quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Quem é o maricas? na lógica defeituosa, tortuosa e delirante do senhor da Morte

 Todos conhecem a fábula do sapo e o escorpião, o que torna desnecessário repeti-la aqui. Razão por quê, nos limitamos apenas a recordar de seu final e da reflexão a que ela nos conduz, que destaca a natureza do escorpião, ainda que encoberto pelas águas. 

A busca pela fábula, no Google, nos remete a um sem número de links, que abordam desde o fato de o escorpião amarelo fazer parte do fluxo da cadeia alimentar do sapo-cururu, o que transforma o sapo em predador do aracnídeo, até outros endereços de cunho mais literário, que procuram identificar o caráter educativo da narrativa ou mais filosófico, destinados a interpretar a moral ali contida.

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Mas deixemos de lado o mundo dos animais, para tratar do assunto que é nosso tema no dia de hoje, embora o uso da  narrativa possa não se aplicar de forma plena ao nosso conteúdo. Isso porque pelo que pude recordar, as fábulas são pequenas histórias onde os personagens são animais, que mimetizam comportamentos humanos. 

E o personagem de nosso pitaco cada vez mais distancia-se da imagem de animal, ao menos do tipo racional. 

Trata-se, por óbvio, de Jair Messias, que dispensa apresentação ou justificativa.

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A razão de iniciar o pitaco com a referência à fábula, é destacar a natureza, o caráter do candidato a genocida que ocupa o Planalto. 

Um homem que desde sempre traz o signo da morte, de quem parece emissário. 

Não fora assim, não teria, desde quando ainda pertencia à Corporação que o formou, proposto e planejado ataques às edificações militares, aos quarteis que congregavam seus companheiros de farda, transformados em alvos para a instalação de artefatos explosivos, em manobra destinada a reforçar reivindicações por aumento de soldos. Ou prestar-se à chantagem ao Alto Comando do Exército.

Por sorte daquela Arma, o Cavalão (aqui o apelido, não o personagem de mais uma fábula!) acabou sendo levado a julgamento, tendo sido objeto de processo que culminou com sua "expulsão", ou a saída negociada do "pede para sair..... 02".

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Livrou-se a tropa de um demente, de um marginal, cuja exclusão, se poderia ser considerada uma vitória, representava uma autêntica calamidade jogada sobre a sociedade civil.

Para nossa intenção, basta destacar o resultado fúnebre que tal ação poderia acarretar, se levada a cabo. 

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Convidado a abandonar as fileiras da Corporação, Bolsonaro tomou o rumo da política, candidatando-se e sendo eleito para uma cadeira na Câmara dos Deputados, onde se manteve desapercebido por mais de 25 anos, escondido nos corredores e nas galerias sombrias do submundo e dos esgotos da Câmara.

Nesse tempo, aproveitava-se dos inúmeras oportunidades que os recursos públicos, travestidos de verbas de gabinete, permitiam auferir. Vantagens advindas da falta de controle efetivo e emprego de manobras, como indicação de funcionários fantasmas ou "rachadinhas".

Mas, não era só. Dando vazão a sua natureza, sugeria que a ditadura militar deveria ter mandado fuzilar - e não apenas torturar - uns 30 mil adversários políticos, inclusive o presidente FHC. 

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A morte estaria presente depois, em seus discursos, em sua campanha à presidência de uma República, tão vilipendiada, que capaz de dar espaço a que um representante de sua negação, pudesse concorrer e se tornar vitorioso. 

Foi em campanha que ameaçou fuzilar a "petralhada", além de banir os "marginais vermelhos", em suposta faxina que ganhou eco junto a parcela da população, cada vez tornada mais rancorosa, por ter sido sempre alijada das conquistas econômicas e sociais da nação. 

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Não bastava a tortura que elogiava abertamente e a que prestava reverência. A tortura desnudava apenas o sádico no exercício do poder. 

Sadismo que se expressa a cada vez que se propõe a submeter à fritura, por qualquer motivo que seja, mesmo o mais mesquinho ou fútil, aos seus auxiliares, seus ministros. 

Isso para não mencionar os militares que atraiu para sua campanha e depois para seu governo, sujeitos a humilhações e ataques constantes, alguns de forma subterrânea. 

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Vale esclarecer que não sinto qualquer comoção maior em relação às agressões aos militares, em especial, o tratamento de subalternidade que lhes é dedicado por Bolsonaro. 

Ao contrário, acho que o tratamento - que não atinge a toda a tropa, dirige-se e alcança apenas aqueles saudosos da ditadura, adeptos e defensores da tortura, os autoritários que não se acostumaram às perdas de cargos e poder e prestígio e que correram a prestar apoio aos delírios do embaixador da morte. 

Esses, por mais augustos ou mourões firmes que sejam, colhem apenas o que plantaram e fizeram por merecer. 

Diferente, esses, de um Pazuello, sabujo autorreconhecido. Ou de um Ramos, que seus colegas de ministério já adjetivaram de forma suficiente. 

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Empossado, Bolsonaro não apenas se prontificou a decretar e trabalhar pela morte e destruição de qualquer resquício de instituições democráticas, quanto pela destruição do comportamento ético, moral.

Razão porquê seus vizinhos de condomínio foram acusados do assassinato de Marielle e Anderson, seu motorista; embora a vereadora opositora incomodasse mais os negócios de seus parceiros, milicianos. 

E sua cruzada para a implantação da liberdade para matar, seja facilitando o acesso, sem qualquer controle, a armas e munições, seja a partir da instauração da liberdade para a realização de tribunais sumários, sob o título de excludente de ilicitude para policiais (em qualquer situação).

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Não à toa, os números do mapa da violência contra pobres, pretos, jovens, populações de comunidades das periferias; a mortalidade por tiroteios e balas perdidas, especialmente de crianças (sempre pobres, sempre pretas!); as estatísticas de mortes causadas por policiais - verdadeiras chacinas - não cessam de se elevar, dando margem ao temor de estar em curso uma política de genocídio. 

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As arminhas com as mãos ou no "coldre" de seus filhos, mesmo em visitas e fotos no Palácio, mostram que o presidente é uma personagem retirado do velho oeste americano, onde proliferavam os justiceiros, os bandidos transformados em xerifes pelo uso das armas, os matadores de toda espécie.

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Nesse desgoverno sob o emblema da morte caveirosa, nada poderia calhar mais que uma pandemia, como a que devasta o mundo e aqui no Brasil chegou a ser considerada mera gripezinha. 

Afinal, a morte nos alcançou de chofre, e o presidente, responsável por agir como líder, coordenando os esforços de combate à crise sanitária e seus efeitos, preferiu se omitir. 

E daí, se ele não é coveiro? E daí, se um dia todos nós iremos morrer mesmo? E daí se ele, por ter histórico de atleta, não seria afetado salvo por sintomas de um resfriadozinho? E daí se ele não é maricas e não vai se submeter ao tratamento de aplicação de ozônio retal? 

E daí se ele comemora a interrupção de testes com uma vacina que pode salvar vida de milhares de brasileiros, depois de já quase 185 mil outros mortos, de distintas idades e situações e condições?

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Bolsonaro torce e deseja a morte, dos outros, daqueles que, em tese, constituiriam seu povo. 

Por isso, o ministério da Saúde com o ministro general fantoche não tratou da encomenda e de fechamento de compras com os laboratórios desenvolvedores de vacinas, de qualquer tipo, de qualquer nacionalidade. 

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O que interessou a Bolsonaro foi a propaganda da cloroquina, porque quem é seguidor do mito, toma cloroquina. Aos perdedores, a tubaína. 

Ao menos Machado e seu Quincas Borba foram mais originais: aos vencedores as batatas!

Pelo menos assim deve ter pensado a ema do Palácio, com mais juízo que o idiota que insistia em lhe oferecer embalagens de cloroquina. 

Afinal, a ema, como todo animal, tem um instinto de preservação agudo. E preferiu retaliar a agressão, revidando a mão que apedreja, incapaz de afagos. 

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Daí o algoz da nação mantém sob sua responsabilidade um gestor em logística. Tão eficiente e eficaz que não conhecia o que é o SUS, acredita que o Nordeste segue a mesma lógica climática que os países do hemisfério Norte, e é incapaz de manter um controle de estoque, com controle de prazo de validade de testes perecíveis. 

Ora, o general fantoche, provavelmente deixa perder o prazo de validade de material sob sua guarda, apenas para contentar à sanha de morte de seu líder ou mito. 

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Dessa forma, não chega a ser nem um pouco surpreendente que em evento no CEAGESP, ontem, em São Paulo, o presidente delirante, prefira invocar a desratização do estado, em clara ameaça e referência a Dória (rato que foi seu aliado, em campanha). 

Dória não merece ser agredido em sua casa. Os ratos não merecem qualquer comparação com o governador. 

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Apenas que Bolsonaro foi além: não bastasse torcer para provar o infrutífero uso de máscaras, ou a afirmação feita em entrevista ao Datena, de que não vai tomar a vacina, ele se supera. 

Só assim, se entende a intimidação que deseja promover a todos os cidadãos que, lutando pela sua sobrevivência, se dispõem a enfrentar as filas que forem necessárias para se vacinarem. Se protegerem do vírus fatal. 

Em franca atitude de transferência de responsabilidade, feita por um irresponsável, prestes a cometer um ato passível de ser considerado crime de lesa humanidade, Bolsonaro negocia para incluir na Medida Provisória que trata da aquisição tardia de vacinas, um termo de compromisso, pelo qual que tomar a vacina se responsabiliza por seus efeitos. 

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Melhor seria se fosse ao contrário. Os bolsotários, como o ídolo, assinassem um termo de compromisso, propondo ressarcimento ao Tesouro de eventuais gastos que tivessem de incorrer, em tratamentos hospitalares, por contaminação da Covid. 

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Mas, esperar o que, de uma MP que listando os critérios de prioridade na vacinação, deixa de fora o grupo de presidiários. 

Querer o que de quem, em discurso se preocupa apenas em fazer propaganda da retomada da funesta ideia do excludente de ilicitude para os militares em ação (seja lá o que isso possa significar!!)

A quem é capaz de defender com a maior tranquilidade a ideia contida na máxima de que bandido bom é o bandido morto. A ponto de se referir de forma elogiosa à carnificina provocada pelas tropas policiais militares no Carandiru, em que 111 homens foram massacrados. 

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Nem se discute o fato de tais detentos estarem pagando seus crimes contra a sociedade e não terem podido terem uma segunda oportunidade. 

O crime aqui é mais sério: crime do Estado, com o monopólio da força e das armas, contra seres humanos a quem não foi dada qualquer chance de se defender. 

Crime do Estado contra aquele que estava sob sua guarda e proteção. 

Crime que apenas destaca que o senhor da Morte não passa de  um covarde, que se vangloria de um grupamento de homens fortemente armados terem sido necessários para controlar e combater um grupo de homens enjaulados sem armas de fogo ou munição. 

E, depois, quem é o maricas???




quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Uma reflexão - histórica - sobre a tão falada derrota da esquerda em 2020. E uma dúvida: como considerar derrotado quem não tem condições objetivas para entrar em campo?

 Interessante observar que a sociedade brasileira sempre se caracterizou por um traço bastante evidente: seu conservadorismo.

