente. 
Foi ainda dele frases como a que preferia ter um filho morto que homossexual, o que para mentes mais fracas pode significar a autorização para providenciar uma "limpeza" em relação a esse tipo de pessoas. 
Sem querer ficar me estendendo, o discurso de ódio contra as minorias sempre fez parte de falas do candidato, que se lamentou, inclusive, do fato de o golpe militar de 64 não ter feito o serviço completo, limitando-se a torturar, quando deveria ter liquidado uns 30 mil.
Nem vou falar aqui do banimento de todo pensamento considerado mais à esquerda, que foi a tônica de seu discurso no domingo último, na verdade, uma reedição do velho e autoritário: "Brasil: ame-o ou deixe-o.".
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Com tal ambiente de confronto, para cuja criação o ex-capitão teve grande parcela de responsabilidade, não é possível condenar Haddad, por ter criticado os seguidores do discurso da violência. 
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Mas vamos admitir aqui que, face a polarização a que chegamos, talvez fosse melhor o professor aguardar mais um pouco para levar ao ar o caso.
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Fazer essa afirmação, no entanto, não significa que o caso da menina tenha sido concluído, em função do laudo. O que significa que também o delegado agiu de forma precipitada, o que coloca já sob suspeição seu comportamento. 
E isso por dois motivos: primeiro, porque o laudo não se mostrou conclusivo, como o delegado deu a entender. 
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Segundo matéria do Correio Braziliense: 
 "As lesões verificadas apresentam, portanto, características compatíveis com as de lesões autoinflingidas, embora não haja, a partir exclusivamente dos resultados do exame de corpo de delito, elemento de convicção para se afirmar que efetivamente foram autoprovocadas", diz o documento. "Nesse sentido, pode-se afirmar que as lesões foram produzidas: ou pela própria vítima ou por outro indivíduo com o consentimento da vítima ou, pelo menos, ante alguma forma de incapacidade ou impedimento da vítima em esboçar reação", prossegue.
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Ou seja, há uma possibilidade de que as lesões tenham sido autoinfligidas, mas não há elemento de convicção para afirmar-se isso. 
Então porque o delegado não abordou essa dúvida do laudo?
Mais curioso é que o próprio delegado correu para tentar apontar alguns atenuantes para o comportamento da menina. Aliás, foi mais longe, ao declarar que:
"A menina é doente, tem problemas psiquiátricos", disse. 
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Ora se a menina tem problemas psiquiátricos, então seu caso deveria ser tratado de forma a dar-lhe a maior proteção possível, inclusive, providenciando tratamento e não uma promessa de indiciamento por falsa comunicação de crime. 
Afinal, qual a razão do comportamento do delegado?
Aparecer, aproveitando os holofotes, em razão do clima pré eleitoral? Ou tentar, ao seu modo, interferir nas eleições?
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Insisto no tema: Haddad talvez tenha se precipitado, como o fez no caso da denúncia de Geraldo Azevedo em relação ao general Mourão. 
Mas, creio que  nossa sociedade só revela o quanto sua sanidade está prejudicada, quando no caso da menina, considerada como "doente", o caso passa a ganhar a dimensão que ganhou. 
O mesmo vale para o caso de Azevedo que, inclusive, se desculpou. Mas, a psicologia dá respostas e explica a confusão que é possível um ser humano vítima de tortura fazer em relação àquela situação de violento estresse a que foi submetida. 
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A questão da reação de pessoas submetidas a estresse emocional violento é tal que, embora não conheça muito de Psicologia, já ouvi referência a que a pessoa pode, até mesmo, vir a proteger seu algoz, ou simpatizar-se com ele. Parece, inclusive que isso tem algo a ver com a chamada Síndrome de Estocolmo. 
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De toda a situação devemos extrair algumas lições: não podemos cobrar com a severidade que temos cobrado de agentes que não têm capacidade de compreender as consequências de seus atos  e seus comportamentos, por mais dolorosos ou até funestos que sejam suas consequências.
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Não podemos, sem aprofundar as informações ou confirmá-las cabalmente, vir a utilizá-las, como fez Haddad.
Nem podemos também fazer como agora seu oponente faz, dizer que tal acusação era apenas mais uma mentira, como se a  marca da suástica não tivesse sido feita ou o tivesse por responsabilidade do petista. 
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Ou seja, está tudo errado. E por isso cheira mal. E por isso, a escolha se reduz, cada vez mais, ao futuro que nós buscamos. Em meu caso, de respeito à democracia e as diferenças. 
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Como a religião tem capacidade de influenciar um Estado laico