Fruto de nossa formação histórica, que excluía o cidadão comum das decisões políticas relativas a sua vida  (na época da República Velha), e da preocupação dos coronéis do interior em manter a população sem acesso à educação, tal perfil menos afeto à mudança não deveria ser causa de espanto.

Afinal, aquela era uma época em que imperava o raciocínio de que quanto mais ignorante o povo, mais fácil mantê-lo sob seu cabresto.

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Não à toa, em razão de nossas relações sociais, para dentro e para fora, Caio Prado Jr., em análise de rara felicidade, demonstrou que nossa sociedade era marcada por uma dualidade. Não aquela que opunha regiões avançadas e mais desenvolvidas, ligadas às atividades vinculadas à exportação, às regiões mais interiores e atrasadas, de produção de bens de sustento das necessidades do conjunto da população.

Sim. Antes de ser alvo de críticas, é meu dever esclarecer que a dualidade apontada por Caio Prado era datada. Tratava de outro momento histórico, o que não impede que eu a generalize, por analogia com a situação vivida no interior de nosso país, por ocasião da chamada República dos Coronéis.

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Para isso, importa reconhecer que as relações mantidas por nossos principais líderes econômicos e políticos do período, em suas relações com o exterior,  poderiam ser classificadas como de caráter liberal, avançado (para a época). Mas para tal filosofia e comportamento liberais poderem se sustentar, era necessário assumir um caráter totalmente autoritário e excludente, nas relações entre fazendeiros/patrões e seus trabalhadores/empregados.

Em síntese: a dualidade se refletia na simbiose entre um comportamento liberal para fora, e autoritário para o interior.

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Como nos informam os livros de história, os grandes fazendeiros acumulavam o poder econômico com o poder político, mantendo o povo na condição de massa de manobra, de sustentação às condições de manutenção de poder, de gado, para usar uma expressão resgatada nos tempos atuais.

Tal situação se revela pelo uso de expressões como a que menciona ‘currais eleitorais’, a que se somam o ‘voto de cabresto’, e práticas que ilustram um sistema eleitoral viciado, como a do voto de marmita; da doação do pé de botina antes e de seu complemento depois; a proibição de voto às mulheres e aos analfabetos.

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Não é estranho que para a manutenção do emprego  e até da sobrevivência, os trabalhadores das fazendas, adotassem comportamentos e até modos de enxergar o mundo, determinados ou apresentados sob a ótica das elites.

O  que os transformava em grupos de valores conservadores.

Em complemento, não nos esqueçamos do papel da Igreja, tão ou mais conservadora, não apenas em relação aos costumes, mas a todas as dimensões da vida, também ela interessada na manutenção de seu poder secular.

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Vamos dar um salto, passando por cima do processo de urbanização e da formação do setor terciário brasileiro, a partir dos anos 30, abordado por Chico de Oliveira em obra também clássica, chamando a atenção para o crescimento desse setor, por força do inchaço do setor público.

A verdade é que o processo de urbanização se acelera a partir do processo de industrialização, a partir do governo Vargas nos anos 40, intensificando-se no período do Plano de Metas de JK, dos 50 anos em 5.

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Mas, então, a atração de trabalhadores das zonas rurais para os centros urbanos e a legislação trabalhista com que Getúlio busca promover a cooptação das classes trabalhadoras para servirem de base de apoio e sustento ao seu projeto político-pessoal, vão provocar poucas alterações no modo de inserção dos menos privilegiados nas discussões políticas.

Ao impor a sindicalização dos trabalhadores por setores de atividades, e atrelar os sindicatos e a forma de financiamento de suas atividades ao Caixa da União, via Imposto Sindical, o ditador gaúcho conseguiu atrelar os interesses dos trabalhadores aos do governo e dos patrões com ele associados.

Daí a pouca combatividade apresentada pelos sindicatos e confederações representativas dos interesses dos menos privilegiados, e o surgimento do movimento denominado peleguismo.

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Em seus primeiros anos, a década de 60 vai encontrar um país completamente urbanizado e cindido por fortes sinais de insatisfação que têm origem nos trabalhadores do campo, não beneficiários do movimento de industrialização experimentado nos anos anteriores.

A tal movimento, de reivindicação de condições mais favoráveis de vida, a começar pela demanda de expansão do acesso à propriedade da terra, e de condições que permitissem o aumento da produção dos pequenos agricultores, vai se juntar uma crescente insatisfação dos trabalhadores urbanos, beneficiados apenas residualmente dos avanços econômicos do país.

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A resposta a tais movimentos é conhecida: a invasão do breu da noite e da escuridão provocada pelo golpe militar e a instauração de um período de ditadura, de 21 anos de duração.

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Do ponto de vista político, além do afastamento de inimigos reais e imaginários, por força de atos de exceção, cassações, prisões, torturas e até ‘desaparecimentos’, visando divulgar no cenário internacional,  uma falsa aparência de liberdade democrática no país, o governo resolveu adotar um sistema de bipartidarismo.

Assim, embora sem independência e autonomia, o Congresso funcionava contando com a maioria de representantes do partido oficial do Governo, a Arena, e um partido de oposição consentida, o MDB, o que lhe dá origem ao apelido de época de Ditadura Envergonhada ao período.

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Esse quadro político partidário, no entanto, não vai alterar a situação que perdurava até o momento, onde os principais partidos existentes, PSD ou UDN, eram típicos representantes dos interesses do capital e dos empresários ou fazendeiros, de cunho conservador e grande infiltração no interior do país.

Distinguia os dois partidos, a posição mais de centro do PSD, que funcionou muitas vezes como um apêndice ou aliado privilegiado de Getúlio, em contraposição a uma posição mais à direita da UDN, de vigorosa oposição a Getúlio.

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Além desses, havia o PTB, partido criado para servir de base de sustentação a Getúlio, ou partido governista.

Quando da instauração do golpe militar, os interesses dos afiliados do PTB foram, junto aos interesses dos trabalhadores rurais, os principais derrotados.

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Com a ditadura, e a formação de novos partidos, os militares viram que não conseguiriam acomodar os interesses conflitantes de seus apoiadores no interior, permitindo a formação de legendas dentro de cada  uma das agremiações. Temos assim, a formação esdrúxula de quadros de Arena 1, Arena 2, bem como de grupos do MDB.

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Ora, apenas a partir do ressurgimento político, a partir de meados dos anos 70, e da retomada dos movimentos dos trabalhadores a partir da greve geral de 78, de que Lula foi uma liderança, é que podemos falar de resgate da participação popular na política. Ao menos, de forma ostensiva.

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Isso mostra que, a rigor, apenas dos anos 80/90 para cá, podemos estabelecer alguma análise que faça sentido, sobre a influência de movimentos de contestação ou da esquerda no país.

Sempre destacando se tratar de uma esquerda cuja representatividade se dá tão somente nos núcleos urbanos mais industrializados e onde as organizações sindicais têm alguma importância.

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No interior, em geral, e apenas para manter a tradição, não havia diferença entre um político vitorioso da Arena 1, ou 2, ou do próprio MDB, cujas divergências eram justificadas por questões ou desavenças familiares ou pessoais. Quadro que se repete com a substituição da Arena pelo PDS, e que vai se prolongar depois da autorização para a formação de novos partidos.

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O roteiro de nossa vida política é suficientemente conhecido, para repeti-lo.

De Tancredo e Sarney, ainda em regime consentido;  a Collor, sustentado por um partido nanico, com discurso de conteúdo fortemente conservador e liberal; até a chegada do PSDB ao poder, cada vez mais com um discurso de cunho neoliberal, até o PT de Lula e a descoberta de mensalões e Lava (e Vaza ) Jato, condenando o PT definitivamente à execração pública, o que se assiste no país é apenas ao movimento pendular, entre os representantes do conservadorismo de um lado e os representantes de um discurso mais ao centro, nada revolucionário ou mesmo reformador.

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Pode-se arriscar a dizer que, momentos como aqueles que permitiram a ascensão de Lula, em 2002, revelam apenas a sinalização de um “desgaste de materiais”, mais típico de um alerta de que é necessário promover alguma mudança que permita ao povo algum momento de afrouxamento da pressão sobre ele exercida.

Em minha opinião, isso se dá porque, no fundo, a questão central que rege a vida da população como um todo, é ditada por um mesmo interesse, de nítida inspiração liberal: o poder do grande capital e do capital financeiro, em particular, independente de sua nacionalidade.

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Afinal, não nos esqueçamos que Lula assinou uma carta de compromisso ao povo brasileiro, e que os primeiros anos de seu primeiro mandato poderiam ser classificados, adequadamente, como de estelionato eleitoral.

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Assim, depois de tudo relatado nesse extenso texto, adotar o comportamento dos analistas da mídia, para tentar imputar uma avassaladora derrota às esquerdas nessas eleições municipais de 2020, realizadas sob a égide de uma severa pandemia, é desprezar, no mínimo, a história.

Porque a esquerda como tal, nunca foi vitoriosa em nosso país.

Ao contrário, sempre foi derrotada, pelo conservadorismo cultivado há anos junto à população.

Sua vitória, se alguma, é continuar sobrevivendo, mesmo sem condições objetivas mínimas para implantar para a população seu projeto de sociedade. 

Ou então comemorar que a extrema direita, radical foi, essa sim, completamente aniquilada nas urnas.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Lugar de fala e a morte de Beto no Carrefour; a negação e a nulidade de Bolsonaro; Maradona: uma homenagem. Extensa e apaixonada, como o personagem

 Às vezes, certos termos e expressões surgem em nosso ambiente e passam a se incorporar ao nosso discurso do dia-a-dia, ganhando grande destaque.

Vários deles transformam-se em autênticos modismos, ganhando vida própria e passando a ser utilizados para expressar conceitos e ideias mais amplos que aqueles para que foram originalmente cunhados. Quando isso acontece, sua utilização acaba sendo identificada, muitas vezes,  a grupos considerados diferenciados, mais esclarecidos ou iluminados. Nesse caso, torna-se sinal da identificação de seu usuário. Diria até uma senha de pertencimento a certo grupo social de caráter cult.

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Em minha opinião, a ocorrência desse fenômeno de apropriação e ampliação do significado de um termo de origem restrita é sinal da perspicácia, até da “felicidade” do autor de seu emprego original.

Parece-me ser esse o caso da expressão “lugar de fala” que dá título a livro da filósofa Djamila Ribeiro.

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Outras expressões também transformadas em moda, especialmente em razão de sua disseminação pelas redes ditas antissociais nesse momento de profunda polarização em nossa sociedade são “cancelamento” e “lacração”: a primeira representando mais que uma discordância de caráter profundo com opinião ou comportamento manifestos por alguém, mas o próprio julgamento, condenação e justiçamento da pessoa cancelada.

E pior: o cancelamento representa a tentativa de ampliar a exposição da pessoa e suas ideias consideradas inoportunas, de forma a promover, como no passado, uma condenação em praça pública. Hoje, uma condenação ao desaparecimento, à invisibilidade e ao esquecimento eterno.

Situação de intolerância que eu considero dizer tanto sobre o autor do cancelamento, quanto do autor do comportamento abjetável, criticável.

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Não que qualquer um de nós tenha que conviver e estar sendo bombardeado com opiniões que são completamente antagônicas às nossas crenças, ideias, educação, formação, sentimentos e até visão de mundo.

Mas, nesse caso, sempre há como adotar o ensinamento antigo, que nos lembrava de que a existência de dois ouvidos (ou olhos) era para que as agressões ou bobagens entrassem por um deles e saíssem pelo outro.

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Também não vejo problema em afastarmo-nos daqueles com quem não temos afinidades e cujas opiniões apenas nos trariam desconforto, quando não discussão. Não fazer isso seria uma autosabotagem. Coisa de masoquista.

Sem procurar induzir a quem quer que seja a adotarem comportamento semelhante.

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Quanto à lacração, parece-me ser a expressão de aprovação e concordância com algum tipo de pensamento que tivemos a oportunidade de expor. Mais uma vez, sinal de identidade.

Ou sinal de uma vaidade vazia, já que restrita àqueles grupos a que pertencemos, justamente por pensarmos e nos expressarmos de forma semelhante.

Em resumo: a lacração expressa o fato de que fomos os pioneiros em emitir uma opinião que todos em nosso grupo compartilhavam.

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Mas, o pitaco de hoje não era para tratar de expressões tornadas modismos. E, como ensina o dicionário, efêmeras.

No fundo o pitaco hoje era para tratar do bárbaro assassinato, em loja do Carrefour de Porto Alegre, do Beto, o João Alberto Silveira Freitas. Homem negro. Sinal evidente do racismo estrutural de nós brasileiros, mesmo que tal comportamento seja insistentemente ignorado por Mourão e Bolsonaro.

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Porque a questão crucial aqui não é se Beto deu ou não motivo para que tentassem expulsá-lo da loja. Se ele adotou comportamento antissocial ou não. Se estava sendo inconveniente ou não. Se estava bêbado ou não. E ao que parece, e as imagens deixam perceber, Beto não cometeu nenhum ato condenável.

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Uma coisa é puxar pelo braço, falar grosso. Outra bem diferente é a união de dois homens, para covardemente se atracarem com um sozinho. E um deles, ficar desferindo murros e socos, que respingaram sangue pelo piso, enquanto o segundo valentão conseguia, pelas costas, desequilibrar o Beto e jogá-lo ao chão.

A essa altura, Beto já estava dominado. E apenas um desejo íntimo e mórbido de seviciar, de torturar, de superar a infelicidade de uma vida limitada e sem perspectivas, seria capaz de levar dois homens brancos, a assassinarem um negro.

Sim. Há que se desnudar a verdade evidente: fosse branco, Beto teria levado uns tabefes, talvez. Uns empurrões e teria saído vivo do supermercado, para ir comer o pudim de pão sossegado em sua casa.

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Alguns dias depois, postei no facebook, mensagem de pesar e revolta contra o assassinato cruel.

Na oportunidade disse que não tinha lugar de fala. Estava errado.

Tenho sim, lugar de fala, mesmo não sendo preto. Ou “moreninho”.

E o que me dá essa posição é o fato de ser humano. E de sentir e testemunhar toda a injustiça, praticada contra outros seres humanos, apenas por terem nascido com a pele de cor escura. Preta.

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É verdade que não sou eu que levo as bolachas e esculachos dos policiais como, por exemplo, quando  voltava do estádio em uma ocasião e, no ônibus, vários de nós atleticanos comemorávamos, cantávamos, xingávamos, nos divertíamos.

Incomodávamos outros passageiros? Certamente.

Mas, descemos no mesmo ponto, eu e vários rapazes e meninos vizinhos meus, do morro.  Por acaso todos negros. Pretos.

E foram eles que os policiais elegeram para serem as vítimas da ação de saltar da viatura e dar a prensa, com direito a mãos nas paredes, alguns tapões e revista.

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Aí é que está meu lugar de fala: na minha covardia. Total e absoluta. C O V A R D I A.

Estava escuro e, à noite, todos os gatos são de mesma tonalidade.

Recolhi-me a minha insignificância e passei pela agressão sem me manifestar. Engolindo meu silêncio e minha vergonha.

Se atitudes de outrem, até autoridades públicas, me fazem adotar comportamento tão deplorável, tão pequeno,  por causa do racismo, como não admitir que também eu fui afetado por essa praga?

Que me omiti, me cancelei naquela oportunidade; me calei e tive um comportamento de um “verme”? E tudo esse fato por culpa do racismo. Saí dali sem a dor física, dos tapões e achaques.

Mas e a dor moral? Não me assegura lugar de fala, mesmo que relativo?

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O presidente que não temos e não governa. O general que é vice de um nada e, assim, expressa sua insigne ficância (afinal ele é indemissível). Nega o racismo como a pandemia. Nega o fogo que lhe queima a pele e, quem sabe, a alma...

Esse general só mostra que a formação militar, o ensino nas academias também é mera falácia. Não existe. Como não existia e não existe em nosso país corrupção, rachadinhas, uso de verbas públicas em finalidade distinta da sua aprovação, e milhões e milhões de bombons da Kopenhagen, gerando a multiplicação de imóveis. Todos pagos à vista.

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Como não existem os Queiroz e Wassafs, nem os capitães Adriano e as milícias que sustentam o mito da paz nos morros e na periferia. A paz dos cemitérios onde jaz, sem qualquer responsabilização penal, o corpo da mulher negra, Marielle.

Também não existia luz no Amapá e nosso líder só apareceu depois de 22 dias, para dar vexames em passeio de automóvel em desrespeito às normas mais básicas de segurança no trânsito. Normas que, para ele não existem.

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O tal presidente não se manifestou sobre o depósito de 89 mil reais na conta de sua mulher. Não se pronunciou sobre a morte de Beto, não abordou a questão energética do Amapá e não cobrou do ministro da saúde, outro general de meia pataca em hombridade( e pataca e meia em subordinação) o porquê de milhões de testes, caros, estão apodrecendo em depósitos sob responsabilidade do governo federal.

Mas, tudo bem. Também o orçamento da saúde não foi gasto, em meio à pandemia. Ou foi gasto em proporção irrisória.

Afinal, era só uma gripezinha, em um país de maricas. E ladrões no comando do barco.

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Por fim, vamos falar de Maradona. O diez. O diós da Copa de 86. Ou não.

Como ele mesmo disse: Deus é apenas um. Ele era apenas um jogador.

O que foi genial com a bola nos pés, Maradona também foi como homem. Genial por se saber limitado. Com restrições. Com problemas e comportamentos condenáveis que ele nunca escondeu.

Maradona foi um personagem trágico de um tango. Se composto por ele ou não, não importa. Importa que a música que ele nos proporcionou e suas reviravoltas e os versos que elas inspiraram foram tão grandes quanto sua imagem.

Infinitas vezes maior que o Dieguito, o pequeno jogador que, um dia, como diz o canto religioso, segurou na mão de Deus. Ganhou altura e voou alto, para mandar a bola para as redes da Inglaterra. E restaurar todo o orgulho de um povo de hermanos.

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Sempre fui de gostar mais dos marginalizados. Não gostava dos mocinhos. Nas brincadeiras, optava por não ser o polícia. Respeitava os xerifes do velho oeste, mas torcia para os Billys e outros kids iguais.

Achava o Mickey chato, e muito certinho. Preferia o Pateta. Especialmente quando uma pancada o fez se transformar no temível Mancha Negra.

Torcia pelo gato Tom, nas escaramuças com o rato Jerry.

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Vi Garrincha ganhar uma Copa sozinho, em 1962. Vi Romário vencer uma Copa sozinho em 94, embora com o falso brilho de uma conquista nos pênaltis.

Mas vi Maradona jogar e ganhar, sozinho, a Copa de 1986.

E vi o gol mais belo de todas as Copas, mesmo respeitando a majestade de Pelé, com a bola nos pés.

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Maradona foi mais por ser mais humano. Mais imperfeito. Mais passional. E mostrar que todos nós, como ele, podemos nos destacar quando amamos o que fazemos. E nos divertimos quando trabalhando.

Vá descansar Diego, El Pibe.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Declarações risíveis se não trouxessem tanta destruição, e vergonha (alheia). E um temor: de que o liberalismo de Guedes é que leva o capitão a destruir o Estado

 A distância no tempo pode levar minha memória a me trair, por mais que eu sempre possa contar com sua companhia.

Parafraseando Arthur Azevedo em seu Plebiscito, a cena passa-se lá pelos idos de 1970, talvez 1972 e, sim: a família estava toda reunidade na sala, em torno do aparelho de televisão.

Era final de ano e assistíamos ao jornal, creio que da Bandeirantes, com apresentação de José Lino de Souza Barros.

Na ocasião havia algum tipo de conflito envolvendo as relações entre o Brasil e a China, dirigida pelo líder Mao Tsé Tung.

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Então, lá pelas tantas, José Lino leu a notícia curiosa: em razão das divergências, a Câmara de Vereadores de Nova Lima propôs, votou e aprovou um voto declarando o líder chinês “persona non grata”.

O que mereceu do Zé Lino um comentário singelo: “... e nessa noite Mao,  coitadinho, nem dormiu de tanta preocupação”.

A comicidade, o ridículo do episódio sempre me volta à lembrança, acompanhado do comentário entre espantado, divertido e irônico do apresentador.

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Mais uma vez, nesses tempos estranhos que temos vivenciado, a lembrança frequenta meus pensamentos.

Não. Ao contrário do que alguns leitores desse pitaco poderiam imaginar, não estou me referindo a qualquer comentário, ou atitude ou postura adotada pelo mito, cada vez mais descalço, mais pés no chão, que está à frente do governo desse país.

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Parênteses: em versão anterior, eu escrevi adotada pelo mito, etc. pés no chão, que é o dirigente desse país. Mas eu estaria criando uma “fake news”.

Porque Bolsonaro não governa. Não dirige. Não tem qualquer capacidade de comandar o que quer que seja, de liderar. De tomar decisões.

Muitos irão admitir que, provavelmente seu perfil fuja completamente ao de qualquer trabalhador. Bolsonaro não gosta de trabalhar.

O que faz, é tão somente ocupar espaço. Ocupar lugar, ali, à frente do governo.

Como um inútil. Um estorvo, embora sempre preocupado em reafirmar sua autoridade e exigir o cumprimento de suas determinações.

Não sou psicólogo, nem psicanalista, mas creio que Freud explica essa necessidade de autoafirmação.

Mas, voltemos ao tema do pitaco.

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A lembrança do episódio que abre esse pitaco diz respeito ao abilolado candidato a prefeito da Capital mineira, Bruno Engler.

E aqui, maldosamente, sugiro aos amigos leitores que procurem expandir seu conhecimento, recorrendo ao dicionário (do Google) para verificar o significado da palavra abilolado. Ali, talvez, alguém consiga encaixar o nosso deputado do PRTB em qualquer dos dois significados mais comuns, em especial o segundo.

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Pois não é que o tal político, revelando todo o ímpeto da esperança e renovação que constitui a essência da juventude, fez questão de vir a público, para afirmar que, como seu herói e ídolo maior, Bolsonaro, também não reconhece o resultado das urnas e a vitória de Joe Biden, nos Estados Unidos?

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Com declaração tão firme, sou tentado a pensar que Biden, coitadinho, deve estar sem conseguir pregar os olhos, deverasmente incomodado.