Não se discute a importância, até mesmo para que todas as religiões possam ser respeitadas, e assegurado o direito de cada uma delas de realizar seus cultos, de um Estado laico. 
Estados dominados por questões religiosas costumam negar às bases mais profundas de sua própria crença, já que tendem a um fundamentalismo inconcebível. 
Fundamentalismo que, tendo como base uma concepção de mundo e uma certeza de que a fé que professa é a única correta e respeitável, leva o governo a perseguir e prejudicar aos outros indivíduos, com convicções religiosas diferentes ou sem qualquer convicção. 
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Seguramente, não é um Estado dominado por valores religiosos que nós brasileiros desejamos. Mas um Estado que assegure espaços para a prática de todo e qualquer culto religioso. Desde que não fira as normas básicas do direito, de todos os demais. Refiro-me aqui, à proibição de cultos religiosos que praticam ou venham a praticar sacrifícios - de animais de qualquer espécie. Inclusive, os ditos racionais. 
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Mas, curiosamente, se o Estado laico é nossa aspiração, todo o tempo a questão religiosa vem invadir o ambiente da discussão da política e das normas de comportamento social. 
E isso não é de agora.
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Foi assim, por exemplo, na Constituinte de 1946, em que o Senador Nelson Carneiro ganhou destaque e foi o único que saiu ileso, inclusive do ponto de vista da carreira política, por sua defesa da inclusão do instituto do divórcio. 
Na oportunidade, e com forte amparo da Igreja Católica, a opinião dominante é que a mera inclusão da possibilidade do divórcio iria levar à degradação da família brasileira. Servindo como estímulo para que as uniões se tornassem, não mais o sacramento divino, mas a porta aberta para todo tipo de comportamento irresponsável e repleto de taras.  
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Como se a dissolução dos laços conjugais não fosse de responsabilidade exclusiva do próprio casal e que existia, independente da aprovação ou não do divórcio. 
Curiosamente, não eram raros os casos de católicos que, não tendo sido felizes na primeira união, não encontravam um novo parceiro, com quem iriam tentar novamente a construção de uma família tida como de respeito. 
E quantos deles não iam ao Uruguai, na época, para oficializarem sua união?
Quantos deles não procuraram a Igreja Católica do Brasil, onde o Bispo de Maura se incumbia de abençoar novas uniões?
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Pois bem, isso era a posição da Igreja Católica, então a de maior poder político no país.
Mas, anos depois, na década de 70, o senador Nelson Carneiro conseguiu seu intento. A lei foi aprovada e, se a situação civil de grande parte de famílias pode ser regularizada, a Igreja Católica seguiu não aceitando promover novas uniões. 
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Em termos, já que o número de processos de anulação de casamentos, até então de hipóteses muito restritas, começou a se tornar tão comum, por motivos banais, a ponto da própria Sé condenar tanta facilitação para romper o que ainda devia ser sagrado. 
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O divórcio não desfez a sociedade e seus laços de convívio, como se imaginava e estava presente na ideia de que a família é o esteio de nossa sociedade. 
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Não me refiro aqui a outras igrejas cujo posicionamento desconheço, mas que parece-me terem sempre entendido que não se deve condenar uma pessoa a permanecer eternamente preso a uma situação que não lhe permite buscar a felicidade. 
Parece-me que, nesse ponto, as outras Igrejas Cristãs, sempre trataram a questão com mais bom senso. 
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Poderia dizer aqui da questão que sempre surge, e mais uma vez agora, relativa ao aborto. 
Como se a mudança de lei fosse uma questão de vontade ou decisão exclusiva do presidente eleito. 
Como se a apresentação de um projeto não pudesse ser patrocinada por um - qualquer um dos deputados - e, caso aprovada não estaria em sintonia com o pensamento majoritário da sociedade, expressa por seus representantes eleitos e a que a vontade do presidente deveria se submeter. 
Independente do que fosse a compreensão do Executivo e de que comportamento para estimular ou não a discussão de tal proposta, pudesse vir de quem ocupasse o cargo de presidente. 
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No entanto, mesmo sendo laico, o lema de um candidato se apropria da figura de Deus, todo o tempo. E seus seguidores tentam, todo o tempo, levantar críticas ao comportamento de seu oponente, apenas por respeitar a opção feita por nossa sociedade, de separar Estado e negócios de governo, dos negócios divinos. 
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Afinal, há um candidato que parece ser mais afinado com o discurso e o comportamento de Cristo na campanha. E para esse candidato: Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.
Esse candidato que prega o discurso da paz e do respeito é Haddad. 