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A essa altura, classificar o candidato a prefeito como alguém excêntrico, para não gastar muita munição com quem não merece mais que risos ou pesar, é uma solução elegante que vou adotar.

Mas, é obrigação lembrar que o deputado estadual já deixou claro que aprova todas as medidas do obscuro objeto de seu desejo. Tanto em termos de decisões em relação à armas, quanto ao tratamento dispensado ao problema ambiental no país, e até à irresponsabilidade do presidente em relação ao combate à pandemia.

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Logo, não causa estranheza que o discípulo de Bolsonaro também aplauda o comportamento de seu mentor espiritual, que se recusa a cumprimentar o presidente eleito dos Estados Unidos pela conquista eleitoral.

Claro, há sempre a desculpa de que a prudência recomenda cautela  no envio de mensagem de cumprimentos, ao menos enquanto ações judiciais forem possíveis, e o ridículo, alaranjado, autoritário e derrotado Trump continuar usando e abusando do famoso Jus Sperniandi.

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Ao que parece, por seu perfil ególatra, individualista e arrogante, Trump se comporta e age como a criança que é muito rica, mimada e cheia de vontades. E que, por todo seu entorno, julga-se superior à própria realidade e às limitações que o ambiente sufocante em que exerce seu poder e se diverte com seus brinquedinhos lhe impõe.

Como tais indivíduos, a realidade pouco importa e seu ego lhe permitirá ser afastado, agora para a Flórida, para ficar em seu mundo mental, completamente estragado.

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Mas, assim como outros democratas e constitucionalistas, como alguns americanos e o próprio Bolsonaro, também eu sou favorável a que qualquer cidadão só seja considerado derrotado ou culpado, esgotadas todas as suas opções de recursos.

Também eu acho que até sentença transitada em julgado, não se pode condenar, nem querer limitar a liberdade de quem quer que seja: inimigo político, presidente estrangeiro amigo, ou até filhos...

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Constato, então, a formação de uma cadeia alimentar, de egos. Ou uma quadrilha, nos moldes da metrificada por Drummond, o Carlos: Engler que amava Bolsonaro, que amava Trump, que amava sua imagem, que não amava ninguém, desbotada e desgastada que se mostrava.

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Mas é curioso que, da mesma forma que Trump adotou sempre uma postura que os analistas políticos insistem em classificar como populista, também Bolsonaro faz questão de mostrar tal comportamento.

Afinal, entre as características definidoras do populismo e de seu agente, encontra-se a ideia germinal de que a sociedade pode ser dividida e se divide em duas categorias de pessoas. O povo, explorado, ingênuo, investido das melhores intenções e comportamentos, e o resto, definido por uma elite exploradora e corrupta.

Curioso é que esse povo, desorganizado, necessita ser dirigido por alguém capaz de representá-lo, expressar suas necessidades e os valores (conservadores) que ele cultiva. Esse povo carece de alguém que, mesmo saído da elite, seja suficientemente oportunista para se passar pela representação da vontade coletiva, amorfa.

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Assim, Trump, como Bolsonaro se proclama e age como expressão da unidade do povo, contra os exploradores, os outros, com valores e comportamento ético podres.

Outros pontos em comum são a visão nacionalista, traços autoritários, agirem como pessoas que estão sempre em guerra e procurando manter um estado constante de beligerância, de forma a  justificar a importância de sua presença vigilante. Logo, devem estar em campanha

Outras características que costumam cultivar incluem: um conteúdo repleto de negativos: antipolítica, anti-intelectualismo, anti-elite, o que lhes exige a adoção de um discurso versátil e a preferência pela democracia direta.

Utilizarem expressões grosseiras, mal-educadas, brincadeiras de mau gosto, comentários impróprios ou inadequados, postura agressiva, comportamentos misóginos, intolerantes e uma autoavaliação elogiosa são também elementos comuns entre essas tristes figuras de homens públicos, como tive a oportunidade de aprender, pesquisando mais sobre o que é o POPULISMO.

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E minha pesquisa sobre o tema serve, ao menos, para que eu possa entender a postura negacionista de Bolsonaro, em relação à questão das queimadas na Amazônia e no Pantanal; a sua reação contrária aos procedimentos recomendados pelos médicos, em relação ao controle da pandemia; suas frases sempre estúpidas, como a de que é apenas uma gripezinha, ou que quem usa máscara é covarde, ou então que precisamos parar de falar da pandemia, já que essa é uma preocupação de maricas.

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Nesse particular, é necessário reconhecer que Bolsonaro ontem se esmerou.

Comemorou que os testes com a vacina de combate e eliminação do vírus não poderia ter sequência, ao menos aquela vacina que tem um dos maiores laboratórios do mundo como um de seus patrocinadores. Comemorou e se manifestou a favor de longa vida ao vírus, sem se incomodar com a morte de importante parcela da população brasileira, aquela que ele pretende defender e representar.

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Não satisfeito, chamou a todos nós brasileiros, temerosos dos efeitos do contágio e da doença, de maricas, igualando-nos aos maranhenses que tomam o guaraná Jesus.

Por fim, mesmo que não tenha reconhecido o presidente Biden, o ameaçou com a pólvora que, se não estiver molhada, já velha e gasta, poderá ser usada como arma de defesa de nossa pátria amada, contra pretensos ataques atômicos que o pobre presidente americano tem a seu favor.

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Seria ridículo, não fosse curioso, assistir  Bolsonaro aliando-se a Maduro em uma guerra contra os ianques.

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Termino esse pitaco com uma reflexão séria e uma preocupação: cada vez mais, creio que quem comanda nosso país não é Bolsonaro.

É o infeliz Guedes, o sinistro da Economia. Ele, como representante dos interesses de seus amigos e associados, magnatas do capital financeiro, nacional ou internacional.

Ele que, por sua vocação liberal, veio para destruir o Estado brasileiro. Desconstruir nossas instituições.

Ele que manda e Bolsonaro obedece. E causa estrago cada vez que se manifesta. E deixa um rastro de destruição como consequência de todas as suas ações.

 

 

 

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Pitacos vários de eleições, aqui e lá nos States; e o abuso - múltiplo - de que foi vítima Mariana Ferrer

Tempos difíceis esses dias do mês de outubro, em que comemoramos uma marca importante no nosso pitaco. 
Tempos de pandemia. Tempos de convívio com médicos e hospitais. Tempo de aplicações de provas e correções. Tempos de demandas, várias e cada vez mais inusitadas, da Faculdade.
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Felizmente, a Covid-19 que levou minha tia ao Hospital, com diagnóstico de uma pneumonia foi controlada, e minha tia, já retornou - vitoriosa, para casa.
Cabem aqui, no entanto, algumas palavras de agradecimento ao carinho e cuidados que lhe foram dedicados, a todo tempo, pela equipe de médicos (Dr. Maurício, em especial), enfermeiros e técnicos de enfermagem, enfim, a todo pessoal do Hospital da Unimed.
A eles, e apesar de todo o tumulto provocado pela insistência da doença em continuar se espalhando pela cidade, nosso muito obrigado. 

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Mas, além de trabalhos escolares, cujas demandas como já citado, tornam-se cada vez mais intensas e exigentes, a segunda metade do mês de outubro, caracterizou-se também pela intensificação da campanha eleitoral para a escolha de Prefeitos e Vereadores, cujo primeiro turno já se realiza no próximo fim de semana, no próximo domingo, dia 15 de novembro.
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Certamente as eleições e algum comentário sobre os candidatos, suas posturas ou promessas, e até algum comentário sobre a qualidade de seus programas de propaganda, seriam feitos nesses pitacos. 
Mas, enquanto não chega o momento decisivo de depositar o voto na urna, ainda é possível fazer alguma observação, primeiro sobre os candidatos. 
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E, de longe, já dá para perceber a possibilidade, muito viável, de Kalil liquidar a fatura já no primeiro turno. 
E tal sensação, que se confirma com as pesquisas eleitorais que lhe atribuem folgada liderança, deve-se muito a sua atuação firme e decidida no enfrentamento da pandemia que alterou de vez esse nosso ano de 2020.
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Com o apoio de seu secretário de Saúde, o dermatologista Jackson Machado Pinto, cercado de colegas infectologistas e de outras especialidades, foi montado uma espécie de gabinete de crise que, imediatamente, e contra fortes interesses econômicos, decidiu pelo fechamento de parte importante do comércio, das atividades desenvolvidas em todos os setores da cidade. 
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O êxito da iniciativa pode ser visto pela capacidade da capital mineira em "empurrar para a frente" o momento de elevação da curva de contágios, dando tempo para que novos leitos de UTI fossem criados e os já existentes melhor geridos. 
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Isso não significa que o prefeito não cometeu, em minha opinião, algum tipo de arbitrariedade, ele que é um tipo autoritário, boquirroto e tão pouco afeito às regras de maior urbanidade e educação, com postura bastante semelhante àquelas adotadas por Bolsonaro.
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Exemplo de postura desnecessária foi o clima de conflito criado entre ele e a equipe de saúde do governo do Estado, que considero bastante desagradável, por mais que ele tivesse a razão em criticar a inércia do governo de início negacionista de Zema. 
Em um momento em que todo o pessoal da saúde do país criticava a postura adotada por Bolsonaro, cuja atuação era marcada pela falta da liderança e coordenação tão necessárias, em um processo de combate, rápido e efetivo à chegada e dispersão do vírus, Kalil adotava um comportamento belicoso, também pouco preocupado em criar ações integradas. 
Acho que em um momento como esse, em que o objetivo maior deveria ser sempre o de se evitar um número elevado de infectados e de óbitos, todas as autoridades deveriam adotar um discurso único, que se tornasse, de fato, um guia tranquilizador para a população. 
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Outro exemplo, fruto sempre do perfil do prefeito de promover estardalhaço, de agir de forma mais autoritária, como a querer mostrar quem é a autoridade, e mostrar isso sem qualquer preocupação com a adoção de um comportamento mais civilizado, mais diplomático, foi o fechamento das fronteiras da cidade a veículos vindos de municípios vizinhos, todos integrantes da região metropolitana de que Belo Horizonte.
Aqui mais uma vez, a questão da coordenação e da cooperação foram desprezados, em minha opinião, pelo prefeito da cidade que é o polo de liderança, planejamento e coordenação daquilo que se convencionou a chamar de Região Metropolitana de Belo Horizonte. 
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Claro, estando no centro da citada região, e como principal ator, talvez um trabalho comum, por meio de reuniões e com a participação e ideias de prefeitos dos municípios limítrofes, poderia ampliar a área geográfica e os resultados positivos que o prefeito comemora limitados à capital. 
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O problema aí, em meu entendimento, estava vinculado às eleições, e à disputa entre os prefeitos para poderem se mostrar como INDIVIDUALMENTE mais eficientes. 
A adoção de tal postura ajudaria, claro, a não diluir o êxito obtido, que poderia levar a tal sucesso ter de ser rateado entre mais prefeitos, também candidatos, ainda que em seus municípios. 
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Dos outros candidatos, apenas fazer referência a um candidato, ainda jovem, recém iniciado na política, com um discurso que privilegia uma agenda dominada por temas da pauta de costumes, em minha visão, ultrapassada: Bruno Engler.
Influenciado, talvez, pelo êxito da campanha de Jair Bolsonaro e seu ideário de ultradireita, pauta de costumes, discurso nacionalista, militarista, armamentista e autoritário, muito avesso à democracia, à criação de igualdade de oportunidades, e respeito às divergências, Engler declarou sua concordância e seu desejo integral de reproduzir, em escala limitada, o comportamento de seu ídolo.
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O problema é que Engler não percebe, em minha opinião, que gostemos ou não, Bolsonaro tem carisma. Porque, não sei, mas é inegável que tem. 
E Bolsonaro foi eleito em 2018, auge dos movimentos de insatisfação com o fracasso - relativo - de governos de centro-esquerda. E que o ex-capitão, já deixou muito claras as mentiras de seu discurso, anticorrupção, antipolítica e políticos, em defesa de interesses escusos, que compreendem desde as milícias até o enriquecimento ilícito dos filhos, em especial, e demais familiares. 
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Além disso, da mesma forma que há dois anos atrás o fracasso das políticas distributivistas e de redução das desigualdades dava material para um discurso antiesquerdista, tão rapidamente e com a mesma intensidade, a passagem desse biênio, trouxe e promoveu a sensação de cansaço, de falta de efetividade, de inação, muito em razão da inépcia e da inapetência para lidar com os problemas do dia a dia de governar, do líder máximo dessa vertente, hoje. 
Do ocupante do Executivo nacional, apenas a pauta de costumes, continua tendo algum tipo de apelo, graças a todos os líderes religiosos que o apoiam, com destaque para a sinistra Damares.
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Daí porque, em minha avaliação, as pesquisas conseguem atribuir a Engler mais que mero traço, melhor forma de avaliação de um discurso tão frágil, e vazio. 
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Outros candidatos, com menor ostensividade, falham também na avaliação e na leitura do governo Bolsonaro, tentando, com sucesso nenhum, se mostrarem candidatos afinados com o ex-capitão. 
Seu fracasso será ainda maior que o de Engler.
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Quanto a Nilmário, e apesar de todo o respeito que o ex-ministro me merece, sua candidatura revela apenas que o PT envelheceu. E que deverá passar por um processo de renovação, se não quiser, tal qual o seu irmão siamês, o PSDB, virar apenas um retrato na parede. 
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Em minha opinião, sobra como novidade e tentativa de arejar a forma de fazer política na nossa capital, a candidatura da combativa, reconhecida e homenageada ex-vereadora, deputada federal, Áurea Carolina. 
O que mostra que se há algo novo em termos de concepção e da prática política, esses novos ares, são consequência de um partido como o PSOL, em que se destacam jovens lideranças, como Boulos, em São Paulo; Freixo, no Rio; Áurea aqui em nossa capital, e deputada federal Sâmia Bomfim e Ivan Valente, além da ex-prefeita Erundina. 
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Kalil ganhou projeção por conta da atuação séria na pandemia, mas antes já havia falhado no tratamento das ocupações urbanas, no tratamento das necessidades e demandas das populações mais carentes, na forma de lidar com o problema contumaz das chuvas e inundações, do tratamento dispensado ao transporte público, sempre caro e de má qualidade, na forma de tratamento dado à "caixa preta" da BHTrans e dos empresários do transporte urbano,  para não falar de seu apreço por obras de recuperação de vias naqueles bairros da região Centro-Sul.
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Enfim, dia 15 vem aí, e com ele a responsabilidade pelo que desejamos para nossa cidade, por um prazo de mais quatro anos.
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Enquanto aqui se aproximam as eleições, nos Estados Unidos a escolha clara da população foi a favor de uma mudança. 
Não de filosofia, posturas, compromissos, relações geopolíticas ou de comércio. 
Mudança não no sentido de permitir aos Estados Unidos deixarem de lado a concepção de serem os gendarmes do mundo.
Os Estados Unidos não irão abandonar o papel de pretensa liderança a que todos os aliados devem se curvar, em prol e benefício de construção de uma sociedade livre. 
Afinal, com Trump ou Biden, o poder industrial bélico, o poder do capital financeiro e dos magnatas das finanças internacionais, o poder dos militares e falcões do Pentágono, não muda de mãos. 
Logo, não mudam de mãos a essência e o fundamento do poder americanos.
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Biden, por sua postura mais recente, será mais diplomático. Fará mais discursos pelo fortalecimento de relações e organizações e organismos multilaterais. 
Deverá adotar uma postura mais aberta para a discussão das questões relativas à sustentabilidade, à preservação do meio ambiente, aos mecanismos de controle de emissões de poluentes. 
Talvez, vá aproveitar a onda e surfar na tentativa de adoção de medidas de maior integração racial na sociedade americana, ele que tem ligações históricas e reconhecidas com os movimentos negros desde o início de sua trajetória política. 
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De quebra, tem ainda uma vice, mulher, preta, filha de imigrantes, o que reúne em uma mesma pessoa, não apenas, qualidade, conhecimento, experiência, capacidade de ação, mas também toda uma pauta de mudanças e respeito às minorias. 
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O problema maior em relação a Biden é, mais uma vez, o vexame de Bolsonaro, capaz de, por pirraça ou apenas um discurso vazio (nele), ideológico, acabar não reconhecendo o presidente eleito, mesmo depois que seu "patrão" Trump, o faça.
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Um último comentário: sobre o julgamento e a execração pública a que foi submetida Mariana Ferrer, por representantes de uma justiça cada vez mais indigna do nome. 
A humilhação a que Mari foi exposta, apenas por ser mulher, ou então, pior ainda, porque seu estuprador é considerado um homem rico, bonito, bem nascido, empresário, bem relacionado, etc. mostra apenas a podridão que ainda domina certos tipos de pessoas, pensamentos, ambientes, e parcelas de nossa sociedade. 
Como disse um amigo, o que pudemos assistir da gravação do linchamento moral a que a vítima do crime sexual foi submetida, tornando-se, mais uma vez, vítima;  o desdém com que seus direitos foram desrespeitados, por aqueles que se julgam seres melhores, dotados de um comportamento eticamente e moralmente superior ao dos demais mortais, dá vergonha a todos nós, brasileiros, de sermos homens. 
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O machismo nos envergonha.
Porque macho não pode ser aquele que se aproveita da situação de indefesa dos que lhe cercam. 
Esse não é o macho. 
É apenas o covarde. 

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Dez anos de blog, comemoramos o buraco negro do Nobel da Física e da política nacional

 Roger Penrose, Reinhard Genzel, Andrea Ghez foram anunciados, essa semana, como os vencedores do Prêmio Nobel de Física, pela Academia Real de Ciências da Suécia, como reconhecimento por seus trabalhos e descobertas sobre os buracos negros.

O fato de uma mulher estar entre os premiados já é, por si só, motivo de uma menção nesse pitaco. Afinal, a americana Andrea é apenas a quarta mulher a obter tal reconhecimento, em área considerada, erroneamente, masculina.

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Em razão da complexidade, do desconhecimento, e até algum temor infundado que cercam esses fenômenos, o prêmio teve o mérito de aguçar minha curiosidade, induzindo-me a ir procurar socorro no mestre Google que me apresentou, entre outros, o endereço do site Gizmodo Brasil, hospedado no portal Uol.

Foi lá que tomei ciência de que os buracos negros são produto de uma evolução estelar, ou “o resultado da morte de uma estrela supermassiva”.  

Explicando melhor, é como se uma estrela de dimensão e massa muito maior que o Sol, fosse o local onde se travasse uma batalha: de um lado, forças centrífugas, resultantes de fusões nucleares no interior do astro; de outro lado, uma força da gravidade descomunal, sugando tudo para seu interior.

Ao longo do tempo, o combustível que alimenta as forças direcionadas para fora começam a se esgotar, restando vitoriosa e única a força da gravidade, capaz de fazer a estrela entrar em um processo análogo à autofagia, e começar a contrair-se toda, até entrar em colapso.

Nesse instante transforma-se em um buraco negro, fenômeno que exige massa muito maior que a do Sol e que conta com campo gravitacional de intensa força.

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Duas observações merecem ser feitas: embora a massa seja um fator importante, cientistas afirmam que o que fator definidor do buraco negro é a sua densidade.

Para ilustrar, para se transformar em buraco negro, a terra toda teria que se contrair até virar uma uva.

Segunda observação: é tamanha a força do campo gravitacional criado que tudo é engolida pelo buraco, dele não conseguindo escapar nem a luz, cuja massa tem valor quase nulo, de onde vem seu nome de buraco negro.

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No entanto, para não alimentar temores infundados, é o equilíbrio de forças inicial que mantém, por exemplo, os planetas em suas órbitas em torno do Sol, provendo a estabilidade de nosso sistema.

E, segundo cientistas, se fosse possível que um buraco negro substituísse o Sol, na hipótese de ter a mesma massa que ele, a situação de estabilidade não seria necessariamente alterada. Essa estabilidade guarda relação com a distância, o que leva os objetos na Terra, por exemplo, mesmo com massa menor que a do Sol, a sentir mais a gravidade de nosso planeta que a daquela estrela.

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Por mais interessante que seja conhecer um pouco mais do fenômeno do buraco negro, alguns dos leitores desses pitacos poderiam perguntar a razão de uma postagem como essa.

Começo respondendo que é para marcar a passagem, nesse 7 de outubro, dos 10 anos do blog Também quero dar pitaco.

Tempo em que 127 amigos, e alguns poucos curiosos, se inscreveram e passaram a nos seguir. Período em que 1728 pitacos foram publicados, tratando de assuntos vários, desde assuntos econômicos, a temas políticos e esportivos, até assuntos diversos que marcaram nossa sociedade e nossa vida.

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Aos amigos leitores, devo expressar minha gratidão, para com sua paciência, sua confiança e, em especial, sua coragem.

Mas devo confessar que, se houve algum ganho real que pude experimentar, tal benefício foi o de me obrigar a ir pesquisar sobre os temas que desejava tratar. Nesse sentido, a importância maior do blog foi me proporcionar os motivos para alimentar minha curiosidade e meu conhecimento.

Como dizem e acredito que vivemos enquanto aprendemos, devo admitir que o que o blog me proporcionou foi aprendizado. E vida.

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Mas, feito esse auto de fé, voltemos ao tema do blog de hoje, usando o paralelismo com a história do buraco negro.

Afinal, no último 5 de outubro comemoraram-se os 32 anos de nossa Constituição cidadã. Que como cidadão de submundo periférico da América do Sul, não teve ainda reconhecidos todos os seus direitos. Daí alguns artigos não terem sido regulamentados até essa data (o Artigo 192, que trata do Sistema Financeiro sendo um deles; bem como outros que tratam da taxação de grandes fortunas, no sistema tributário) e outros já terem sido alterados, revogados, cancelados, ao menos pela sociedade, como o debate da prisão em segunda instância.

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Tudo bem, sabe-se que a sociedade humana muda e que a Lei Maior não pode impedir sua evolução. Sabemos que estamos atravessando um momento de mudança, conservador que seja, mas de alterações.

Mas nossa democracia, tenra, tênue, vinha se mantendo viva, dinâmica, efervescente nesses 30 e poucos anos, como uma estrela supermassiva em ebulição, em movimentos de fusões, rupturas, erros e acertos, sempre mantendo o equilíbrio.