3 comentários:

Rodrigo Burato disse...

Me perdoe o termo mas seus últimos textos são um "tapa na cara" de quem apoia o Bozo. Contra fatos não há argumentos.

Por um lado penso que pessoas estão cegas pela corrupção atrelada exclusivamente ao PT, velho ( de idade ) amigo. Ou como o Bozo, só precisavam de um impulso pra externar todas as suas características animalísticas. Mas ainda vou pensar que a maioria são pessoas boas e que estão cegos pela corrupção, fomentadas por noticias "encaixadas" e que na essência são do bem. Vão perceber o equivoco lá na frente.

Quanto ao aborto, sou a favor de legalizar. Proibir não vai fazer parar de acontecer. Vai continuar de forma constante e das piores formas para quem deseja. Você legalizando consegue mensurar os fatos e muitas vezes dar apoio a quem apenas precisa de uma "força" pra continuar, com uma futura vida e que está sem amparo. Mas cada caso é um caso; como estupro, onde a decisão é totalmente cabível e aceitável. É preciso discutir já.

Como também, a maconha. A ideia é a mesma do aborto. Continua acontecendo. Penso eu; Legaliza! Tributa e usa o valor pra possíveis tratamentos na área da saúde. Estudos mostram que a maconha não deixa a pessoa violenta ( Cerveja ) nem com dependência química ( Cigarro ).

Unknown disse...

Parabéns Paulo. Já compartilhei com você a indignação do uso frequente do nome de Deus nos debates e propagandas eleitorais. O Estado é laico. Propostas devem ser apresentadas e não o credo de cada um. Abraços.

Anônimo disse...

Caro Paulo,
John Lennon, escreveu em 1970 a música God, cujos versos iniciais anuncia : "Deus é um conceito pelo qual medimos a nossa dor". Penso que ele quis dizer que nos aproximamos mais de Deus quando estamos diante de grande sofrimento, incapaz de ser aplacado pelos recursos disponíveis no plano terreno.
Em uma outra música, The Luck of the Irish, o ex-beatle constrói uma frase decisiva "como eles podem matar com Deus ao seu lado?" Referindo-se ao sanguinário conflito em ingleses e norte-irlandeses nos idos da década de 1970. A meu ver a frase é absolutamente atemporal, penso que se refere a todas as injustiças feitas em nome de Deus ao longo da história humana, inclusive modernamente.
Acredito que a frase continua válida e muito atual, afinal a morte pode ocorrer em diversos planos e não apenas naquele material. A morte está também na não aceitação daqueles que são diferentes; na apologia da violência em todas as suas dimensões; nas traições e nas manipulações. Em todos estes elementos estão impregnadas a fala e as digitais do ex-capitão, que se apropria da ingenuidade e ignorância de seus eleitores para se posicionar como um defensor de valores religiosos. Caifás e os sacerdotes do Sinédrio ainda estão andando por aí, enganando e fazendo vítimas.

Fernando Moreira