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OK, você venceu: equilíbrio entre os mais ricos e poderosos. Equilíbrio e estabilidade no grau de exploração de outras parcelas de classes ou categorias sociais. E total desequilbirio, mesmo estável, em relação a camadas consideradas então invisíveis, tamanha a importância que lhes era atribuída (ao menos até a pandemia).

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Mas nossa democracia, essa superestrela, libertária, pujante, rica tanto em termos de sua potencialidade material, quanto de seus valores, sua riqueza cultural, de repente passou a ser objeto de questionamento.

A um só tempo não querendo assumir os deveres, encargos e responsabilidade de construir uma nação justa, digna, o tempo inteiro sob a vigilância e controle da sociedade civil, muitos cidadãos cobravam soluções para problemas, melhorias nas condições de vida, que delegavam a algum ser supremo, heroi da população.

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Acho aí o primeiro erro, que se eterniza. Ao longo de 30 anos, a população escolheu a figura de herois populares para decidir os rumos de sua vida. Abrindo mão e transferindo para os “salvadores da pátria” as decisões que deveriam ser menos comodamente realizadas.

Entendo que é mais cômodo e menos trabalhoso deixar que outros tomem as decisões sobre nossas vidas. Afinal, se as coisas não derem certo, sempre teremos a quem culpar.  Entendo que assumirmos as rédeas de nossa vida e nosso destino, impõe a todos nós, um sacrifício de entrega, muitas vezes, sem benefício direto e individual para nós mesmos.

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Entregue as decisões que nos afetavam coletivamente às mãos de poucos “abnegados”, que além de tudo não tinham que prestar contas a nenhuma instância de maior participação popular, não é de admirar que os governantes de ocasião se sentissem no direito de se retribuírem – se locupletarem – pelo trabalho de abnegação e sacrifício, em prol de  uma sociedade distraída.

Às muitas migalhas distribuídas, corresponderam com corrupção. Essa, quando descoberta, gerou no grupo dos acomodados, uma reação sem precedentes. Como se também eles não fossem culpados, por omissão.

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Ao fim e ao cabo, a corrupção sugou nossas forças e nos sugou junto para a ideia de um governo conservador (como pareciam ser, antigamente, os governos autoritários!).

Não todos, claro. Afinal, ainda temos perto de 70% que tentam reagir à atração da força gravitacional da acomodação e passividade.

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Aí chegamos ao buraco negro, representado por forças que já existiam no interior de nossa democracia, mas que se alimentando de um discurso de responsabilização dos outros e de propagação do ódio, foi elevado à condição de, mais uma vez, Salvador da Pátria verde amarela. Um mito.

Que como qualquer força pré-existente, só pode crescer nas mesmas atividades escusas e, muitas vezes com fortes traços de ilicitude. Quando não indícios de vinculações espúrias com aqueles que, armados, apresentam-se como “cavaleiros da força”, mesmo que do lado Darth Vader da força.

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Bolsonaro, fortalecido economicamente nas sombras e nas entrelinhas das ações políticas, fortalecido pelo seu oportunismo político, por sua esperteza que lhe permite governar, pelo desgoverno é nosso buraco negro.

Como afirmou Marcelo Freixo, Bolsonaro é o serial killer de nossa Constituição. Ele suga para a escuridão e as trevas qualquer resquício de avanço ou mesmo a mera manutenção de valores democráticos.

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Não há como se iludir com seus gestos de maior cordialidade, recentes.

Ele é a ilusão do buraco que não ameaça e que atrai, por não parecer estar onde se localiza.

Mas, não por sua pessoa, ainda que negativa e negacionista. Mas por sua prática, de governar sem governar, de fazer e desfazer e afirmar e negar, com a mesma falta de comprometimento com a verdade ou a realidade, ou a ciência. Ou com o povo.

Buraco negro, consegue corroer por dentro as instituições. Consegue promover a desconstrução por simples nomeação para postos chaves de seu desgoverno, pessoas contrárias e com práticas antagônicas ao que lhes era atribuído.

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E enquanto adota o comportamento do político populista, abre a porteira e deixa passar a boiada.

Cercando-se sempre dos piores auxiliares, em sua grande maioria, com um vício de origem, a julgar pelas qualificações que apresentam à sociedade sempre em currículos fajutos, ampliados por fake courses.

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Quando o auxiliar parece destacar-se, por algum equilíbrio, o presidente o queima e o transforma em fuligem. Essa fuligem a que o presidente transfere a responsabilidade para sair de mãos abanando, limpas, lavadas.

Enquanto isso, a fuligem fica suspensa no ar interior escuro do buraco cósmico.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Outubro quente, no clima, na temperatura e no debate político. De quebra, link da gravação de um debate sobre Programas de Benefícios Sociais

 Outubro se inicia prometendo... Quente. Tanto em termos climáticos, quanto do fogo que continua ardendo, não apenas no Pantanal. Para uniformizar os problemas, as preocupações, a fuligem e a poluição, ardem as matas no interior de São Paulo e no interior de Minas. 

O incêndio se alastra enfolfando o Parque da Serra do Cipó, parte da Serra do Curral, do Rola Moça, na maior parte das vezes, por culpa do homem. Que intencionalmente ateia fogo para abrir espaços para pastagens e/ou plantio de soja, por exemplo, ou de forma não intencional, mas descuidada, age sem avaliar os resultados previsíveis de seus atos e comportamentos. Isso quando seu comportamento não revela apenas a falta de  educação, quando atira um palito de fósforo ou um resto de cigarro em rodovias, dando origem a um desastre a que o clima seco serve de combustível natural. 

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Em meio à observação de tanto desastre que ameaça as matas ciliares, as nascentes, a preservação dos nossos cursos d'água para não falar da poluição e fuligem levadas pelo vento, que ameaça, nos centros urbanos, a saúde da população sujeita a respirar um ar de qualidade cada vez pior - confesso que, embora tardiamente, até hoje não consegui entender uma passagem do discurso de Bolsonaro, na ONU. 

Ali, discursando em defesa do comportamento de seu (des)governo em relação à preservação do meio ambiente, da floresta amazônica, de nossos mananciais, da biodiversidade, o presidente afirmou que nossa floresta é úmida e, por isso, não queima. 

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Ora, agindo talvez como o personagem de Elio Gaspari, Eremildo, o Idiota, ou quem sabe como a saudosa Velhinha de Taubaté, do grande Luiz Fernando Veríssimo, tendo a concordar com o presidente. Não é possível pegar fogo onde há tanta água, tanta umidade, o que indica que o presidente deve estar certo. 

No entanto, tal raciocínio nos faz defrontar com um problema de lógica, obviamente não considerado por esse gênio da raça que nos governa e sua vasta cultura e conhecimento: se a floresta é úmida e não queima, como é que no lado oriental, ali onde os ribeirinhos, caboclos e os índios - especialmente esses últimos- plantam e vivem desde antes da chegada do europeu a nosso país, o fogo se alastra? 

E, seguindo a linha de pensamento que atribui ao comportamento tradicional desses "selvagens" -  que desconhecem as mais avançadas técnicas de cultivo -,  a responsabilidade pelo fogo, como explicar que esse entorno ocidental da floresta ainda não foi extinto, mantendo-se preservado? 

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Tanto no risível discurso na ONU, quanto em outras várias oportunidades que se apresentam, é de uma  bizarrice atroz os argumentos que esse desgoverno insiste em apresentar para rebater aquilo que considera "acusações mentirosas, levianas, falaciosas" de que somos vítimas. 

Do alto de sua arrogância e incapacidade de pensar mais amplo, nossas autoridades insistem em manter um discurso hipócrita em defesa dos interesses nacionais, em defesa de nossa soberania, ameaçada pelo ataque cerrado desferido por outros povos e países cujo desejo inconfesso é o de se apossar da Amazônia e das riquezas de sua biodiversidade. 

Curioso é que, em todas as medidas que adota em relação a nosso bioma e nossa riqueza, o que fica patente é a miopia dessas nossas autoridades, incapazes de verem oportunidades de geração de riqueza em outras atividades exceto exercidas com base nas práticas tradicionais da monocultura de lavouras comerciais de exportação, como a soja, ou nas atividades pecuárias, ou ainda, de mineração. 

Ou seja: esses que têm a responsabilidade de pensarem e proporem o desenvolvimento de atividades geradoras de riqueza de base tecnológica, mais limpas e menos predatórias, ligadas à indústria de fármacos, química, etc. apenas conseguem enxergar e propor a exploração de atividades vinculadas à exploração extensiva de nosso território. 

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Pior ainda. Muitas vezes, essas autoridades agem ou se manifestam movidos por rompantes cujo objetivo é aguçar os brios de uma população que se deixa manipular por valores tão abstratos e de tão pouca utilidade, tendo em vista a  melhoria das condições de sobrevivência digna da população brasileira. 

Valores como patriotismo, nacionalismo (em sua visão mais canhestra) são utilizados para encobrir a postura equivocada e omissa do governo que, dessa forma, sente-se apoiado para passar da defensiva ao ataque mais rasteiro aos que os criticam.

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Argumentam que os europeus, que hoje cobram comportamento responsável de nosso país, foram no passado autores de devastações e agressões ao meio ambiente muito mais prejudiciais. 

Como se os valores de defesa dos recursos de nosso planeta tivessem existido desde sempre, e não fosse, justamente a constatação da degradação provocada pela atividade humana,  que provocasse a necessidade de uma mudança. 

Mudança salutar, não há como negar. Mas cujo reconhecimento, embora tardio, deve ser comemorado como revelador da evolução positiva proporcionada pela experiência humana.  

Nesse sentido, a lógica implícita no discurso de que ao nosso país deveria ser tolerada a exploração irracional e predatória do nosso território, apenas porque outros assim se comportaram no passado, é tosca e suicida para dizer o mínimo. Ambienticida. 

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Além de ilógico, o argumento ainda contém inverdades. Afinal, afirmar que somos o povo que mais preservou suas florestas, alegando que os europeus destruíram a cobertura vegetal de seus territórios não é apenas mostrar um desconhecimento da própria história econômica da humanidade e da evolução de nossa civilização. 

Significa não assumir que nosso descaso com a questão da ecologia foi, e continua sendo, um dos fatores que explicam o desmatamento da Mata Atlântica, reduzida hoje, a uma ínfima proporção do que era anteriormente.

O que, em termos absolutos, pode significar uma área desmatada maior que alguns dos territórios dos países vítimas de nossos ataques. 

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O pior é que é essa riqueza ambiental que, mais uma vez, é vítima da porteira agora aberta, para dar passagem à  que interesses econômicos possam vir a explorar e eliminar o pouco que ainda resta de conservação de restingas, de mangues, tão indispensáveis à manutenção de toda espécie de vida.

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Mas, se causas naturais explicam o outubro quente, outros fatores contribuem para a elevação da temperatura. Especialmente no campo político. 

Exemplo disso, é a discussão entre os sinistros do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e o nosso Pinóquio-mor, o sinistro da Economia, Guedes. 

Uma breve listagem de atos, falas e promessas desse que foi escolhido como o Posto Ipiranga desde o início do governo é suficiente para justificar o apelido e revelar a adulteração que sofreu o combustível à venda neste Posto.

Afinal, foi Guedes quem prometeu privatizar todo o patrimônio público, para arrecadar até 1 trilhão de reais. Como foi dele a promessa de eliminar o gigantesco déficit público já no primeiro ano de sua gestão. Como foi ele que afirmou que, graças ao esforço de investimento privado, tanto nacional quanto aquele atraído do exterior, a economia brasileira iria  retomar o seu crescimento. 

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Sem competência para dar andamento às reformas que prometeu entregar ao governo, preferiu trocar o discurso econômico por ofensas a altas autoridades estrangeiras, fazendo coro no desequilíbrio e na grosseria, ao seu patrão, como forma de mostrar alinhamento, na falta de resultados. 

Preocupado em reduzir o principal gasto público, representado pelo gargalo da Previdência e do pagamento de pensões e aposentadorias, com potencial de colocar em risco até mesmo o limite do teto de gastos, dedicou-se, inutilmente, à aprovação da Reforma da Previdência. 

Seu destempero, a falta de jogo político, somados à arrogância o derrotaram. Não fosse seu Secretário da Previdência, justamente Rogério Marinho e a participação fundamental na figura de fiador de Rodrigo Maia, a reforma não teria sido aprovada. 

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Não querendo dar sinal de fraqueza, começou a difundir dados de uma falsa recuperação econômica, no final do ano de 2019, desmentida pela pandemia que nos atingiu a partir de fevereiro/março.  

Mas Pinóquio não se deu por vencido e, continuou colhendo derrotas como sua proposta de pagamento de um auxílio emergencial no valor de 200 reais, para amenizar o sofrimento e a própria sobrevivência de milhões de pessoas, consideradas antes invisíveis, excluídas do mercado de trabalho e de consumo.  

Em boa hora, mais uma vez, o Congresso não deixou que tal ideia tivesse curso, elevando para 500 reais o valor do benefício mensal a ser pago, mais tarde elevado para 600 reais para um Bolsonaro interessado em não parecer ter ficado a reboque. 

Nesse instante, Pinóquio prometia uma retomada em V, também inviável. 

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Tendo sido derrotado em tudo que tentou ou se propôs a fazer, e para não ficar no ostracismo absoluto, retomou as investidas que já havia protagonizado antes, contra seus colegas de equipe técnica e companheiros de Ministério. 

Sua atuação na reunião fundante do Brasil da Falácia, dia 22 de abril, mostra seu grau de desespero e, mais uma vez, falta de humildade, ao se referir à leitura, no original, do livro de Keynes. 

Livro que leu e não entendeu nada, mesmo depois de releituras que alega ter feito. 

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Mais recentemente, movido por sentimentos pouco nobres, voltou a mirar seu armamento contra Maia, que o derrotou uma vez mais no Fundeb e no adiamento da medida que eliminava a opção de desoneração da folha de pagamentos.

Quando viu a oportunidade de desenhar o programa salvador da popularidade de seu patrão, o renda cidadã, mostrou mais uma vez sua incapacidade, tendo sido atropelado pela área política, representada  por seu ex-secretário, Rogério Marinho, agora sinistro do Desenvolvimento Regional. 

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Para financiar o programa que se transformou na menina dos olhos da virada populista do governo Bolsonaro, nas reuniões internas da equipe,  sugeriu o uso de fontes que permitissem contornar o obstáculo do limite do teto fiscal de gastos, em verdadeira manobra de ilusionismo, digna de um (mau) prestidigitador. 

Descoberta sua ação, partiu para o ataque àqueles que aprovaram as fontes por ele sugeridas, preferindo lavar as mãos e eximir-se de qualquer responsabilidade quanto ao anúncio das fontes. 

Pois é. Este é o Pinóquio, capaz de grosseiramente partir para o ataque a colegas, apenas por terem destacado sua participação ou omissão, nas discussões no Palácio. 

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Com outubro tão quente, por seu lado, o presidente para efeito interno, apenas lava as mãos, mostrando maior preocupação com a saúde  de seu ídolo maior, Trump, alcançado pela gripezinha que já matou 145 mil brasileiros. 

Para o mal ou para o bem, parece que Trump se recupera bem, embora a passos lentos, tendo em vista não ter feito uso da medicação recomendada por Bolsonaro: a cloroquina. 

Menos mal. 

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Sobre o bolsa cidadã e os pontos fortes e fracos de programas de benefícios sociais, fomos convidados para participar de um debate no último sábado, na Rádio Itatiaia, programa Palavra Aberta. 

A seguir, apresento o link da gravação do programa, para aqueles que tiverem interesse: 

https://www.itatiaia.com.br/central-de-audio/13/palavra-aberta.

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É isso.  


quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Histórias que nossos pitacos não contavam ... uma farsa sobre os crimes do bem e crimes do mal

Dizem que o uso do cachimbo faz a boca torta.

O que significa que o hábito faz maravilhas, como vestimenta dos religiosos ou modos e costumes.

E que a sabedoria popular, mesmo não erudita ou formal,  consiste em importante ativo possuído por qualquer povo, de qualquer nacionalidade, em várias circunstâncias e ocasiões.

Nem sempre, entretanto.

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Para nossa reflexão, e a título de exemplo, analisemos a seguinte situação totalmente hipotética.

Vamos supor, que alguém, dotado de alguma pretensa liderança e nenhum tipo de pudor ou juízo, se lance candidato, como representante da categoria da qual é oriundo e com a qual se identifica.

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Para dar a esse indivíduo maior grau de complexidade, tornando-o menos superficial e mais próximo do que sabemos ser qualquer ser humano, com suas falhas, fraquezas, crenças, expectativas, desejos, ambições, sentimentos, digamos que desde sua juventude ele frequentou, estudou, conviveu, praticou esportes, se destacou e até se formou em instituições de formação e treinamento militar.

Para evitar que nosso personagem se assemelhe a mero invólucro, sem uma identidade, vamos atribuir-lhe um nome. Quem sabe JaiMe, para já ir nos acostumando...

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Em seguida,  vamos supor que, em defesa da melhoria de seu soldo, JaiMe se envolve em movimentos de reivindicação que, caso atendidos, resultem em melhora de remuneração de todos os seus colegas de armas.

Imaginemos que, desconhecendo qualquer limite de bom senso e disciplina, e incapaz de controlar seu gigantesco ego e de resistir a qualquer facho de luz, seja de uma lanterna, seja de qualquer holofote, JaiMe se envolva em tais movimentos obtendo algum destaque. Muito,  em razão de suas ideias sempre estapafúrdias, cômicas, risíveis ... insanas.

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Fruto de tal perfil e comportamento, vamos admitir que nosso personagem se exponha a ponto de acabar sendo punido por quebra de hierarquia, da disciplina, pelo desrespeito às normas que deveriam moldar seu comportamento.

Apenas como pano de fundo, vamos dizer que o país de nossa história acaba de sair de um duro regime ditatorial, contrário aos direitos e à dignidade humana, patrocinador de torturas e tolerante com um amplo esquema de corrupção, tudo sob o manto da defesa da decência e da moralidade. Sob a inocente desculpa da preocupação com a coisa pública: os guardiões da Re(s)-Pública.

Por trás de tantas e tais atrocidades, falsidades e falácias,  os militares. Responsáveis por 21 anos de domínio absoluto exercido por aqueles, constitucionalmente detentores do monopólio das armas: os militares.

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Então, tal qual o despertar de uma longa noite de pesadelos e apesar de todos os seus inúmeros defeitos - e por causa deles-,  a sociedade civil resolve se insurgir e retira dos autores do golpe autoritário, o apoio que um dia lhe assegurou.

Nesse momento, de volta aos quarteis para o cumprimento de sua nobre missão constitucional (a ver, qual, na realidade!!!), os militares sentem-se desprestigiados. Abandonados. Desrespeitados. 

Sem apoio, acusados e mal remunerados.

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Para redimi-los, em meio a uma campanha eleitoral, surge uma voz. A mesma voz capaz de ecoar e difundir um amontoado de inverdades, mentiras, disparates, falácias. Sempre uma voz dissonante.

Uma voz que, junto aos seus antigos companheiros de farda, soa agora como a voz de um injustiçado. Um perseguido. Um homem expulso da tropa, apenas por defender a honra (e a grana) do conjunto dos fardados.

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JaiMe se elege e, dado seu perfil, passa a conviver com os ratos que habitam os porões e a rede de esgotos onde vai se instalar e se manter pelos próximos e longos 30 anos.

Ali, usa e abusa do poder de manipular verbas públicas com a contratação de assessores e funcionários fantasmas, cuja remuneração sai do pagamento de impostos de toda a população tomando a direção final do caixa único, ou bolso único, de JaiMe.

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A tramoia é tão rentável que JaiMe lança toda sua família, seus filhos (mesmo incompetentes), suas ex-mulheres, seus parentes e amigos, no exercício da profissão mais antiga do mundo. (Não, não é a prostituição. Essa é a mais antiga das formas honestas de ganhar a sobrevivência).

Forma-se o clã político, dos Bestialli, sob o comando do capo JaiMe.

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Mas, não é apenas JaiMe. Todos os seus colegas do baixo clero da Câmara agem da mesma forma: contratam um número elevado de assessores pagando-lhes um rendimento muito acima daqueles recebidos pela ampla maioria da população trabalhadora do país. Em seguida, obrigam tais assessores a devolverem parcela da remuneração que lhes é devida.

Todos locupletam-se, se enriquecem e tornam regra o mau uso do dinheiro público.

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Talvez, diferente de seus colegas,  JaiMe não peça propinas para aprovar projetos. Afinal, ele nem tem, nem apresenta ou defende qualquer proposta de projeto de lei.  Por absoluta inapetência ou só mesmo falta de tempo.

Talvez ele nunca tenha sido indicado para participar de qualquer comissão importante, das que são formadas com a obrigação de discutir temas como a lei orçamentária. Com todos os benefícios das barganhas aí tratadas.

Talvez Jaime não tenha ganho 211 prêmios consecutivos em loterias oficiais, por um olhar benévolo a ele dirigido por Papai do Céu.

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Não tendo participado de desvio de recursos, roubos, cobrança e pagamento de propinas, ele está apenas fazendo o que é costume. O que todos fazem. O que explica porque a população não enxerga em seu comportamento qualquer crime.

Muito mais grave, por não ser prática unânime, é o fato de um político se beneficiar de propinas, presentes, agrados, pagos por quem, de forma explícita,  majora o preço de obras públicas, pratica sobrepreços ou frauda concorrências.

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Afinal, a obra que poderia ter sido feita por metade do valor do orçamento, ou aquela que não foi concluída por falta da revisão de valores, ou da aprovação de aditivos de preços – essa, o contribuinte tem convicção de que foi fruto do desvio de seu suado dinheiro (do seu, do meu, do nosso dinheirinho!).

Isso é crime. Com rastro e digitais. E esse merece ser punido. Com cadeia. Condução coercitiva, algemas. Condenação para toda a eternidade. Haja ou não provas (e não indícios!).

Essa é a exceção.

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A regra é cada gabinete do Legislativo já contar com dotação orçamentária para a contratação de equipe de assessores, qualquer que seja sua finalidade.

Reservada a verba, se ela vai ser gasta com assessores autênticos, competentes, peritos, ou com parentes, dá no mesmo. Se vai voltar para o bolso do representante do povo ou não, não é objeto de crítica.

Afinal, já está lá mesmo, na previsão. Logo, deverá ser gasta. Em benefício próprio ou não.

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O problema é que o cidadão comum, dono de imensa sabedoria que conforma o senso e o conhecimento comum, não entende que, se não houvesse tais contratações de simulacros de assessorias, o gasto das casas do povo poderia ser reduzido.

Com menor orçamento para o Legislativo, menor seriam os gastos públicos. O que liberaria recursos para serem utilizados em prol de melhoria da qualidade dos serviços públicos. Ou ainda melhor, com mais e melhores serviços sendo prestados a menores custos. E menores cargas tributárias.

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O que me leva a questionar, o porquê da existência de crimes que podem, e crimes que não são tolerados. Todos com os mesmos vícios de origem.

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Mas o povo prefere ver outros políticos, até ex-presidentes, acompanhados de seus filhos e companheiros na cadeia.

E ficam indignados com tanta perseguição feita a JaiMe e aos seus filhos, por essa extrema imprensa, dominada por comunistas e interesses escusos, em movimentos globalizantes de complô contra o país. 

Fugas, mentiras e fantasias. O mundo encantado de um líder quixotesco menor e insignificante

 Primeiro foi Queiroz, que fugiu a vários depoimentos para os quais havia sido intimado pela Polícia, no curso das investigações do escândalo da “rachadinha” na Assembleia do Estado do Rio, mais especificamente no gabinete de Flávio.

Ora alegando ser portador de moléstia grave, ora hospitalizado, com a justificativa de ter se submetido a cirurgia, Queiroz evitava se apresentar para esclarecer as transações financeiras vultosas identificadas por relatórios de órgãos de investigação de crimes financeiros.  

Ex-policial e mantendo estreitos vínculos com grupos milicianos, paramilitares,  Queiroz se valia da boa vontade de parte de seus ex-colegas de ofício, conseguindo se manter em local incerto e não sabido.

Antes tendo se escondido em apartamento no Guarujá, de propriedade da família do advogado da família de Flávio, transformado em seu representante legal, foi mais tarde transferido para outro imóvel de seu advogado, em Atibaia, onde não se furtou a manter agitada agenda de encontros com amigos, churrascos e diversão.

Preso, não explicou porque depositou, junto com sua esposa, 89 mil reais na conta de Michelle Bolsonaro.  

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Depois foi Jair, intimado para depor em processo instaurado pela Polícia Federal para investigar eventual interferência sua junto à própria PF, como denunciado pelo ex-juiz, ex-ministro e comparsa, igualmente figura de caráter duvidoso, Sérgio Moro.

Depois de longo tempo em silêncio, em que não foi capaz de denunciar os maus feitos de seu patrão, os quais até contribuía para encobrir,  o descumpridor de leis de Curitiba acusou Jair de tentar interferir em ações em curso  naquele órgão, evitando possíveis incriminações de seus filhos – já nessa ocasião, Flávio e Carlos.

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Exige a verdade que se registre que já há muito tempo, Jair procurou se esquivar da responsabilidade por implantação de artefatos explosivos em prédios militares, na tentativa de culpabilização de movimentos civis.

Como consequência, escapou da expulsão do Exército, o que lhe deu a oportunidade de ir se esconder nos porões da Câmara, no pântano em que o chamado baixo clero costuma agir.

Lá ficou escondido por mais de 30 anos, aproveitando-se de sua pouca importância e sua postura folclórica.

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Entretanto, Jair não se furtou de montar o esquema de aproveitamento das verbas públicas, as chamadas verbas de gabinete, para contratação de funcionários fantasmas, divisão de rendimentos de assessores, e até a prática de uma gestão de recursos humanos completamente estapafúrdio e ilegal, com contratações, movimentações de cargos e funções como que em rodízio, inclusive de milicianos e parentes de tais ilibados cidadãos.

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Mas, não podemos deixar de lembrar que Jair também fugiu a todos os debates da campanha eleitoral, o que lhe permitiu esconder sua incapacidade de manter uma conexão mínima com seus dois neurônios, a maior parte do tempo desligados.

Afinal, não apenas Jair tem limitado vocabulário, como uma completa e reconhecida ignorância de qualquer tema que não seja ligado a piadas de mau gosto, com conotação sexual, invariavelmente ligado – quem sabe,  aos seus desejos mais íntimos? – a questões de homofobia, transfobia, misoginia, racismo estrutural e, vá lá, um discurso conservador em prol da família, do nacionalismo e patriotismo e de armas.

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Devo reconhecer que Jair sabe se safar, e como tal, sabe o que falar e quando, para agradar ao seu núcleo duro e burro de seguidores. Aí incluídos os evangélicos, os cristãos e até os americanófilos de todo tipo, além dos próprios americanos, de quem se orgulha em ser sabujo.

E sua fala, mesmo desconexa, cala fundo junto a certos setores de pessoas incapazes de perceber o mundo como um ambiente social diversificado e rico, por essa mesma diferenciação.

São pessoas que continuam eternamente participando de marchas do terço, e movimentos em favor da Tradição, família e propriedade.

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Jair só não escapou da facada, para a qual rumou intrépido e destemido: sua maior arma eleitoral. A responsável por sua vitimização e postura de esquiva aos debates.

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Estarei cometendo grave injustiça, mas acho que ali, naquele momento, Jair começou a perceber a sabedoria e o oportunismo de Lula, ao utilizar-se de armas que permitiram ao petista chegar ao poder: o vitimismo do nordestino, do operário acidentado em trabalho, do que persevera e vence.  Talvez até enriqueça.

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Mais recentemente, Jair tenta escapar das perguntas incômodas e capazes de justificar os 89 mil depositados por Queiroz na conta de Michelle, sua mulher.

Embora aqui, também devamos reconhecer que ele já havia fugido antes, alegando desconhecer fatos que marcam a família de sua esposa: a prisão da avó, falecida, por tráfico de drogas; a condenação da mãe (sua sogra) por falsidade ideológica. Ora, quem não conhece fatos familiares tão triviais, não seriam 89 mil, na conta de sua mulher que seriam de seu conhecimento.

Ainda mais quando se sabe que ele nunca soube do enriquecimento de suas ex-mulheres e parentes da mãe de seus filhos, todos um zero à esquerda.

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Não é só. Tenta ganhar tempo e evitar de se apresentar para depor pessoalmente na investigação da PF, desrespeitando decisão do Ministro do STF, Celso de Mello.

No caso, ao procrastinar o depoimento, e tentar fazê-lo por meio outros, um batalhão de advogados e assessores responsáveis pela  redação do depoimento que devia ser seu, arrasta a decisão para depois da aposentadoria de Celso de Mello.

Assim, consegue nomear alguém terrivelmente evangélico, conservador, patriota, e companheiro de cervejada com ele.

Ao menos uma coisa devemos reconhecer sempre: Jair mente, mas não se esconde, já que seu ego não cabe em si.

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Mas dadas as características ou o perfil de seu candidato, difícil não imaginar que isso poderia ser também um crime, de tentativa de intervenção em outro poder: o próprio Supremo.

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Na mesma linha do pai, Flávio é outro trânsfuga. E foge à acareação com seu acusador e financiador, ex-amigo e suplente, Paulo Marinho.

Dá a desculpa de estar doente, depois de se vangloriar de estar curado. E a postura aprendida com Queiroz de estar em outro local, na data agendada, e participando de eventos sociais, comemorando,  como o mostram fotos postadas em suas redes.

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Flávio mente, e tenta escapulir, também esperando que um novo ministro no STF poderá lhe ser favorável nos pleitos relativos a manter o foro privilegiado, necessário para paralisar a investigação dos crimes por ele perpetrados, em especial, a rachadinha.

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Depois de todo esse histórico, falar o que do discurso de nosso Messias, para a abertura da sessão da ONU, ontem.

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Acho até que há um equívoco em que incorrem os analistas e críticos do discurso de ontem.

É que tais analistas cobram, esperam um discurso de estadista. Esquecem que Bolsonaro é apenas um governante. Chinfrim.

Minúsculo e estupenda e estupidamente obtuso.

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Aliás, equívocos e esquecimentos têm predominado em meio à pandemia, que nos atrai a atenção e permite que o condenado Ricardo Salles tente passar a boiada, e em meio a tanto desatino de um antigoverno.

Se não fosse isso, já teria sido dada muito mais atenção à data de 22 de abril. Por acaso aquela em  que se comemora a descoberta do Brasil. A primeira.

E agora, pós-Bolsonaro ou pós-desastre, a que se comemora a segunda descoberta do Brasil profundo, e toda sua sordidez.

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Voltemos ao tema principal.

Poderia D. Quixote em sua loucura poética, apaixonada,  não enxergar cavaleiros armados, dispostos a atacarem Dulcineia, em moinhos de vento.

Sancho Pança, seu escudeiro, teria alguma força para convencer o cavaleiro da triste figura que sua confusão era mais triste que a figura?

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Poderia ser esperado um discurso de estabelecimento de relações internacionais mais altivas, mais harmônicas, mais salutares, de alguém que não consegue respeitar e cumprir a máxima de Tolstoi  e não consegue se tornar universal, por não conseguir cantar sua aldeia?

Bolsonaro não é Messias. Melhor JA IR se acostumando com isso. Não é governante de um país digno de fazer parte do concerto das nações mais respeitadas do mundo.

Não consegue nem governar seu país e liderar seus eleitores. Exceto uma massa que lhe serve de claque, para a qual toda sua atenção é dispensada e toda sua mensagem é transmitida.

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Por essa sua cegueira, essa postura submissa, serviçal e tacanha, ele não consegue enxergar as labaredas de fogo que o circundam e em que ele mergulha.

Esperar de quem não se preocupa em coordenar e liderar um combate contra uma pandemia, tornando-a menos letal e avassaladora; de quem prefere se  vitimizar e culpar a todos pelos desastres que sua inação, somada à ação delituosa de seus apaniguados, incentiva; de quem é apenas louco, sem a envergadura moral de um Quixote, é delírio.

Não dele: nosso.

Que se já não esperávamos muito de sua torpe figura, agora temos certeza do acerto das leis de Murphy: não há nada que não possa piorar. Indicando que qualquer coisa que pode ocorrer de mal, irá ocorrer, ao menos por um mandato de desgoverno.

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Esperar grandeza de Bolsonaro, suas políticas, seu governo e seus discursos é, aí sim, querer acreditar em moinhos de vento inimigos e agressivos.

Razão porquê minha maior dúvida nesse momento não é de como reagirá a comunidade internacional e parte de nossa sociedade a tanto desatino e postura risível. Que nos expõe a todos ao deboche internacional.

Mas, saber o que leva gente de alguma formação intelectual (ausente em seu líder) a não conseguir tirar a viseira para enxergar o mal em que seu voto impensado, ou a defesa extrema de valores que lhes são caros, mesmo equivocados, conduziram o país.

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Porque Bolsonaro apenas mente. Fantasia. Foge. Foge da realidade e se abraça ao fogo, cuja fumaça impede que sua insignificância seja visualizada mais cruamente.